CPC Marcado

Art. 91 do CPC - Despesas processuais e entidades públicas

A Fazenda Pública, o MP e a Defensoria Pública dispõem de tratamento especial quanto ao momento de pagarem as despesas processuais, ou seja, de arcar com o custo dos atos processuais praticados mediante requerimento de alguma dessas entidades públicas quando figurarem como parte na lide processual.

27/10/2022

A Fazenda Pública, o Ministério Público e a Defensoria Pública dispõem de tratamento especial quanto ao momento de pagarem as despesas processuais, ou seja, de arcar com o custo dos atos processuais praticados mediante requerimento de alguma dessas entidades públicas quando figurarem como parte na lide processual. Esta é a previsão do art. 91 do atual Código de Processo Civil, CPC/2015, que estabelece no caput que as despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública sejam pagas ao final pelo vencido. Como regra geral, a parte autora deve adiantar as custas processuais e demais eventuais despesas que decorram de atos processuais praticados ao longo do processo, à exceção da justiça gratuita, conforme abordado em colunas anteriores1.

A inclusão da Defensoria Pública no rol de entidades públicas com este tratamento especial é uma inovação do atual Código de Processual Civil. O antigo CPC/1973 previa, em seu art. 27, apenas o Ministério Público e a Fazenda Pública como entidades dispensadas de adiantar as despesas processuais.

Ademais, o CPC/15 inovou ao incorporar no parágrafo 1º do aludido artigo, também o Ministério Público e a Defensoria Pública, ampliando o alcance do que já previa o enunciado da súmula 232 do Superior Tribunal de Justiça - STJ, segundo o qual "A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito2. A jurisprudência do STJ3 estabelece interpretação recente acerca da aplicabilidade do artigo 91 do CPC/2015, retratando que em sede de ação civil pública promovida pelo Ministério Público o adiantamento dos honorários periciais ficará a cargo da Fazenda Pública a qual o perito estiver vinculado.  Isso porque não é razoável obrigar o expert a trabalhar de forma gratuita, tampouco transferir ao réu a obrigação de financiar ações contra ele movidas.

O artigo 18 da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985)4 prevê que não haverá adiantamento de qualquer despesa, incluindo honorários periciais, tampouco a condenação da associação autora. Vale dizer, nas ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público, quando esse ente restava vencido em sua pretensão, o perito ficava prejudicado em seu direito à remuneração pelo ofício exercido. A solução encontrada pelo Superior Tribunal de Justiça foi transferir para a Fazenda Pública tal ônus, ainda que essa não figure como parte na demanda. Como a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil não teve o efeito de causar, por si só, a superação do julgamento repetitivo que havia definido a questão5 e tendo em vista o princípio da especialidade, aplica-se, nesses casos,o artigo 18 da Lei 7.347/85 e não o artigo 91 do Código de Processo Civil. Desse modo, e aplicando por analogia o verbete sumular nº 232 do STJ, a Fazenda Pública a que se acha vinculado o parquet deverá arcar com as despesas do perito.

De toda sorte, estando as entidades públicas em condições de realizar a perícia requerida pela Fazenda Pública, Ministério Público ou Defensoria Pública, é aconselhável que o façam, pois nesses casos há possibilidade de assinatura de convênios, o que favorece a oferta de serviços com preços mais razoáveis do que os vigentes no mercado, evitando o encarecimento das despesas processuais6. Exemplos dessas entidades públicas são as universidades federais ou qualquer outro órgão público conveniado (art. 95, § 3º, CPC/2015).

No tocante à hipótese de haver previsão orçamentária para adiantamento do valor da perícia requerida pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, trata-se de previsão que estabelece não uma faculdade, mas um dever dos entes públicos de repassar recursos aos órgãos da Fazenda Pública, ao Ministério Público e à Defensoria Pública para que atendam aos ônus processuais nos processos que participem e necessitem de perícia.7

Portanto, se houver previsão orçamentária, os honorários periciais deverão ser antecipados, cabendo destacar que esse adiantamento se dá tanto nas hipóteses de o perito ser particular como nos casos em que este for servidor público, conforme jurisprudência do STJ: "Mesmo quando se tratar de servidor público, poderá haver necessidade de adiantamento do ônus, desde que sua remuneração não abarque indenização que suporte o investimento"8. A súmula 190 do STJ9, já previa a antecipação do numerário destinado ao custeio das despesas com transporte dos oficiais de Justiça.

Por fim, o §2º do art. 91 do CPC/15, encerra o dispositivo dispondo que, caso não haja previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários periciais, esses serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público. Este dispositivo, em complementação ao § 1º do art. 91, CPC/2015, também trata da perícia requerida pelas entidades públicas citadas no caput do artigo para os casos em que atuem como parte e apresenta a possibilidade do adiantamento dos honorários periciais pelo ente público se dar apenas no exercício financeiro seguinte, caso não exista previsão orçamentária, ou ainda pelo vencido, ao final do processo, caso esse se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público.

O CPC/2015 ampliou o rol de entidades públicas beneficiadas com a possibilidade de pagamento das despesas processuais somente ao final do processo ao incluir a Defensoria Pública no caput do art. 91, CPC/2015. Trata-se de inovação positiva para a população atendida pela entidade, na medida em que conferir essa possibilidade à Defensoria permite maior qualidade ao embasamento fático e jurídico das ações que ela venha a propor, ampliando o acesso à justiça compreendido em sua dimensão substantiva.

 Ademais, o artigo em comento incorpora a jurisprudência consolidada no STJ, ao amparar os peritos garantindo a remuneração pelo serviço prestado, o que era um vácuo no CPC/1973. A ampliação do texto do artigo em comento em relação ao dispositivo correspondente no CPC anterior (art. 27, CPC/1973), a fim de abarcar outra entidade pública, a contemplação da jurisprudência consolidada acerca do tema e as previsões que dialoguem com o orçamento público são algumas das marcas do novo Código de Processo Civil, que se propôs a atualizar a legislação processual, tornando-a mais ágil e descomplicada, visando conferir maior celeridade aos atos processuais.

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1 Disponível aqui. Publicado em 22 de março de 2021 e aqui. Publicado em 30 de maio de 2022.

2 Súmula 232, Corte Especial, j. 1º.12.1999, DJ 07.12.1999, p. 127.

3 TJ-RJ - AI: 00613927220198190000, Relator: Des. Mario Assis Gonçalves, J.: 01.07.2020, Terceira Câmara Cível, DJe: 08.07.2020

4 Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. 

5 Tema 510 dos recursos especiais repetitivos: Não é possível se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas. Ocorre que a referida isenção conferida ao Ministério Público em relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu o encargo de financiar ações contra ele movidas. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior ('A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito'), a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha vinculado o Parquet arque com tais despesas.

6 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de Março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 90.

7 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de Março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 90.

8 REsp 978.976/ES, rel.Min. Luiz Fux, 1ª T., j. 09.12.2008, DJe 19.02.2009).

9 Na execução fiscal, processada perante a Justiça Estadual, cumpre à Fazenda Pública antecipar o numerário destinado ao custeio das despesas com o transporte dos Oficiais de Justiça (Súmula 190, Primeira Seção, em 11.06.1997, DJ 23.06.1997, p. 29.331.

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Colunista

Marcus Vinicius Furtado Coêlho é membro da comissão que elaborou o projeto do atual CPC. Doutor pela Universidade de Salamanca, membro do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Constitucional da entidade.