CPC na prática

A tutela provisória concedida em segundo grau e a sua estabilização

A tutela provisória concedida em segundo grau e a sua estabilização.

27/9/2018

Rogerio Mollica

A estabilização da tutela por ser um instituto novo em nosso ordenamento vem suscitando muitas dúvidas nos operadores do direito. Nesse mês foi realizada a II Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal e no Grupo de Tutela Provisória e Procedimentos Especiais quase só se discutiram propostas de enunciados sobre a estabilização. O que se viu é que as incertezas e hesitações sobre o assunto são muitas.

Uma dúvida que surge é se a estabilização só poderia ocorrer quando a tutela é concedida em primeira instância e não é objeto de recurso ou se a tutela concedida pelo Tribunal e não recorrida também seria hábil a produzir a estabilização.

Pense-se no exemplo em que se requer uma tutela provisória antecedente e ela é indeferida pelo juiz de primeiro grau. O autor interpõe agravo de instrumento e a tutela provisória é concedida pelo Tribunal antes do aditamento da petição inicial. Se o réu não interpuser agravo em face dessa decisão, poderia a mesma estabilizar e ocorrer a extinção do processo de primeiro grau (art. 304, § 1º)?

A leitura do artigo 304 do CPC parece nos dizer que sim, pois não há na lei qualquer limitação de que a tutela provisória deva ser concedida somente em primeira instância para que ocorra a estabilização.

Nesse mesmo sentido é o entendimento de Heitor Vitor Mendonça Sica:

"Restaria saber se a tutela provisória fosse deferida em segundo grau de jurisdição após o manejo de agravo de instrumento contra a decisão de primeiro grau que indeferiu a providência (art. 1.015, I) e antes que tenha havido o aditamento da peça inicial (art. 303 § 1º, I). Fiel à premissa aqui acolhida, entendo que se ao tempo da decisão do tribunal o autor não houver ainda promovido a emenda à peça inicial, com a formulação do pedido de tutela final (art. 303, § 1º, I), pode-se cogitar da estabilização a decisão (monocrática ou colegiada) que houver deferido a medida em grau recursal (hipótese em que o réu será intimado da decisão para que se lhe dê oportunidade de recorrer)." ("Doze problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela antecipada" in Tutela Provisória no novo CPC: dos 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015 – coordenação Cássio Scarpinella Bueno...[et al.] – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 407)1

O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de decidir nesse mesmo sentido:

"Ação de jurisdição voluntária de cancelamento de cláusulas testamentárias de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, impostas por testamento lavrado na vigência do Código Civil anterior, tendo o testador falecido antes do advento do atual. Cabimento, nas circunstâncias do caso concreto. Imóveis onerados por dívidas tributárias, sem que o proprietário, que o testador buscou proteger, possa pagá-las. Cláusulas que esvaziam o conteúdo econômico da propriedade, retirando bens do comércio. Sua inconveniência. Disposições, sobre antieconômicas, contrárias à propriedade privada, alicerce da Ordem Econômica e Financeira pátria (Lei Maior, art. 170, II), bem assim afrontadoras das garantias individuais asseguradas no art. 5º, XXII (direito de propriedade), XXIII (sua função social) e XXX (direito à herança) da Constituição. Ofensa tanto ao aspecto estrutural da propriedade, ao aniquilar o direito de dispor, como ao funcional, pois os gravames transformam-se, com frequência, em estorvo para aquele que se buscava proteger, impedindo que os bens sejam explorados adequadamente. Decisão de primeiro grau, que condicionou a própria apreciação do pedido à apresentação, pelo autor, de bens em que se possam sub-rogar os vínculos. Agravo de instrumento do autor, em busca, desde logo de provisão acerca do mérito da ação. Deferimento tão só de tutela antecipatória, na forma do art. 303 do NCPC. Determinação, todavia, diante aquiescência dos possíveis interessados na sucessão dos agravantes, que, intimados, compareceram aos autos, de que se dê o fenômeno da estabilização da antecipação, na forma do art. 304 seguinte, caso não se venham a interpor recursos contra o acórdão. Lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER. O art. 304 em tela desmistificou os dogmas da universalidade do procedimento ordinário de cognição, da sentença e da coisa julgada, que não são mais a única técnica processual para a solução jurisdicional das controvérsias. Interesse da administração da Justiça em que assim seja (economia processual). Princípio da razoável duração do processo. Doutrina de LUIZ GULHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART. A novel técnica de otimização da prestação jurisdicional bem pode (e deve) ser usada em situações gerais que revelem a evidência do direito. Possibilidade de que isto se dê em se tratando de provimento, (des)constitutivo. Pressuposição de que, se da antecipação satisfativa não se recorreu, é porque não se tem interesse na discussão da questão, ou preocupação com os efeitos concretos da tutela antecipada. Agravo de instrumento apenas em parte provido, posto que não julgada de pronto a ação de jurisdição voluntária, como pedido no recurso, mas tão só deferida antecipação de tutela, com possibilidade de estabilização, na forma do art. 304 citado. Determinação de que, não interposto recurso, voltem os autos conclusos ao relator, para extinção do processo da ação de cancelamento de cláusulas (art. 932, I, combinado com o § 1o do art. 304, ambos do NCPC)."(g.n.)

(TJ/SP; Agravo de Instrumento 2252486-22.2015.8.26.0000; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 4ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 18/07/2017; Data de Registro: 20/07/2017)

Cumpre também ressaltar que a estabilização poderá ocorrer em face de tutelas concedidas por Tribunais em processos cuja competência originária seja dessas próprias Cortes2 e não somente em recursos, como no acórdão supra referido.

Portanto, desde que alertadas as partes quanto a possibilidade da estabilização da tutela concedida em segundo grau, conforme inclusive constou do julgado supra referido, parece não haver óbice à incidência do disposto no artigo 304 do CPC nestes casos.

______________

1 No mesmo sentido é o entendimento de Robson Renault Godinho ao comentar o artigo 304 nos Comentários ao novo Código de Processo Civil, coordenação Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 482.

2 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Cássio Scarpinella Bueno em seu Manual de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 232.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).