Na perspectiva de constitucionalização do Direito, o novo Código de Processo Civil (CPC/2015) tem reiterado os princípios consagrados na Constituição Cidadã e promovido a boa-fé a norma fundamental, estabelecendo que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé (art. 5, CPC/2015), respondendo por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente (art. 79, CPC/2015).
O Código também dispõe que a interpretação do pedido observará o princípio da boa-fé (§2º, art. 322, CPC/2015). Note-se que a boa-fé é um dever tanto das partes como do juízo, uma vez que o processo civil contemporâneo é fundamentado na verdade e na lealdade, considerando a má-fé e outros artifícios desleais à resolução do processo em prazo razoável, condutas a serem punidas. Como pondera Ada Pellegrini, "há muito o processo deixou de ser visto como instrumento meramente técnico, para assumir a dimensão de instrumento ético voltado a pacificar com justiça", por essa razão que "os códigos processuais adotam normas que visam a inibir e a sancionar o abuso do processo, impondo uma conduta irrepreensível às partes e a seus procuradores"1.
Nessa perspectiva, o artigo 80 do CPC de 2015 apresenta as hipóteses em que um litigante será considerado de má-fé, são elas: I) deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou ato incontroverso; II) alterar a verdade dos fatos; III) usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV) opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI) provocar incidente manifestamente infundado; VII) interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
A título de exemplo, vê-se configurada a litigância de má-fé com aplicação de multa quando: a parte deliberadamente tenta alterar a verdade dos fatos para obter a concessão de justiça gratuita (AgInt no AREsp 788.359/RS, 3T, Rel. Marco Aurélio Bellizze, Dj 07.03.2017); altera a verdade dos fatos na tentativa de induzir o julgador a erro sobre a tempestividade do Recurso (AgInt nos EDs no AREsp 1.165.982/SP, 4T, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Dj 26.06.2018); quando a parte faz uso do pedido de reconsideração de forma abusiva (RCD nos EDs nos EDs no AREsp 28.096/RJ, 4T, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Dj 17.02.2014); o ajuizamento ou interposição de mais uma ação ou recurso visando aumentar as chances de êxito processual (REsp 1.055.241/SP, 1T, Rel. Francisco Falcão, Dj 18.08.2008).
Ressalta-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está consolidada no sentido de que "a má-fé não pode ser presumida, sendo necessária a comprovação do dolo da parte, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo, nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil de 2015"2. Em outras palavras, até que se prove o contrário, presume-se boa-fé dos atos processuais praticados e para a configuração de má-fé, exige-se prova satisfatória de sua existência. Ademais, o STJ também apresenta entendimento pacífico no sentido de que "não se caracteriza como litigância de má-fé a utilização dos recursos previstos em lei, sem a demonstração de dolo da parte recorrente em obstar o normal trâmite do processo e o prejuízo que a parte contrária houver suportado, em decorrência do ato doloso"3.
Salienta-se que "os advogados, públicos ou privados, e os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não estão sujeitos à aplicação de pena por litigância de má-fé em razão de sua atuação profissional"4. De acordo com o §6º do artigo 77 do CPC/2015, eventual responsabilidade disciplinar decorrente de atos praticados no exercício de suas funções deverá ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, a quem o magistrado oficiará.
Em caso de litigância de má-fé, o caput do artigo 81 prevê dupla consequência: multa e o dever de arcar com todas as despesas da outra parte no processo, inclusive os honorários advocatícios. Dispõe-se que, de ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa – que deverá ser superior a 1% e inferior a 10% do valor da causa corrigido – a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. Entretanto, quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário mínimo (§2º, art. 81).
Diante dessa perspectiva, um ponto a se destacar é que o STJ tem entendido que há incidência do imposto de renda sobre o valor recebido pela parte a título de indenização pela litigância de má-fé da parte contrária, pois considera que houve acréscimo ao patrimônio material do contribuinte, logo, resta configurado o fato gerador do imposto de renda. Nesse sentido, veja-se os seguintes precedentes: REsp 1.749.725/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Dj 08.02.2019; REsp 1.317.272/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Dj 28.02.2013; AgRg no AgRg no REsp 1.435.891/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Dj 13.05.2014.
Na maioria dos casos, o próprio juiz fixará o valor da indenização, tornando-a de aplicação imediata, mas não sendo possível mensurar o valor, haverá liquidação por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos (§3º, art. 81). No entendimento de Humberto Theodoro Júnior, a liquidação "será recomendável apenas quando houver indícios de danos efetivos de grande monta, que não permitam a imediata e razoável quantificação"5.
Portanto, com amparo no §3º do artigo 81, o juiz até pode arbitrar indenização imediatamente sem exigir prova exata do seu valor, porém, a exigência de comprovação do dolo é imprescindível. Além disso, a jurisprudência do STJ também tem considerado desnecessária a comprovação do prejuízo sofrido pela parte adversa, ou seja, sendo a litigância de má-fé reconhecida, isso é suficiente para a imposição de multa e indenização (perdas e danos)6.
Na hipótese de pluralidade de litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária (§1º, art. 81, CPC/2015). Ademais, essa reparação decorrente de ato ilícito processual será devida ainda que o litigante de má-fé logre, ao final, sentença favorável, isto é, a reparação é devida independentemente do resultado da causa7.
Por fim, importa ponderar que a multa por litigância de má-fé não se confunde com a multa por ato atentatório à dignidade da justiça. Além de terem os limites diferenciados, a multa por má-fé – de 1% até 10% do valor da causa corrigido – vai para a parte diretamente prejudicada, conforme o artigo 96, o valor das sanções impostas ao litigante desleal será revertido em benefício da parte contrária, e o valor das sanções impostas aos serventuários pertencerá ao Estado ou à União. Por sua vez, a multa por ato atentatório à dignidade da justiça – de até 20% do valor da causa – será sempre destinada aos cofres públicos e deverá ser revertida na criação de fundos de modernização do Poder Judiciário (§3º do art. 77 e art. 97, CPC/2015).
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1 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, Abuso do Processo e Resistência às Ordens Judiciárias: O Contempt of Court. Revista de Processo. Vol. 102. Doutrinas Essenciais de Processo Civil. Pág. 219.
2 STJ. AgInt no AREsp 1.705.242/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, Dj: 30/11/2020.
3 STJ. REsp 1.628.065/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Dj: 21/02/2017.
4 STJ. RMS 59.322/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, Dj: 05/02/2019.
5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 56º Ed., pág. 451.
6 STJ. REsp 1.628.065/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Dj: 21/02/2017. EDs no REsp 816.512/PI, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, Dj: 28/11/2011.
7 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. I, m. 168, pág. 182.