CPC na prática

Posições do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos últimos dois anos, sobre a dinamização do ônus da prova (artigo 373 do CPC/15)

Posições do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos últimos dois anos, sobre a dinamização do ônus da prova (artigo 373 do CPC/15).

4/10/2018

Elias Marques de Medeiros Neto

O artigo 373 do CPC/15 positiva o clássico instituto das cargas dinâmicas da prova, estabelecendo que:

"Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. § 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo".

O tema não é uma novidade, sendo que Bentham já ensinava que o ônus da prova poderia ser dinâmico, considerando a maior facilidade de uma parte, em relação à outra, de produzir a prova (Tratado de las pruebas judiciales).

Considera-se, para fins de aplicação do parágrafo primeiro do artigo 373 do CPC/15, a presença de uma maior facilidade técnica para uma das partes para a obtenção da prova; maior facilidade técnica de obtenção da informação.

Nessa linha, inclusive, já eram as previsões do artigo 12, parágrafo primeiro, primeira parte, do Código Modelo de Processos Coletivos do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do artigo 11, parágrafo primeiro, do Anteprojeto de Processos Coletivos e do artigo 217, parágrafo 7º, da Ley de Enjuiciamiento Civil/00.

Focado na importância da demonstração de uma maior facilidade técnica para a obtenção da prova, o Enunciado 6 do Centro de Estudos Avançados de Processo bem disciplina que: A hipossuficiência justificadora da atribuição do ônus da prova é a informativa e não a econômica (art. 373).

No mesmo sentido é o Enunciado 302 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: Aplica-se o art. 373, §§1º e 2º, ao processo do trabalho, autorizando a distribuição dinâmica do ônus da prova diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade da parte de cumprir o seu encargo probatório, ou, ainda, à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. O juiz poderá, assim, atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que de forma fundamentada, preferencialmente antes da instrução e necessariamente antes da sentença, permitindo à parte se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. (Grupo: Impacto do CPC no processo do trabalho);

O Enunciado 632 do FPPC, inclusive, prescreve a importância do zelo do magistrado com o princípio da cooperação, devendo respeitar seus deveres de consulta, auxílio, prevenção e esclarecimento, relativamente às cargas dinâmicas da prova: A redistribuição de ofício do ônus de prova deve ser precedida de contraditório.

A técnica da dinamização do ônus da prova, prevista no parágrafo primeiro do artigo 373 do CPC/15, não é sinônimo da inversão total do ônus da prova prevista no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, exige observação atenta dos detalhes do caso concreto, sendo perfeitamente possível que apenas parcelas das alegações de fato sejam atribuídas de forma dinâmica para uma ou outra parte. No mais, tal técnica – a do artigo 373 do CPC/15 – demanda a análise atenta dos princípios – normas fundamentais de acesso justiça, cooperação, eficiência, efetividade e paridade de armas; sempre em linha com um dos grandes objetivos da comissão de juristas que idealizou o CPC/15, que é justamente o de aproximar o juiz das partes e da realidade dos fatos.

Com relação ao momento para a prolação da decisão que cuida da distribuição dinâmica do ônus da prova, o Superior Tribunal de Justiça já sinalizou que:

"1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, sendo que a decisão que a determinar deve - preferencialmente - ocorrer durante o saneamento do processo ou - quando proferida em momento posterior - garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas. Precedentes: REsp 1395254/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 29/11/2013; EREsp 422.778/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 21/06/2012." (STJ - AgRg no REsp 1450473 / SC).

O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região seguiu a mesma linha:

"Tem-se que a referida inversão deve ser feita, preferencialmente quando do saneamento do processo (que no processo civil ocorre quando prolatado o despacho saneador). Contudo, não há impedimento para que ocorra em momento posterior, desde que antes de realizada instrução, e, principalmente, antes da prolação da sentença". (MS 0000454-54.2018.5.17.0000, TRT da 17ª. Região, 20.09.2018).

Após mais de dois de vigência do CPC/15, o instituto do artigo 373 já vem sendo objeto de diversas decisões no Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo possível, desde logo, delinear algumas tendências.

Realizando-se a consulta no site do Tribunal de Justiça de São Paulo, com os termos "dinamização", "ônus" e "prova", no período de 18/8/16 a 17/8/18, tem-se como resultado 118 acórdãos.

Desses 118, apenas 25 trataram especificamente das cargas dinâmicas da prova previstas no artigo 373 do CPC/15.

Ao se analisar os 25 acórdãos, as tendências encontradas foram:

14 acórdãos cuidam da necessidade de se averiguar se há maior facilidade técnica para uma das partes obter a prova, em relação à outra parte;

7 acórdãos cuidam da impossibilidade de se dinamizar o ônus da prova em caso de se gerar um enorme ônus (prova diabólica) para a outra parte;

3 acórdãos cuidam do momento para a dinamização do ônus da prova, sendo a decisão de saneamento (artigo 357 do CPC/15) o momento ideal;

1 acórdão cuida da prevalência do ônus da prova como regra de julgamento, apesar da regra expressa do CPC/15, e de aplicação da dinamização apenas em situações de polêmica quanto ao ônus financeiro da prova.

Conclui-se que, nesses últimos dois anos, quanto ao artigo 373 do CPC/15, as teses predominantes no Tribunal de Justiça de São Paulo são:

Maior facilidade técnica: ônus da prova deve recair sobre aqueles que possuem maior facilidade técnica para obtê-la. Nesse sentido é o julgado abaixo:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO RENOVATÓRIA – LOCAÇÃO – Discussão acerca da existência de saldo devedor em favor da locatária – Locadora que impugna o documento apresentado pela agravante para demonstrar o valor dos alugueis pagos, porquanto unilateral – Maior facilidade de comprovação, pela agravada, de que não recebeu os valores defendidos pela parte contrária, bastando juntar seus extratos bancários ao processo – Distribuição dinâmica do ônus da prova adotada pelo art. 373, § 1º, do CPC – Autorização da quebra do sigilo bancário da recorrida, para que a própria instituição financeira apresente os extratos, a fim de facilitar a resolução da controvérsia – Recurso parcialmente provido".

(TJ/SP; Agravo de Instrumento 2116185-97.2017.8.26.0000; Relator (a): Hugo Crepaldi; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itapecerica da Serra - 2ª Vara; Data do Julgamento: 21/09/2017; Data de Registro: 21/09/2017).

Momento ideal: o momento ideal para a dinamização do ônus da prova é durante a fase de saneamento do processo. Nesse sentido é o julgado abaixo:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO DE SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT) DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA – Aplicação imediata do art. 373, §1º, do CPC/15, por se tratar de norma eminentemente processual – O dispositivo permite a distribuição dinâmica do ônus da prova, a ser realizada na decisão de saneamento, porquanto é regra de instrução, e não de julgamento – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – DESCABIMENTO – Relação entre as partes decorre da Lei nº 6.194/74, e não de contrato – Relação de consumo inexistente. PERÍCIA – DETERMINAÇÃO DE PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS – Prova pericial requerida pelo autor, na petição inicial, ajuizada na vigência do CPC/73 – Inteligência do art. 1.047 do CPC/15 – Incidência, portanto, dos artigos 19 e 33 do CPC/73, que definem a responsabilidade pelas despesas decorrentes da atuação processual – RESPONSABILIDADE DA RÉ PELO ENCARGO PROBATÓRIO – DESCABIMENTO – Prova requerida pela parte autora na petição inicial – Parte autora beneficiária da justiça gratuita – Perícia a ser realizada pelo IMESC – DECISÃO REFORMADA – AGRAVO PROVIDO".

(TJ/SP; Agravo de Instrumento 2161771-94.2016.8.26.0000; Relator (a): Luis Fernando Nishi; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ipuã - Vara Única; Data do Julgamento: 24/11/2016; Data de Registro: 24/11/2016).

Prova diabólica: a dinamização do ônus da prova não pode gerar um encargo extremamente oneroso para uma das partes. Nesse sentido é o julgado abaixo:'

"Processual. Agravo de instrumento. Ação de indenização. Decisão agravada que determinou a inversão do ônus da prova. Prova que recai sobre fato negativo (comprovação de que os agravantes não agiram de má-fé na divulgação de informações a respeito da perfuração dos campos de petróleo em que a empresa agravante operava), o que caracteriza "prova diabólica" de impossível/dificílima produção. Incidência do art. 373, §2º, do CPC/2015. Precedente do E. STJ. Decisão reformada. Agravo provido". (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2012961-46.2017.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 43ª Vara CÍvel; Data do Julgamento: 29/11/2017; Data de Registro: 29/11/2017).

O instituto do artigo 373 do CPC/15, como visto, já vem sendo interpretado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo que sua melhor aplicação sempre deverá levar em conta as normas fundamentais do CPC/15 e os princípios constitucionais do processo civil.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).