Daniel Penteado de Castro
Em recente edição desta coluna registramos a preocupação quanto a não aplicação, em determinados julgados, do art. 85, § 2º, do CPC/15, cujo novel dispositivo apontou critérios objetivos quando do arbitramento da verba honorária advocatícia sucumbencial, fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
Em contrapartida, as hipóteses de arbitramento de honorários por equidade ficaram limitadas a situações pontuais reservadas no § 8º, do art. 85: "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quanto o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º." (grifou-se).
A despeito das regras previstas nos parágrafos acima tratarem de situações claras, objetivas e distintas quanto a aplicação do § 8º ou do § 2º, sem prejuízo de igual entendimento de abalizada doutrina, referenciamos precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, retro citado1.
Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade, idêntico regime há de aplicar-se quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa.
Respeitados os entendimentos postos em tais precedentes, registrou-se a preocupação de tais decisões que, não obstante na contramão da inteligência do art. 85, § 2º, deixaram de considerar que; (i) a condenação da verba sucumbencial constitui ônus financeiro do processo, a desestimular a litigância informada por pedidos dotados de valores exorbitantes, sabedor o autor da demanda que eventual sucumbência há de incidir em percentual sobre a soma financeira de tais pedidos ou valor da causa, a se materializar, em respeito à boa-fé e cooperação, a formulação de pedidos responsáveis e alinhados com a medida daquilo que o autor efetivamente acredita que tem razão;2 (ii) demandas cujos valores envolvidos soam exorbitantes podem por vezes ser resolvidas mediante meios alternativos de autocomposição, porquanto os litigantes, cientes de que eventual verba sucumbencial proporcional aos valores em disputa será alta, por meio de composições mútuas, podem chegar a um denominador comum em acordo que evitará o litígio judicial e risco de incidência de elevada verba honorária advocatícia sucumbencial; (iii) de igual sorte, a verba honorária sucumbencial fixada em parâmetros elevados (em verdade, cumprindo-se a regra do art. 85, § 2º, do CPC/15), também desestimula a recorribilidade irresponsável (ou para se ganhar tempo), porquanto sobre referida verba arbitrada, na eventualidade de manutenção da decisão impugnada, há de ser majorados os honorários sucumbenciais (art. 85, § 11º, do CPC/15).
Sob tal prisma, (iv) atinge-se um dos desideratos do novel código, voltado a desestimular o ajuizamento de ações e a interposição desenfreada de recursos (ou cultura de se recorrer sempre). De outra banda, tal objetivo torna-se letra morta acaso prevaleça entendimento de que, casuisticamente caberá ao julgador decidir se aplica o art. 85, § 2º ou, relativiza sua aplicação em detrimento da equidade prevista no art. 85, § 8º.
Até porque, (v) o subjetivismo do julgador, nitidamente cambiante para se subsumir que a verba honorária advocatícia seria excessiva (que varia no tempo, espaço e cultura do magistrado), também impactará no estímulo a recorribilidade, dado que o que para determinado tribunal figura como honorários excessivos, para outro ministro pode se subsumir que não.
No mais, (vi) tais interpretações subjetivas daquilo que seria considerado honorários excessivos, trazem como efeito pernicioso a coexistência de decisões díspares, senão contraditórias e divorciadas de uniformização - determinado órgão jurisdicional pode entender que "x", a título de honorários, é excessivo, ao passo em que o mesmo valor pode ser interpretado por outro órgão jurisdicional como algo condizente a se aplicar o art. 85, § 2º - a se macular a própria imagem da jurisdição, porquanto presente a insegurança jurídica, ausência de previsibilidade e quebra da isonomia ao se aplicar o dispositivo para dado caso concreto e negar sua vigência em outro.
Por fim, também não se pode perder de vista que é comum na advocacia por vezes o causídico aceitar patrocinar determinada causa sem nada receber para remunerar seu trabalho, a labutar na incerteza se vencerá ou não em favor de seu cliente, porém contratados honorários ad exitum ou tão-somente dado o interesse do causídico na elevada verba sucumbencial uma vez aplicado o comando do art. 85, § 2º, do CPC/15. Tal (vii) prática em que, indiretamente proporciona o acesso à justiça àqueles que não têm condições de, de plano, honrar o pagamento de honorários contratuais, restará mitigada acaso a fixação da verba honorária sucumbencial tangencie a regra prevista no dispositivo retro citado.
Bem por isso, quando da seção de julgamento do AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 262.900, em que se decidiria pela relativização ou não do art. 85, § 2º, do CPC/15 a determinado caso concreto, a Quarta Turma do Tribunal de Justiça, valendo-se do art. 14, II, do Regimento Interno de referida Corte Superior3, por maioria decidiu afetar a matéria para ser dirimida pela 2ª Seção, com vistas a prevenir-se a divergência de entendimentos entre turmas integrantes do mesmo órgão colegiado4.
Após referido adiamento do julgamento sobreveio pleitos de intervenção, na qualidade de amicus curiae, formulados pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP e pelo IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.
Reservadas as razões da aplicação ou relativização causídica do art. 85, § 2º, do CPC/15, espera-se que preceda referido julgamento da oitiva e amplo debate em colaboração para formação do precedente, levando-se em consideração não só as razões acima alinhavadas, mas também examinada a matéria sob todas as óticas e pontos de vista, a enriquecer o debate democrático frente a tema que poderá gerar incerteza e insegurança jurídica acaso decidida a questão limitada a um ou poucos fundamentos, abrindo-se uma porteira de que, "excepcionalmente", a dado caso concreto observar-se-á o dispositivo, em outro não.
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1 Honorários advocatícios por equidade: interpretação extensiva ou contrária à lei?
2 Ou, valendo-se do clássico ensinamento de Chiovenda: “Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch’egli ha diritto di conseguire”. In. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzioni di diritto processuale civile, v. 1. 2. Ed. Napoli: Jovene, 1935, p. 42. “O processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir”, tradução livre.
3 “Art. 14. As Turmas remeterão os feitos de sua competência à Seção de que são integrantes:
I - quando algum dos Ministros propuser revisão da jurisprudência assentada
em Súmula pela Seção;
II - quando convier pronunciamento da Seção, em razão da relevância da questão, e para prevenir divergência entre as Turmas da mesma Seção;
III - nos incidentes de assunção de competência.”
4 O julgamento anterior já havia sido noticiado neste veículo: clique aqui.