CPC na prática

A sucumbência recursal e a ausência de contrarrazões

A sucumbência recursal e a ausência de contrarrazões.

13/4/2017

Rogerio Mollica

O novo Código de Processo Civil foi concebido para que se tenha um processo mais célere e sem dilações indevidas. Qualquer operador sabe que o nosso processo é bastante demorado, entretanto, muitas das causas dessa lentidão são estruturais e não legais.

Não sendo possível aumentar a estrutura na proporção do aumento do número de processos, a solução é evitar o ajuizamento de processos ou mesmo tentar limitar a interposição de recursos protelatórios. Dessa forma, o novo Código procura incentivar os meios alternativos de solução de controvérsia e tornou mais caro litigar. Com a fixação de honorários máximos no processo de conhecimento, no cumprimento e a imposição de multas, pode-se chegar a um incremento de quase 50% no valor de uma condenação.

Portanto, os honorários advocatícios não são mais apenas uma forma de remunerar os advogados, mas uma maneira de limitar o ajuizamento de ações e mesmo a interposição de recursos meramente protelatórios. Os honorários passam a ter o papel de sanção à parte derrotada, que sob os olhos do Judiciário litigou e/ou recorreu indevidamente1.

Um incremento nos custos dos processos se dá com a impossibilidade de compensação dos honorários no caso de sucumbência parcial, que é decisão acertada, pois os honorários pertencem aos advogados e não às partes, logo um absurdo a previsão do artigo 21 do CPC de 1973 para a compensação dessas verbas. Nesse caso, as duas partes perdem parcialmente e ambas devem pagar honorários aos advogados da parte adversa2.

Como grande inovação temos a fixação de novos honorários pelos tribunais ao julgar os recursos. Tal previsão está no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil: "O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos § § 2º e 3º para a fase de conhecimento"3. Cumpre esclarecer que no projeto do Senado os honorários poderiam ser aumentados até o percentual de 25%, sendo que na Câmara esse percentual foi reduzido para 20%, que é o previsto no Novo CPC.

O § 12 é enfático ao prever que os honorários previstos no § 11 (recursais) são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive as previstas no art. 77 (atos atentatórios à dignidade da justiça).

Apesar da previsão legal de que o incremento dos honorários se daria no Tribunal para de alguma forma remunerar o "trabalho adicional realizado em grau recursal", tem se notado uma tendência no aumento dos honorários mesmo no caso do recorrido não apresentar contrarrazões. De fato, se o advogado da parte não apresenta contrarrazões, pode ser alegado que não se teve trabalho adicional com o referido recurso. Tal afirmação nem sempre é verdadeira, pois esse advogado pode ter apresentado memoriais, despachado com o Relator e demais julgadores, efetuado sustentação oral ou tão somente acompanhado por longo anos a tramitação de tal recurso. Dessa forma, merece ser remunerado, mesmo no caso de não ter apresentado contrarrazões. Ademais, tal majoração visa a desestimular eventuais recursos protelatórios e essa face sanção dos honorários sucumbenciais independe da apresentação de resposta ao recurso.

Tal entendimento é compartilhado pelo Supremo Tribunal Federal, que por decisão majoritária entendeu que:

"(...) o fato de não ter apresentado contrarrazões não necessariamente significa que não houve trabalho do advogado: pode ter pedido audiência, ter apresentado memoriais. Em última análise, como eu considero que essa medida é procrastinatória e que a majoração de honorários se destina a desestimular também essa litigância procrastinatória." (ARE 964.330 AgR/ES, Rel. para acórdão Roberto Barroso, 1ª Turma do STF, julgamento em 30/08/2016)4

Em tal julgamento restou vencido o Ministro Marco Aurélio Mello, que deixou de majorar a condenação pela ausência das contrarrazões eis que "(...) esse acréscimo, em termos de honorários advocatícios, a teor do disposto n § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil, pressupõe o trabalho desenvolvido pelo advogado da parte contrária, beneficiário da condenação."

No dia 7/4/2017 o próprio site Migalhas publicou reportagem com o título: "STJ fixa requisitos para arbitramento de honorários advocatícios recursais". Em tal reportagem consta o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que "não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido em grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba"5.

Cumpre ainda ressaltar que tal entendimento das Cortes Superiores não vem sendo aplicado em muitos julgados, conforme se depreende do recente acórdão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Acórdão desta Câmara que negou provimento à Remessa Necessária e recurso do Município – Embargos de Declaração agora opostos pelo Município apelante para ver reconhecida eiva do decisório, para tanto, apontando suposta contradição – Acolhimento dos embargos de declaração de rigor. 1. Efetivamente descabida a majoração da verba honorária em sede recursal porque não apresentada contrarrazões pela parte adversa, não se submetendo, assim, à hipótese do art. 85, § 11º, do novo CPC. 2. Acolhimento dos Embargos de Declaração para suprimir a majoração dos honorários advocatícios nesta Superior Instância. Embargos de Declaração acolhidos." (g.n.) (Embargos de Declaração no Processo 1000192-83.2015.8.26.0035, 6ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Sidney Romano dos Reis, julgado em 3/4/2017) g.n.

Parte importante de nossa doutrina também aponta a necessidade da apresentação das contrarrazões ou da existência de um trabalho adicional para a fixação dos honorários recursais. Esse é o entendimento de Bruno Vasconcelos Carilho Lopes:

"Observe-se, no entanto, que o arbitramento de honorários recursais complementares aos fixados nas instâncias anteriores tem por objetivo remunerar o trabalho do advogado do recorrido na fase recursal. Diante disso, se nenhum trabalho foi realizado, não há o que remunerar e, portanto, não devem ser fixados novos honorários no julgamento do recurso (Lopes, 2008, p.99). É o caso dos recursos julgados sem prévia intimação do recorrido para apresentar resposta, tal como muitas vezes ocorre nos embargos de declaração, e daqueles em que, apesar do recorrido ser intimado, seu advogado não apresenta resposta nem pratica qualquer ato antes do julgamento do recurso"6.

Em que pesem os julgados dos Tribunais de Justiça e Federais e a abalizada doutrina que entendem que seria necessária a existência de um trabalho adicional a justificar a majoração dos honorários na fase recursal, tende a prevalecer o entendimento que esses honorários recursais além do caráter remuneratório, teriam o caráter punitivo, sendo desnecessária a apresentação de contrarrazões ao recurso ou mesmo qualquer ato do advogado do recorrido no Tribunal a fim de justificar a fixação de honorários recursais.

__________

1 Nesse sentido é o entendimento de Rogerio Licastro Torres de Mello: "É de se observar, por fim, que a fixação do percentual dos honorários sucumbenciais deve levar em conta, a nosso ver, não só o potencial remuneratório ao advogado que patrocinou a vitória de uma das partes, mas também deve servir de sanção patrimonial à parte derrotada para que esta sofra materialmente as consequências de uma conduta que o judiciário reputou indevida (tanto que sucumbente no âmbito da ação), o que nos permite entrever caráter pedagógico da parte derrotada na estipulação dos honorários sucumbenciais." ("Honorários advocatícios sucumbenciais: apreciações gerais e princípios aplicáveis", in Honorários Advocatícios, coord. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 60).

2 Nesse sentido merece destaque o alerta de Elias Marques de Medeiros Neto: “É relevante a repercussão desta previsão para o jurisdicionado, reforçando-se ainda mais a necessidade do prévio cálculo do custo e benefício em litigar. Imagine-se a hipótese de o réu de uma determinada demanda ser condenado a pagar, em sucumbência parcial, certo montante ao autor. Neste caso, como a sucumbência foi parcial, o autor também será condenado a arcar com honorários devidos ao advogado do réu. Ocorre que o réu não se mostra solvente e não consegue pagar a quantia devida ao autor, o qual, independentemente do êxito no recebimento do que lhe é devido, deverá arcar com os honorários fixados em favor do advogado do réu; os quais, dada a sua natureza alimentar e dada a previsão de não compensação, serão inegavelmente devidos, em um verdadeiro duplo prejuízo ao autor! O autor não receberá o valor que lhe é devido pelo réu e ainda terá de pagar os honorários de sucumbência fixados em favor do advogado do réu, em razão da sucumbência parcial. Este contexto tende a se tornar frequente em um país recheado de crises econômicas como é o brasil, de modo que o cálculo do custo e benefício de litigar precisa ser feito com bastante seriedade por parte do jurisdicionado. Refletir sobre qual é o real custo da demanda e sobre quais são as reais chances de êxito do processo são verdadeiros deveres do jurisdicionado antes da decisão de ajuizar uma demanda perante o poder judiciário.” (“Breves anotações sobre o regime dos honorários de sucumbência, nas demandas entre particulares, no Novo Código de Processo Civil”, in Honorários Advocatícios, coord. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 145).

3 O professor Cássio Scarpinella Bueno vê um efeito colateral na inovação legal: "O § 11 do art. 85 estabelece que eventual majoração dos honorários devida pela existência do segmento recursal deve respeitar os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º. Efeito colateral que a regra provavelmente trará é a imposição de honorários aquém do limite legal, na primeira instância, para que eles sejam majorados no caso de haver recurso. Mesmo no âmbito recursal, não deverá chocar ninguém se o limite legal não for atingido justamente porque outros recursos são cabíveis e, nesse sentido, ensejam outras majorações, sempre nos limites destacados. Para um Código que quer(ia) evitar recursos, a escolha legislativa é criticável." (Manual de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva 2015, p. 130). A escolha do legislador parece ter sido exatamente essa, fixação dos honorários não no teto para o sucumbente poder escolher entre prosseguir recorrendo e podendo pagar mais honorários ou se quedar inerte e pagar honorários menores que 20%. Se desde logo forem fixados honorários de 20%, o sucumbente não vai hesitar em recorrer, pois não poderá sofrer um acréscimo na referida condenação.

4 O mesmo entendimento foi aplicado aos AREs 711.027 e 964.347.

5 EDcl no RESP 1.573.573, Rel. Min. Marco Bellizze, 3ª Turma, julgado em 4/4/2017.

6 In honorários Recursais no Novo Código de Processo Civil, Revista do Advogado, n. 126, Associação dos Advogados de São Paulo, 2015, p. 20). Esse também é o entendimento de Guilherme Rizzo Amaral: "Não faz jus à majoração de seus honorários o advogado do recorrido, ainda que vencedor no recurso, que não participar de forma alguma da instância recursal (seja apresentando contrarrazões ao recurso, seja apresentando memorial, comparecendo ao julgamento ou proferindo sustentação oral). Vale lembrar que os honorários em fase recursal não punem o recorrente por utilizá-la, mas, sim, remuneram o advogado da parte contrária pelo seu trabalho, acaso existente." (Comentários à alteração do Novo CPC, São Paulo, RT ,2015, p. 156).

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).