CPC na prática

Expedição de Certidão Premonitória em Ação de Conhecimento

Daniel Penteado de Castro fala sobre a possibilidade da expedição de certidão premonitória em ação de conhecimento.

25/1/2018

Daniel Penteado de Castro

A chamada certidão premonitória, antes prevista no art. 615-A do CPC/73, passou a ser regulada no art. 828 do CPC/2015. Pelo teor de referido dispositivo, nas ações de execução, "(...) o exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora, arresto ou indisponibilidade."

Referida certidão, a ser averbada na matrícula de bens imóveis, veículos ou outros bens que, de alguma forma possuem registro de acesso público, tem o condão de (i) dar publicidade a terceiros quanto a existência da ação de execução promovida contra o devedor e, ainda (ii) por meio de referida publicidade, evitar eventual desfalque patrimonial do devedor que aliena o bem onde estava registrada a certidão, a presumir-se em fraude à execução (art. 828, § 4º, do CPC/2015) acaso o devedor não possua outros bens para pagamento do crédito executado.

Nessa ótica lecionam Marcelo Abelha Rodrigues e Flávio Cheim Jorge:

"Assim, tanto quanto possível é importante que o exequente lance mão de meios que lhe permitam evitar que o executado desfalque seu patrimônio além do suficiente para garantir as obrigações inadimplidas. Nesta toada, uma das formas é justamente trazer ao conhecimento de terceiros a existência da execução instaurada contra o executado, o que é feito, por exemplo, por intermédio da averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. Com isso, realizada a averbação, então o eventual desfalque patrimonial e alienação do referido bem onde estava registrada a certidão, presume-se em fraude à execução, e nenhum terceiro poderá sustentar posteriormente que adquiriu o bem sem saber que estaria ele comprometido com a sujeitabilidade à expropriação.

(...)

Não se discute que esta certidão da execução averbada no local de registro dos bens do executado tem um papel fundamental de advertir com antecipação, atuando como se fosse uma espécie de aviso – daí receber o apelido forense de certidão premonitória – no sentido de não apenas informar o terceiro que pretenda adquirir o bem que sobre ele pesa a aura da responsabilidade patrimonial do executado, mas em especial de presumir em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação nos termos do art. 828, § 4º, do CPC.

Portanto, esta técnica de proteção da responsabilidade patrimonial tem em si uma inegável função preventiva – de evitar a oneração ou alienação – mas também repressiva no sentido de facilitar o reconhecimento da fraude do bem adquirido após a averbação."1

Por sua vez, o art. 828 do CPC/2015 está topologicamente situado no Título II, do Livro II, do CPC/2015, que regula o chamado “processo de execução”, processo esse cujo requisito principal impõe a pré-existência de um título executivo extrajudicial dentre aqueles arrolados no art. 784 do CPC/2015. De igual modo, o art. 828 trata de expedição da certidão premonitória em favor do “exequente”.

Logo, dúvidas não há de que a certidão premonitória é reservada ao processo de execução.

Todavia, a jurisprudência vem flexibilizando o entendimento por aceitar o deferimento da certidão premonitória em ações de conhecimento, regidas pelo chamado procedimento comum.

Nesse contexto é a inteligência dos julgados emanados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“Agravo de Instrumento. Alienação Fiduciária de imóvel. Ação Declaratória de Nulidade de Atos Jurídicos. Tutela provisória indeferida em Primeiro Grau. Pretensão à averbação premonitória em fase de conhecimento. Possibilidade. Art. 828, CPC. Aplicação subsidiária das regras que regem o processo de execução. Ausência de incompatibilidade. Decisão reformada. Recurso provido.

(...)

Cinge-se o presente recurso à possibilidade de se efetuar a averbação premonitória junto às matrículas dos imóveis dados em garantia por alienação fiduciária, descritos na inicial, em processo de conhecimento, como tutela cautelar.
Conquanto o artigo 828 do Código de Processo Civil se refira apenas às ações executivas, a interpretação analógica dos dispositivos legais está prevalecendo em orientações jurisprudenciais, para permitir a averbação de distribuições de ações ajuizadas pelo procedimento comum em registros de imóveis e veículos (dentre outros), antes mesmo da prolação de sentença de mérito, desde que presentes os requisitos autorizadores da tutela cautelar, nos termos dos artigos 300 e 301, do Diploma Processual.

(...)

Desta forma, recomendável a expedição de certidão premonitória, ainda que não se cuide de processo de execução, de modo que plenamente viável, no caso concreto, a incidência do artigo 828, do Código de Processo Civil. A concessão da tutela de provisória de urgência, consoante dicção do artigo 300, do Código de Processo Civil, exige a presença de "elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo", observando-se que a medida "não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão" (§ 3º).

Segundo a sistemática processual vigente, aquele que pretende se beneficiar com a tutela de urgência deve comprovar a existência de elementos de informação que conduzam à plausibilidade de suas alegações ('fumus boni iuris'), assim como o risco de dano irreparável ou de difícil reparação decorrente da demora na prestação jurisdicional ('periculum in mora'), além da reversibilidade dos efeitos da medida.

Assim, conquanto não se exija prova capaz de formar juízo de plena convicção, o requerente deve trazer aos autos elementos de informação sólidos, consistentes, aptos a proporcionar ao Magistrado a formação de um juízo de probabilidade quanto ao direito alegado.

Em semelhante conjuntura, em cognição sumária, conclui-se que existem elementos suficientes para a apreciação, com segurança, das alegações da agravante, posto que, eventual procedência do pedido redundará na nulidade do procedimento de consolidação da propriedade e, diretamente, afetará os imóveis objeto das matrículas números 132.981, 132.982, 132.983, 132.984 e 132.985, afetando eventuais terceiros adquirentes.

Desta forma, presentes os requisitos legais autorizadores da tutela antecipada pretendida, de rigor o seu deferimento, até para que se dê publicidade, junto às matrículas imobiliárias, da litigiosidade existente sobre os imóveis, resguardando eventual direito de terceiros, ainda que o processo se encontre em fase de conhecimento, observando-se o quanto disposto no artigo 296, do Estatuto Processual."

(Agravo de Instrumento n. 2089244-13.2017.8.26.0000, Rel. Des. Bonilha Filho, 26ª Câmara de Direito Privado, j. 23.06.2017, grifou-se)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de conhecimento. Averbação nesta ação da matrícula de bem imóvel. Aplicação analógica do artigo 615-A do CPC afeto aos processos de execução. Possibilidade. Poder geral de cautela previsto no artigo 798 do mesmo diploma legal. Averbação que dará publicidade do conflito existente entre as partes, resguardando direito de terceiro. Recurso provido."

(Agravo de Instrumento nº 2262476-37.2015.8.26.0000, Rel. Des. Teixeira Leite; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do julgamento: 15/02/2016; Data de registro: 15/02/2016, grifou-se);

"TUTELA ANTECIPADA. Ação monitória. Pretensão de concessão de arresto cautelar inominado, com base no poder geral de cautela. Não comprovada a necessidade da medida. De outra feita, possibilidade de averbação da demanda na matrícula do imóvel, por analogia ao art. 615-A do CPC, ainda que o feito se encontre em fase de conhecimento, o que resguarda suficientemente os direitos do agravante nesse momento processual. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO."

(Agravo de Instrumento nº 2033348-87.2014.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Alcides; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/11/2015; Data de registro: 10/12/2015, grifou-se);

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. Averbação premonitória de ajuizamento de ação de conhecimento em registro de imóveis. Possibilidade. Aplicação analógica do art. 615-A do Código de Processo Civil. Entendimento adotado no parecer n. 266/2010-E da Corregedoria Geral de Justiça deste Tribunal. Medida tem por objetivo evitar fraude à execução, hipótese que pode se caracterizar em fase de conhecimento. Poder geral de cautela do juiz (art. 798 do CPC). Existência de mecanismo de controle para coibir o uso abusivo do instituto (art. 615-A, § 4º, do CPC). Decisão mantida. Recurso não provido."

(Agravo de Instrumento nº 2002161-61.2014.8.26.0000, Rel. Des. Gilson Delgado Miranda; Comarca: Santos; Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 07/04/2014; Data de registro: 07/04/2014, grifou-se)

Os julgados acima firmaram o entendimento pelo cabimento da expedição de certidão premonitória em ação de conhecimento, pedido este que, todavia, deve ser atendido pela técnica da tutela provisória. Portanto, diferentemente da mera admissibilidade da ação de execução, o deferimento da certidão premonitória em ação de conhecimento exige a presença dos requisitos da tutela provisória (fundada na urgência ou na evidência) disciplinada nos arts. 294 a 311 do CPC/2015.

A flexibilização interpretativa aplicada certamente favorece a recuperação de crédito inadimplido e outras ações de conhecimento destinadas a cobrança de valores em que não há título executivo, com o diferencial de que, em ações de cobrança de quantia regidas pelo procedimento comum, de igual modo é possível se valer da eficácia técnica da certidão premonitória.

_______________

1 - BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao código de processo civil, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 622

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).