CPC na prática

A prova emprestada e o princípio do contraditório

A prova emprestada e o princípio do contraditório.

10/8/2017

Elias Marques de Medeiros Neto

O Novo Código de Processo Civil, no capítulo referente às provas, prevê, em seu artigo 372, que: "o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório".

Trata-se da possibilidade de o magistrado validar a utilização da prova emprestada, sendo certo que esta orientação está em consonância com a posição que predomina na doutrina e na jurisprudência pátria.

A prova emprestada deve ser entendida como aquela que foi produzida em outro processo e cujos efeitos a parte pretende que sejam apreciados e considerados válidos por magistrado que preside um processo diverso.

Para Nelson Nery Jr.1 prova emprestada é "aquela que, embora produzida em outro processo, se pretende produza efeitos no processo <_st13a_personname productid="em quest?o. Sua" w:st="on">em questão. Sua validade como documento e meio de prova, desde que reconhecida sua existência por sentença transitada em julgado, é admitida pelo sistema brasileiro."

Para Nelson Nery Jr.2, a questão mais importante para a admissão da prova emprestada é a observância do contraditório em relação aos litigantes. Na mesma direção segue Luiz Guilherme Marinoni3, para quem a observância do contraditório na produção da prova é fundamental para que esta possa emprestar os seus efeitos a outros autos.

Lição semelhante está na obra de Eduardo J. Couture4: "As provas produzidas em outro juízo podem ser válidas, se nele a parte teve a oportunidade de empregar contra elas todos os meios de controle e de impugnação que a lei lhe conferia no juízo em que foram produzidas (...). Da mesma maneira, as provas do juízo penal podem ser válidas no juízo cível, se no processo criminal a parte teve a oportunidade de exercer contra elas todas as formas de impugnação facultadas pelo processo penal".

No Fórum Permanente de Processualistas Civis do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), no encontro de Salvador, foi votado, em 2013, enunciado sugerido pelo Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro), sendo aprovado por unanimidade que, para fins de admissão da prova emprestada, o princípio do contraditório deve ser observado tanto no processo de origem, no qual se formou a prova, como no processo de destino, no qual se pretende utilizar a prova produzida no processo anterior.

A necessidade de observância do princípio do contraditório nas duas esferas, tanto no processo de origem como no processo de destino, é fundamental para que a prova emprestada possa ser validamente admitida no Direito Processual Civil pátrio; tudo de modo a se respeitar o direito constitucionalmente protegido de zelar-se pelo devido processo legal.

Exatamente neste sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, tendo-se rejeitado o uso da prova emprestada, quando o importante princípio do contraditório não foi observado:

"A prova emprestada utilizada sem o devido contraditório, encartada nos acórdãos que deram origem à condenação do extraditando na Itália, no afã de agravar a sua situação jurídica, é vedada pelo art. 5º, LV e LVI, da Constituição, na medida em que, além de estar a matéria abrangida pela preclusão, isto importaria verdadeira utilização de prova emprestada sem a observância do contraditório, traduzindo-se em prova ilícita". (STF, Rcl n. 11243, Rel. Min. Gilmar Mendes, 08.06.2011, Tribunal Pleno).

"É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. - A prova emprestada, quando produzida com transgressão ao princípio constitucional do contraditório, notadamente se utilizada em sede processual penal, mostra-se destituída de eficácia jurídica, não se revelando apta, por isso mesmo, a demonstrar, de forma idônea, os fatos a que ela se refere. Jurisprudência". (STF, RHC n. 106.398, Rel. Min. Celso de Mello, 04.10.2011, Segunda Turma).

O Superior Tribunal de Justiça também já prestigiou o posicionamento acima, enfatizando a importância do respeito ao princípio do contraditório no uso da prova emprestada:

"Laudo pericial realizado em outro processo e anexado por cópia na fase recursal constitui prova emprestada, qualificada como prova ilícita, porque produzida com inobservância dos princípios do contraditório e do devido processo legal, não se prestando para embasar sentença de pronúncia". (STJ, HC n. 14216/ RS, Rel. Min. Vicente Leal, 16.10.2001, Sexta Turma).

Neste norte, na linha de se evitar a formação de nulidades processuais e a configuração de ilicitude de prova, é fundamental que o uso da prova emprestada observe o princípio do contraditório, bem como as nobres diretrizes do devido processo legal.

Nesta linha, em julgamento recente do agravo de instrumento n. 2057552-93.2017.8.26.0000, ocorrido em 28/06/2017, a 7ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo sido relator o desembargador Rômolo Russo, bem decidiu que:

"Agravo de instrumento. Deferimento do exame pericial para aferição do valor locativo de imóvel. Decisão agravada que admitiu o uso de prova emprestada para a definição do valor locativo do escritório comercial situado no sétimo pavimento. Prova emprestada que se refere a escritório comercial situado no décimo sexto pavimento do mesmo edifício. Valor pertinente as unidades autônomas de um mesmo edifício que não é uniforme, ainda que possuam a mesma planta, há variação em razão do pavimento em que está situado e de sua posição geográfica no andar. Admissível a contraprova deferida, sobretudo porque o art. 372 do CPC determina que a admissão de prova emprestada deve observar o contraditório. Útil e necessária a perícia a bem da observância da ampla defesa e do contraditório. Agravo desprovido." (g.n.)

Andou bem, portanto, o novo Código de Processo Civil ao frisar que a prova emprestada deve ser manejada com respeito ao princípio do contraditório; demonstrando-se, neste sentido, sua preocupação com o princípio da efetividade processual.

E isso porque, como é claro, a efetividade do processo é obtida não só através de institutos que prevejam maior dinamismo e/ou celeridade e/ou economia na fluência do processo; sendo sempre necessário, também, para que o processo seja considerado efetivo, que haja o respeito ao due process of law.

Não há dúvida que o regular uso da prova emprestada pode contribuir para a fluência e o dinamismo do processo civil; sendo importante, contudo, que se respeite o princípio do contraditório tanto no processo em que a prova foi produzida, como no processo em que ela será utilizada como emprestada, tudo de modo a se respeitar sempre o devido processo legal e o princípio da proibição da prova ilícita.

__________

1 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 190.


2 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. São Paulo: RT, 8ª. edição. p. 191.


3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 3ª. Edição, 2006. p. 323.


4 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Tradução: Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial. 2008. p. 125.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).