CPC na prática

Aspectos processuais da reforma trabalhista

Aspectos processuais da reforma trabalhista.

30/11/2017

Elias Marques de Medeiros Neto

A recente reforma trabalhista não se destaca apenas pelas inovações no âmbito do Direito Material. Também no campo do Direito Processual existem previsões que merecem importante atenção da comunidade jurídica.

Em um franco e harmônico diálogo com o CPC/15, através da lei 13.467/17, a CLT passa a contar com o art. 855-A, que dispõe que se aplicam os arts. 133 e seguintes do CPC/15 para reger o incidente de desconsideração da personalidade jurídica; o que, em outras palavras, significa afirmar que os potenciais afetados pela desconsideração da personalidade jurídica – dentre eles sócios e administradores da empresa – tem direito ao contraditório prévio antes da competente decisão acerca do tema no processo. Sem prejuízo da suspensão do processo em virtude da instauração do incidente do art. 133 do CPC/15, a possibilidade de deferimento da tutela provisória de urgência está prevista no parágrafo segundo do mesmo art. 855-A. E os competentes recursos contra a decisão que deferir a desconsideração da personalidade jurídica estão previstos no parágrafo primeiro do mesmo artigo.

Neste tópico, importante é a previsão do art. 10-A da CLT, que estabelece que o sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato social. Igualmente importante é a previsão do parágrafo terceiro do art. 2 da CLT, que prevê que não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

Em igual relevante diálogo com o CPC/15, a atual redação do art. 818 da CLT adota a famosa teoria das cargas dinâmicas da prova, prevendo em seu parágrafo primeiro que o ônus da prova poderá ser atribuído de forma diversa nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade, à excessiva dificuldade, ou à maior facilidade de obtenção da prova por uma das partes, devendo a decisão ser fundamentada. Vale ressaltar, nos termos do enunciado 6 do Centro de Estudos Avançados de Processo – Ceapro, que "a hipossuficiência justificadora da atribuição do ônus da prova é a informativa e não a econômica". E em prestígio à teoria que afirma que o ônus da prova também é regra de instrução, o parágrafo segundo do mesmo art. 818 da CLT estipula que a atribuição dinâmica do ônus da prova deve ser deferida antes da audiência de instrução.

Na mesma linha de dialogar com o CPC/15, a atual redação do art. 775 da CLT prevê a contagem dos prazos processuais em dias úteis, tal qual o faz o art. 219 do CPC/15.

O ônus da sucumbência e a multa por litigância de má-fé estão previstos, respectivamente, nos arts. 790-B, 791-A, 793-B e 793-C da CLT, sendo certo que, de alguma forma, também aqui se encontra pontos de inspiração da CLT nas recentes previsões do CPC/15, seja pela vedação da compensação dos honorários na hipótese da sucumbência recíproca, seja pelos valores estipulados para a multa por litigância de má-fé.

Relevantíssima alteração é a previsão do parágrafo primeiro do art. 840 da CLT, que exige que a petição inicial, tal qual ocorre no CPC/15, apresente pedido certo, determinado e com precisa indicação de seu valor; tudo de modo a contribuir para o manejo responsável da causa trabalhista.

Em clara inovação em relação à prática forense trabalhista, o parágrafo terceiro do art. 843 da CLT prevê que o preposto não precisa ser empregado da pessoa jurídica reclamada; o que não o desobriga, nos termos do parágrafo primeiro, de ter conhecimento dos fatos alegados no processo.

O legislador também se preocupou em escalonar a fixação da indenização por dano moral, conforme previsão do parágrafo primeiro do art. 223-G da CLT.

Continuando com o seu diálogo com o CPC/15, a CLT, em seu art. 882, expressamente faz referência ao art. 835 do CPC/15, e prevê a indicação de bens à penhora, podendo o executado inclusive se valer do seguro garantia para tanto.

A reforma também delineia a aplicação do critério de transcendência para o exame do recurso de revista, conforme previsão do caput do art. 896-A da CLT. Segundo o parágrafo primeiro do citado artigo, é indicadora de transcendência a questão: (i) I - econômica, se elevado o valor da causa; (ii) política, se houve desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal; (iii) social, se há postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado; e (iv) jurídica, se há existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.

A presidência do TRT não tem competência para examinar a existência de transcendência, sendo tal ato da exclusiva competência do TST, conforme previsto no parágrafo sexto do art. 896-A da CLT. E em decisão recorrível à turma, o relator do recurso de revista pode monocraticamente denegar seguimento ao recurso que não demonstrar a referida transcendência. Todavia, caso a decisão do relator não reconhecendo a transcendência tenha sido proferida em sede de agravo de instrumento em recurso de revista, a decisão seria irrecorrível, conforme prevê o parágrafo quinto do art. 896-A da CLT.

Não há dúvida de que a preocupação da CLT, tal qual ocorreu com a previsão na Constituição Federal da exigência da repercussão geral para a admissibilidade do recurso extraordinário, é a de restringir ao TST o exame de recursos de revista que realmente demonstrem maior repercussão, em conformidade com os critérios agora estipulados na CLT. O que se espera é que haja uma adequada regulamentação, no âmbito do TST, de como tal instituto será aplicado na prática; seguindo-se como exemplo as reformas que se deram no regimento do STF para melhor assegurar o respeito ao instituto da repercussão geral.

Haveria mais relevantes aspectos do ponto de vista processual para abordar neste humilde artigo. A preocupação aqui não foi o de esgotar o tema; mas tão somente chamar a atenção para importantes pontos de processo, demonstrar o diálogo travado entre a CLT e o CPC/15 – que já vinha consagrado no art. 15 do CPC/15 – e ressaltar, por último, que tal qual ocorre com a leitura do CPC/15, a CLT deve ser interpretada sempre de acordo com as normas constitucionais, sendo que a constitucionalização da leitura das regras processuais é tendência inevitável nos tempos modernos.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).