CPC na prática

A importância do manejo dos embargos de terceiro quando o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não é observado

A importância do manejo dos embargos de terceiro quando o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não é observado.

16/11/2017

Elias Marques de Medeiros Neto

Umas das grandes novidades do CPC/15 é a previsão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme estipulado nos artigos 133 e seguintes do diploma processual.

E quando um terceiro é afetado por uma ordem judicial, fruto de uma desconsideração da personalidade jurídica de uma das partes do processo, sem que tenha sido observado o rito do artigo 133 do CPC/15, o artigo 674 do código prevê a possibilidade de o prejudicado se defender através da ação de embargos de terceiro.

Recentemente, em 7 de novembro de 2017, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da apelação 0002861-86.2008.8.26.0160, tendo sido relator o Desembargador Sérgio Gomes, decidiu que:

"Assim, conquanto alegado que haveria ser necessária a prova da condição da posse dos bens, nos termos do art. 1.050 do CPC/73 (art. 677 do CPC/2015), além da turbação ou esbulho na posse, consoante art. 1.046 do mesmo diploma (art. 674 do CPC/2015), tem-se que sem a decretação da desconsideração da pessoa jurídica, o embargante não pode ser parte da ação e, dessa forma, indevida a penhora sobre os bens de caráter pessoal."

Naquele caso, o Tribunal de Justiça considerou, portanto, que sem o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o terceiro afetado pela ordem judicial pode e deve manejar embargos de terceiro.

Mas, afinal, o que é a ação de embargos de terceiro?

O artigo 674 do código prevê que aquele que não for parte no processo e sofrer constrição, e/ou ameaça de constrição, sobre bens que possua, ou sobre os quais tenha direito, poderá requerer o respectivo cancelamento do ato constritivo, e/ou a inibição de tal ato, através da ação de embargos de terceiro.

Trata-se de ação de conhecimento, prevista no código como procedimento especial, que tem como objeto proteger o patrimônio de terceiro quanto à ordem de constrição, e/ou à ameaça de constrição, proveniente de processo judicial do qual o terceiro não faz parte.

A constrição que autoriza o ajuizamento dos embargos de terceiro deve ter natureza judicial.

Nos termos do parágrafo primeiro do artigo 674, os embargos de terceiro podem ser manejados pelo terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou pelo possuidor. O parágrafo segundo do artigo 674 elenca hipóteses de terceiros legítimos para o manejo da ação de embargos de terceiro.

Considera-se terceiro, para fins do ajuizamento dos embargos, o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação. Claro, todavia, que se a responsabilidade pelo pagamento da dívida puder ser atribuível ao cônjuge ou ao companheiro, com a possibilidade de os seus respectivos bens serem constritos, os embargos do devedor ou a impugnação ao cumprimento de sentença, nesta situação, passam a ser o meio processual próprio a ser manejado.

O artigo 674 do Código prossegue elencando como terceiro o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução.

Como já visto, o mesmo parágrafo segundo do artigo 674 do código apresenta a hipótese de se ajuizar os embargos de terceiro na situação de sofrer-se constrição de bem por força de desconsideração da personalidade jurídica; constrição esta havida sem que o terceiro tenha integrado o incidente de que trata o artigo 133 do código.

Finalmente, o credor com garantia real também pode se valer dos embargos de terceiro para evitar a expropriação judicial do bem objeto da garantia real, caso não tenha sido intimado dos respectivos atos expropriatórios.

O artigo 675 do código é claro ao dispor que os embargos de terceiro podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento, enquanto não transitada em julgado a sentença. Caso o processo já esteja em fase de cumprimento de sentença ou no processo de execução, o prazo é de até cinco dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta. Importante regra consta do parágrafo quarto do artigo 792 do código, que prevê, para o caso de fraude à execução, que, antes de declarar a fraude, o juiz deve intimar o terceiro adquirente para que, caso queira, oponha embargos de terceiro, no prazo de quinze dias.

O enunciado 191 do fórum permanente de processualistas civis, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, declara que o prazo especial do artigo 792, parágrafo quarto, é exclusivo para as hipóteses de fraude à execução, sendo que nas demais situações o prazo a ser observado é o do artigo 675 do código.

Nos termos do artigo 676 do código, a ação de embargos de terceiro deve ser ajuizada perante o juízo que ordenou a constrição, devendo ser autuada em apartado. Caso o ato de constrição tenha ocorrido através de carta, os embargos de terceiro devem ser distribuídos perante o juízo deprecado, salvo na situação de a carta precatória já ter sido devolvida ao juízo deprecante e/ou na situação em que o bem constrito foi indicado expressamente pelo juízo deprecante.

O artigo 677 exige que a petição inicial seja acompanhada de provas quanto à qualidade de terceiro do requerente da ação de embargos, bem como de provas quanto à posse e/ou ao domínio do bem constrito, sendo que o requerente deve juntar documentos e apresentar o rol de testemunhas. A prova da posse pode se dar em audiência preliminar designada para este fim pelo magistrado, conforme o parágrafo primeiro do artigo 677.

A citação deve ser pessoal, caso o embargado não tenha procurador constituído nos autos da ação principal. O sujeito passivo da ação de embargos de terceiro, de acordo com a previsão do parágrafo quarto do artigo 677, deve ser o sujeito beneficiado com o ato da constrição, bem como o sujeito processual da ação principal que tenha feito a indicação do bem que foi constrito.

O artigo 678 do código prevê a possibilidade de o juízo suspender as medidas constritivas sobre os bens litigiosos, objeto dos embargos de terceiro, bem como a manutenção ou a reintegração provisória da posse; sendo que o parágrafo único estipula que o juízo pode condicionar a ordem de suspensão à prestação de caução pelo requerente, caução esta dispensável quando a parte for economicamente hipossuficiente.

Nos termos do artigo 679 do código, os embargos de terceiro podem ser contestados no prazo de quinze dias, sendo que o procedimento, após o decurso do prazo para a apresentação da defesa, deverá seguir o rito comum.

Conforme o disposto no artigo 680 do código, para os casos que versam sobre a garantia real do credor embargante, a defesa do embargado sofre limitação, de modo que este poderá apenas alegar que: (i) o devedor comum é insolvente; e/ou (ii) o título é nulo ou não obriga a terceiro, sendo que o credor embargante não teria como sustentar seu direito de preferência; e/ou (iii) outro é o bem dado em garantia.

O artigo 681 do CPC cuida da sentença de procedência dos embargos de terceiro, a qual poderá ser recorrida por apelação.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).