Rogerio Mollica
A estabilização da tutela prevista no "caput" do artigo 304 do Código de Processo Civil é uma das muitas inovações do novo CPC. A saudosa professora Ada Pellegrini Grinover sempre foi uma entusiasta de tal instituto, que é baseado na experiência Italiana e Francesa.
O instituto é bastante controverso e gera muitas dúvidas nos operadores, entretanto, esse breve estudo se limitará a verificar a possibilidade da estabilização da tutela concedida em face da Fazenda Pública.
O Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado nº 582 prevendo que: "Cabe estabilização da tutela antecipada antecedente contra a Fazenda Pública".
O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de decidir pelo cabimento da estabilização da tutela em face do Fazenda Pública, conforme se depreende do seguinte julgado:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ATO JUDICIAL IMPUGNADO. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. MEDICAMENTOS. TUTELA ANTECIPADA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ANTECIPADA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ESTABILIZAÇÃO DA DECISÃO. CABIMENTO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. Matéria devolvida em sede de agravo. Impugnação da Fazenda considera as limitações para concessão da tutela antecipada em caráter antecedente. Inteligência do art. 304 DO CPC. A estabilização não qualifica a formação da coisa julgada. A estabilização da decisão estende a chamada técnica monitória para as tutelas de urgência porque condiciona o resultado do processo ao comportamento do réu ("secundum eventus defensionis"). Realidade compatível com o regime jurídico que rege os atos do Estado em juízo, a exemplo do que ocorre com a ação monitoria, na qual a formação do título executivo é decorrência da inércia do réu (Súmula 339 do STJ). Possibilidade de demandar o autor para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. Inexistência de óbices para requerer tutela antecipada antecedente em face da Fazenda Pública. PRAZO PARA CUMPRIMENTO E MULTA FIXADA. Ausência de elementos que justifiquem a fixação e prazo exíguo para fornecimento de medicamento não contido na lista de dispensação obrigatória por parte do Estado. Prazo majorado para 30 dias e multa diária reduzida para R$ 200,00, limitada a R$ 60.000,00. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (g.n.)
(TJSP; Agravo de Instrumento 2129259-58.2016.8.26.0000; Relator (a): José Maria Câmara Junior; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Sumaré - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/09/2016; Data de Registro: 28/09/2016)
É de se ter presente a ressalva feita pelo Professor Eduardo Talamini em artigo intitulado "Ainda a estabilização da tutela Antecipada" publicado nesse mesmo informativo Migalhas de 01/04/2016 sobre a correlação entre a estabilização da tutela, a ação monitória e a Fazenda Pública:
"O CPC/15 disciplinou o tema expressamente, no âmbito da ação monitória. Adotou a segunda orientação – que dizima o efeito principal monitório: se não houver embargos ao mandado, haverá reexame necessário (art. 701, § 4.º). Logo, não se constituirá de pleno direito o título executivo. O tribunal que seria competente para o recurso, de ofício, revisará a decisão concessiva da tutela monitória. Se é assim na ação monitória, torna-se sistematicamente muito difícil, se não inviável, reconhecer a incidência do efeito monitório no caso de falta de recurso da Fazenda contra a tutela antecipada antecedente.
Há ainda um segundo óbice, de caráter objetivo. Se a posição jurídico-material atingida pela tutela antecipada tem caráter indisponível, não parece possível que ela possa ser neutralizada, por tempo indeterminado (e talvez definitivamente) pelo fenômeno da estabilização. Imagine-se o caso em que se obtém tutela antecipada antecedente para sustar os efeitos do ato de exoneração de um servidor, por falta grave. Não seria razoável estabilizar-se a suspensão da eficácia de tal ato sem a cognição exauriente dos seus fundamentos de legitimidade".
Realmente o grande óbice que sempre se levanta quanto a possibilidade de estabilização da tutela em face da Fazenda Pública é a existência da Remessa Necessária.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já teve oportunidade de afastar tal exigência, conforme se depreende do seguinte julgado:
"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. AUSÊNCIA DE RECURSO. INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ART. 304 DO NCPC. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPATÓRIA. APLICABILIDADE À FAZENDA PÚBLICA.
- O art. 304 apresenta uma redação clara em relação ao requisito para se tornar estável a tutela de urgência na modalidade antecipada, isto é, a não interposição de recurso contra a decisão que a conceder.
- O legislador optou por utilizar o termo "recurso" contra a decisão que conceder a tutela de urgência, na modalidade antecipada, não cabendo ao intérprete sua ampliação, no sentido de admitir qualquer impugnação para obstaculizar a estabilização da tutela concedida, com a consequente extinção do processo.
- Lecionam os Professores Érico Andrade (UFMG) e Dierle Nunes (PUC Minas) que, se obtida a tutela de urgência, no procedimento preparatório da tutela antecipatória (satisfativa), e o réu não impugnar a tutela concedida, mediante recurso de agravo de instrumento (art. 1015, I, novo CPC), o juiz vai extinguir o processo e a medida liminar antecipatória da tutela vai continuar produzindo seus efeitos concretos mesmo na ausência de apresentação do pedido principal (art. 304, §§1º e 3º, novo CPC).
- A Fazenda Pública se submete ao regime de estabilização da tutela antecipada, por não se tratar de cognição exauriente sujeita a remessa necessária. (Enunciado 21 sobre o NCPC do TJMG).
-Recurso improvido". (Apelação Cível nº 0004894-49.2016.8.13.0348, Rel. Des. Heloisa Combat, 4ª Câmara Cível, julgamento 08/11/2016)
Leonardo Carneiro da Cunha também se mostra contrário à realização da remessa necessária nesse caso:
"Não é, porém, passível de remessa necessária a decisão que concede a tutela de urgência contra a Fazenda Pública. A estabilização, para ocorrer, não depende de remessa necessária. Isso porque a estabilização, como se viu, não se confunde com a coisa julgada. A remessa necessária é imprescindível para que se produza a coisa julgada. Além do mais, não cabe tutela de urgência contra o Poder Público nos casos vedados em lei e nos casos de pagamento de valores atrasados, que exija expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor. Não sendo possível tutela de urgência com efeitos financeiros retroativos, a hipótese não alcança valor que exija a remessa necessária, aplicando sua hipótese de dispensa prevista no § 3º do art. 496 do CPC".
(A Fazenda Pública em Juízo, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 316)
Portanto, apesar do entendimento aparentemente majoritário da doutrina e da jurisprudência quanto ao cabimento da Estabilização da Tutela em face da Fazenda Pública, faz-se urgente que o Superior Tribunal de Justiça decida em definitivo a questão, já que atualmente temos muita insegurança jurídica, eis que tutelas aparentemente estabilizadas podem não estar mais, se for necessária a realização da remessa necessário nesses casos.