Rogerio Mollica
A comprovação do feriado local é uma das muitas armadilhas que vêm sendo armadas pelos Tribunais para a eliminação imediata de recursos. Dada a importância do tema, ele já foi objeto de dois artigos nessa coluna1.
Apesar da primazia do julgamento de mérito ser um dos pilares do Código de Processo Civil de 2015, do entendimento de nossa melhor doutrina quanto a possibilidade de comprovação posterior do feriado local e do Enunciado 662 do Conselho da Justiça Federal, tal entendimento não vem encontrando eco em nossas Cortes.
De fato, infelizmente, o entendimento dos Tribunais se consolidou de forma contrária à possibilidade de comprovação posterior do feriado local. Nesse sentido é o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FERIADO LOCAL.COMPROVAÇÃO. ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO.
1. O propósito recursal é dizer, à luz do CPC/15, sobre a possibilidade de a parte comprovar, em agravo interno, a ocorrência de feriado local, que ensejou a prorrogação do prazo processual para a interposição do agravo em recurso especial.
2. O art. 1.003, § 6º, do CPC/15, diferentemente do CPC/73, é expresso no sentido de que "o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso".
3. Conquanto se reconheça que o novo Código prioriza a decisão de mérito, autorizando, inclusive, o STF e o STJ a desconsiderarem vício formal, o § 3º do seu art. 1.029 impõe, para tanto, que se trate de "recurso tempestivo". 4. A intempestividade é tida pelo Código atual como vício grave e, portanto, insanável. Daí porque não se aplica à espécie o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC/15, reservado às hipóteses de vícios sanáveis.
5. Seja em função de previsão expressa do atual Código de Processo Civil, seja em atenção à nova orientação do STF, a jurisprudência construída pelo STJ à luz do CPC/73 não subsiste ao CPC/15: ou se comprova o feriado local no ato da interposição do respectivo recurso, ou se considera intempestivo o recurso, operando-se, em consequência, a coisa julgada.
6. Agravo interno desprovido."
(AgInt no AREsp 957.821/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2017, DJe 19/12/2017)
Se não bastasse a necessidade da comprovação prévia, os Tribunais passaram a surpreender mais ainda o jurisdicionado ao exigir a comprovação de feriados que estão muito arraigados em nosso cotidiano e até então, eram tidos como nacionais, como o feriado de Corpus Christi.
Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo também que feriados aparentemente tidos como Nacionais, não o são:
"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DO PRAZO RECURSAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. REGULARIZAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1.Não se conhece de recursos manifestamente inadmissíveis (REsp e AREsp), porquanto intempestivos, pois interpostos fora do prazo de 15 (quinze) dias úteis, nos termos do art. 994, VI e VIII, c.c. arts. 1.003, § 5.º, 1.029, 1.042, caput, e 219, caput, todos do Código de Processo Civil de 2015.
2. O dia do servidor público (28 de outubro), a segunda-feira de carnaval, a quarta-feira de cinzas, os dias que precedem a sexta-feira da paixão e, também, o dia de Corpus Christi - não são feriados nacionais, sendo imprescindível a comprovação de suspensão do expediente forense na origem. Precedentes: AgInt no AREsp 1.174.371 - GO, Segunda Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 03.04.2018, DJe 10.04.2018; AgInt no AREsp 1.139.753 - RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10.04.2018, DJe 16.04.2018.
3. A intempestividade é tida pelo CPC/2015 como vício grave e, portanto, insanável. Daí porque não se aplica à espécie o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC/2015, reservado para as hipóteses de vícios sanáveis, sendo que o feriado local deve ser comprovado no ato da interposição do respectivo recurso, não admitindo qualquer comprovação posterior. Precedente: AgInt no AREsp. n. 957.821 - MS, Corte Especial, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. p/Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 20.11.2017, DJe 19.12.2017.4. Agravo interno não provido." (g.n.)
(AgInt no REsp n. 1.715.972/MA, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 15/5/2018, DJe 18/5/2018).
Portanto, todo cuidado é pouco e na dúvida, deve-se comprovar a existência de todos os feriados, sejam locais ou nacionais, no ato da interposição do recurso.
Cumpre enfatizar que se os Tribunais possuem muitos recursos a serem julgados, que se criem filtros objetivos para selecionar os recursos que devem ser julgados e os que não. O que não se pode admitir é a criação de armadilhas não previstas em lei ou exacerbando a previsão legal e que surpreendem diuturnamente a advocacia e o jurisdicionado.
Desse modo, é de se aplaudir a recente iniciativa da AASP, IASP, OAB/SP, CESA e do MDA em lançar um manifesto da advocacia contra a jurisprudência defensiva de nossos Tribunais.
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1 Colunas de 6/7/2017 de minha autoria e de 16/8/2018 de autoria do professor André Pagani de Souza.
2 Enunciado 66: "Admite-se a correção da falta de comprovação do feriado local ou da suspensão do expediente forense, posteriormente à interposição do recurso, com fundamento no art. 932, parágrafo único, do CPC".