CPC na prática

Recentes posições do Poder Judiciário sobre o art. 190 do CPC/15

Recentes posições do Poder Judiciário sobre o art. 190 do CPC/15.

7/12/2017

Elias Marques de Medeiros Neto

O CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o art. 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".

Antonio do Passo Cabral1 assim define o instituto do art. 190 do CPC/15: "convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento".

Como lembra Teresa Arruda Alvim2, "A autorregulação entre as partes mediante celebração de negócios jurídicos processuais acerca de aspectos procedimentais da ação judicial que porventura mantenham entre si vê-se prestigiada nestes arts. 190 e 191".

Em essência, o art. 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual.

Teresa Arruda Alvim3 exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...".

Cassio Scarpinella Bueno4 doutrina que os negócios processuais podem versar, por exemplo, sobre escolha de conciliador, mediador e da câmara de mediação, suspensão do processo, escolha do perito, escolha do administrador depositário, e redução de prazos.

Para Fredie Didier Jr.5, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos.

Grande debate existe na doutrina acerca dos limites para a aplicação do art. 190 do CPC/15, não havendo, ainda, uniformidade quanto ao tema. Para Teresa Arruda Alvim6, os negócios processuais não podem versar sobre deveres absolutos das partes (arts. 77 e 78 do CPC/15), sobre matérias indisponíveis e acerca de eventual não motivação das decisões judiciais. Fredie Didier Jr.7, por sua vez, afirma que os negócios processuais não podem versar sobre competência em razão da matéria, da função e da pessoa, bem como sobre a taxatividade e cabimento dos recursos. Humberto Theodoro Jr.8 defende que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública.

É certo que o Poder Judiciário terá a difícil missão de delinear quais são os limites de aplicação do art. 190 do CPC/15, sendo, portanto, importantíssimos os recentes julgados acerca do tema.

No julgamento do Agravo de Instrumento n. 2045753-87.2016.8.26.0000, a 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo sido relator o Desembargador Luis Fernando Nishi, entendeu que as partes, com base no art. 190 do CPC/15, podem versar sobre a forma pela qual recebem intimações:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO MONITÓRIA – HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Intimação para os fins do artigo 475-J do CPC/1973 – Ré executada sem advogado constituído nos autos – INTIMAÇÃO PESSOAL – DESNECESSÁRIO – Partes que estipularam mudança no procedimento para ajustá-lo a especificidade da demanda – NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL PREVISTO NO CPC/2015 – CABIMENTO - Intimações a serem realizadas no endereço declinado, ficando autorizado o recebimento de intimação por quaisquer terceiros que nele se encontrem. AUTOCOMPOSIÇÃO E CAPACIDADE PLENA DAS PARTES. DISPONIBILIDADE DOS INTERESSES A PERMITIR O NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSAL - Inteligência do art. 190, do CPC/2015. DECISÃO AGRAVADA REFORMA. AGRAVO PROVIDO." Segue interessante trecho do julgado: "Consagrado na nova ordem processual, o CPC/2015 permite o negócio jurídico processual, como fundamento no dever de colaboração, face aos interesses disponíveis dos envolvidos, como forma, ainda, da efetividade da prestação jurisdicional, certo, ademais, que a disposição em análise decorre de acordo entra as partes, agora em fase de cumprimento, sem que nisso resida qualquer violação de lei".

No julgamento da Apelação Cível n. 70075492462, a 16ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido relator o desembargador Paulo Sérgio Scarparo, entendeu que as partes podem convencionar sobre a realização da audiência de conciliação e sobre o momento para a apresentação de contestação:

"APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ACORDO PARA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO, COM REALIZAÇÃO DE NOVA AUDIÊNCIA, A PARTIR DA QUAL CORRERIA O PRAZO PARA CONTESTAR. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL VÁLIDO. ART. 190 DO CPC. NÃO OBSTANTE, JUÍZO DE ORIGEM CONDUZIU O PROCESSO AO ARREPIO DO ACORDADO PELAS PARTES, EM INEQUÍVOCO PREJUÍZO À RÉ S&K, CUJO PRAZO CONTESTACIONAL FOI TOLHIDO. ERROR IN PROCEDENDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. DERAM PROVIMENTO AO APELO DA RÉ S&K PRODUTOS PARA SAUDE LTDA., RESTANDO PREJUDICADO O RECURSO DA PARTE AUTORA. UNÂNIME". Segue interessante trecho do julgado: "Percebe-se, então, que as partes acordaram a realização de nova audiência de conciliação, sendo que o prazo para contestar somente correria a partir dessa nova solenidade. Nesse ponto, convém lembrar que o CPC permitiu, em seu art. 190, às partes a realização de negócios processuais a fim de adaptar o procedimento às especificidades do caso, privilegiando, segundo a norma fundamental do art. 3º, parágrafo 4º, a utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos, como a conciliação. Dessa forma, plenamente válido - e em consonância com o espírito do novo diploma processual - o ajuste firmado pelas partes para nova tentativa de conciliação, correndo o prazo defensivo somente a partir dessa segunda audiência".

O Poder Judiciário certamente terá o desafio de traçar as fronteiras de aplicação deste importante instituto previsto no art. 190 do CPC/15, tendo sempre como base as normas fundamentais do CPC/15 e a necessária leitura constitucional do processo.

__________

1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68.

2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397.

3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397.

4 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 217.

5 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381.

6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 402.

7 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 388.

8 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).