André Pagani de Souza
No último dia 5/9/2018 foi realizada audiência pública na sede do Tribunal Regional Federal da terceira região com o objetivo de "dirimir questão controvertida de Direito Processual consistente em dúvida se o redirecionamento da execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica".
Trata-se de louvável iniciativa tomada no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) admitido pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região autuado sob o n. 0017610-97.2016.4.03.0000/SP cujo relator é o desembargador Federal Baptista Pereira.
O IRDR em questão foi suscitado em agravo de instrumento autuado sob o n. 0012118-27.2016.4.03.0000/SP, da relatoria do Desembargador Federal André Nabarrete, interposto pela União contra decisão que, em sede de execução fiscal promovida em face de pessoa jurídica, instaurou incidente de desconsideração da personalidade jurídica, suspendeu o curso da execução fiscal e determinou a citação dos seus sócios, nos termos dos artigos 134, § 3º e 135, caput, ambos da lei 13.105/2015 (CPC).
Segundo o entendimento manifestado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), "pedido de redirecionamento” da execução fiscal deveria ser apreciado imediatamente, independente de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica".
Isso porque, na sua visão, a suspensão automática do processo (CPC, art. 134, § 3º) seria incompatível com a execução fiscal, pois dificultaria muito a busca e o alcance de bens do devedor. Além disso, tal suspensão do processo principal favoreceria a dilapidação patrimonial porque impossibilitaria a prática de qualquer ato tendente à constrição de bens do devedor principal.
Assim, caso fosse adotado o entendimento pelo cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, no entender da PGFN, seria necessário o manejo de medidas cautelares pela Fazenda Pública para evitar prejuízos, o que se revelaria inviável do ponto de vista prático, em razão da frequência em que é requerido o redirecionamento das execuções fiscais.
Logo, para a PGFN, a adoção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em vez de se utilizar o puro e simples "redirecionamento da execução fiscal" colocaria em risco a própria satisfação do crédito fiscal.
Entretanto, o julgamento do recurso em questão foi suspenso para a instauração do IRDR por meio de decisão cuja ementa é a seguinte:
"PROCESSO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO FISCAL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
1. O requisito legal de efetiva repetição de processos que tem por objeto a mesma questão de direito restou comprovado pelos extratos de andamento processual que foram juntados aos autos.
2. Risco de ofensa à segurança jurídica e isonomia restou caracterizado diante do ambiente de dubiedade procedimental estabelecido.
3. Questão controvertida de direito processual: o redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
4. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas admitido."
Com efeito, dentro do âmbito do próprio TRF-3, existe controvérsia acerca da necessidade de instauração (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica disciplinado pelos artigos 133 a 137 do CPC nas hipóteses em que se pretende o redirecionamento da execução do crédito tributário.
Confira-se, a propósito, a título meramente ilustrativo, uma ementa de julgado da Terceira Turma do TRF-3 no sentido de descabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da execução fiscal:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. SÓCIO-ADMINISTRADOR. ARTIGO 135, III, CTN. SÚMULA 435/STJ. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ARTIGO 133, CPC/2015.
1. O pedido de redirecionamento da execução fiscal, em razão da Súmula 435/STJ e artigo 135, III, CTN, não se sujeita ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, de que trata o artigo 133 e seguintes do CPC/2015 e artigo 50 do CC/2002.
2. A regra geral do Código Civil, sujeita ao rito do Novo Código de Processo Civil, disciplina a responsabilidade patrimonial de bens particulares de administradores e sócios da pessoa jurídica, diante de certas e determinadas relações de obrigações, diferentemente do que se verifica na aplicação do artigo 135, III, CTN, que gera a situação legal e processual de redirecionamento, assim, portanto, a própria sujeição passiva tributária, a teor do artigo 121, II, CTN, do responsável, de acordo com as causas de responsabilidade tributária do artigo 135, III, CTN.
3. Configurando norma especial, sujeita a procedimento próprio no âmbito da legislação tributária, não se sujeita o exame de eventual responsabilidade tributária do artigo 135, III, CTN, ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, de que tratam os artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015.
4. Agravo de instrumento provido".
(TRF-3, 3ª Turma, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0012070-68.2016.4.03.0000/SP, rel. Des. Fed. Carlos Muta, D.E. 05.09.2016, grifos nossos)
Por outro lado, cumpre destacar, também a título meramente ilustrativo, ementa de julgado no sentido de admissão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Primeira Turma do TRF-3:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. ART. 13 DA LEI Nº 8.620/93. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL RECONHECIDA PELO STF. REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS. INAPLICABILIDADE. SISTEMÁTICA DO ART. 135, INCISO III DO CTN. HIPÓTESES DE CABIMENTO DO REDIRECIONAMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DO ART. 135, CTN IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. PRECEDENTES.
- Trata-se na origem de execução fiscal ajuizada pela União com o fim de cobrança de débitos previdenciários referentes ao período de 02/2000 a 03/2001, em face da empresa executada e dos sócios-agravantes.
- O Egrégio Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 562.276/PR, reconheceu a inconstitucionalidade material e formal do artigo 13 da lei 8.620/1993, o qual estabelecia a responsabilidade solidária do titular da firma individual e dos sócios das sociedades por quotas de responsabilidade limitada por débitos relativos a contribuições previdenciárias. Posteriormente, o mencionado dispositivo foi revogado pela lei 11.941/2009.
- Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade material e formal do artigo 13 da lei 8.620/1993, o Colendo Superior Tribunal de Justiça adequou seu entendimento a respeito da matéria, por intermédio do regime dos recursos repetitivos, para o fim de afastar a aplicação do citado preceptivo e, com isso, impedir a inclusão do nome dos sócios nas Certidões de Dívida Ativa. (REsp 1153119/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 02/12/2010)
- Traçado o contexto normativo e jurisprudencial atinente à questão subjacente aos autos, conclui-se que a inclusão de sócios no polo passivo de execuções fiscais propostas com o objetivo de cobrar contribuições previdenciárias deve obedecer apenas à sistemática do artigo 135, inciso III, do CTN, é dizer, o feito poderá ser redirecionado aos sócios diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas, quando constatada a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.
- Por outras palavras, a mera inclusão dos nomes dos sócios na CDA não tem o condão de efetivamente redirecionar o feito a eles, tampouco de inverter o ônus da prova, por esbarrar em dispositivo legal declarado inconstitucional pelo Pretório Excelso. O fator determinante para incluir os corresponsáveis no polo passivo do executivo fiscal é, em realidade, o atendimento ao disposto no artigo 135, III, do CTN. Precedentes.
- Ressalto que no caso específico dos autos em nenhum momento ficou demonstrada a ocorrência de uma das hipóteses do artigo 135 do CTN, pelo que não há se falar em redirecionamento do feito aos sócios diretores e representantes, ao menos em cognição sumária e não exauriente deste recurso.
- Todavia, observo que, em se constatando posteriormente atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, será possível que se proceda à inclusão dos corresponsáveis no polo passivo do executivo fiscal, observados o lapso prescricional e o procedimento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (CPC, arts. 133 e ss).
- Agravo de instrumento provido".
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 578788 - 0005458-17.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 11/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/10/2016, grifos nossos).
Percebe-se, portanto, a necessidade de se uniformizar o entendimento – dentro do próprio TRF-3 – acerca da compatibilidade (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica com a lei que rege o processo de execução dos créditos tributários (lei 6.830/1980 ou "Lei de Execuções Fiscais"). Por tais razões, merece aplausos a iniciativa de se instaurar o IRDR para debater e uniformizar o entendimento acerca desta importante questão controvertida, trazendo maior segurança jurídica para todos.