CPC Marcado

Art. 90 do CPC – Desistência, renúncia e reconhecimento do pedido

Os princípios da sucumbência e da causalidade são critérios importantes para se designar a quem cabe o ressarcimento de despesas e honorários advocatícios.

6/6/2022

Os princípios da sucumbência e da causalidade são critérios importantes para se designar a quem cabe o ressarcimento de despesas e honorários advocatícios. Em conformidade com os referidos postulados, o artigo 90 do Código de Processo Civil (CPC/2015) estabelece que se o processo terminar por desistência, renúncia ou pelo reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.

Desistência e renúncia são expressões sinônimas, ambas se referem à abdicação de algo, contudo, sob a ótica processualista, tratam-se de conceitos distintos e com efeitos igualmente diferentes. A desistência se refere à abdicação do direito processual, com ela não se encerra de fato a questão discutida no litígio, pois não há resolução do mérito, tem-se apenas uma sentença meramente terminativa, conforme o inciso VIII do art. 485, CPC/2015. Segundo a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, desistindo da ação, a parte autora desiste de ter seu pedido apreciado pelo juiz1.

Já a renúncia se refere à abdicação do direito material, a partir dela não se pode mais discutir a mesma matéria, pois encerra-se a demanda com resolução do mérito, nos termos da alínea c do inciso III do art. 487, CPC/2015. Na conceituação de Dinamarco, "a renúncia ao direito é o ato unilateral com que o autor dispõe do direito subjetivo que vinha afirmando ter e que, se realmente tivesse, por essa razão deixará de ter"2. Isto é, com a renúncia se "abre mão do próprio direito material que busca ver reconhecido em juízo"3.

Enquanto a desistência da ação é ato privativo do autor, que gera a revogação explícita do litígio sem julgamento de mérito, a renúncia é um meio de autocomposição que possibilita o sacrifício do direito, impossibilitando o ajuizamento de nova ação sobre a mesma demanda. Por sua vez, o reconhecimento do pedido, é uma ação do réu de caráter irretratável e tem como consequência a procedência da ação.

Vê-se, portanto, que se tratam de três institutos jurídicos diferentes, não obstante, em todos os casos, via de regra, a parte que desistiu, renunciou ou reconheceu é quem responde pelas custas processuais. Em contrapartida, se a desistência, renúncia ou o reconhecimento for parcial, segundo o §1º do artigo 90, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu.

De acordo com o artigo 485 do CPC/2015, a parte pode desistir até a prolação da sentença e se apresentada contestação, a desistência só ocorrerá com o consentimento do réu. Como dito, via de regra, é o desistente que suporta o ônus da sucumbência, entretanto, com fundamento no princípio da causalidade, a jurisprudência tem excepcionalmente admitido que o réu sustente as despesas e os honorários advocatícios, nos casos em que ele tenha dado causa à propositura da ação.

No julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 604.325/SP, o Superior Tribunal de Justiça, reiterou essa jurisprudência ao ponderar que "no processo civil, para se aferir qual das partes litigantes arcará com o pagamento dos honorários advocatícios e custas processuais, deve-se atentar não somente à sucumbência, mas também ao princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes (REsp n. 1.223.332/SP)"4. Nessa hipótese, em que pese o autor tenha desistido da ação, por força do princípio da causalidade,  não se aplica o caput do artigo 90 do CPC e quem arca com as custas é o réu.

Outra curiosidade jurisprudencial que abarca o princípio da causalidade é o reconhecimento da procedência do pedido de forma tácita, a partir de algumas ações e comportamentos do réu, por exemplo: a desocupação voluntária do imóvel enquanto tramita uma ação de despejo; a dívida paga de forma voluntária na fase de execução; ou o adimplemento de aluguéis atrasados após o ajuizamento da ação.

Com esses comportamentos manifestos pelo réu, entende-se que houve o reconhecimento da procedência do pedido de forma tácita, o que gera uma sentença com ônus sucumbenciais ao polo passivo. No entanto, conforme o inovador §4º do artigo 90 do CPC/2015, se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade.

Ou seja, tal previsão legal é aplicável aos casos de reconhecimento tácito anteriormente exemplificados, pois, não basta que haja o reconhecimento da procedência do pedido, é imprescindível que haja o cumprimento integral e espontâneo da prestação reconhecida. Dessa maneira o CPC incentiva as formas alternativas da solução do conflito, pois, como acertadamente aponta Didier Jr., "o prolongamento do processo, com a consequente elevação dos custos, representa uma denegação da justiça, provocando danos econômicos às partes"5.

Noutra hipótese, repetindo o que versava do Código de Processo Civil de 1973, o §2º do artigo 90 do CPC/2015 reitera que havendo transação e nada tendo as partes disposto quanto às despesas, estas serão divididas igualmente. Para estimular acordos, pacificação das partes e a celeridade processual, o CPC/2015 acrescentou, no §3º do artigo 90, que se a transação ocorrer antes da sentença, as partes ficam dispensadas do pagamento das custas processuais remanescentes, se houver.

Ressalta-se que o STJ já assentou que as despesas processuais a que se referem os mencionados dispositivos não abrangem os honorários sucumbenciais. Entende-se que "o pagamento dos honorários advocatícios não pode ser dispensado pelas partes ao firmarem transação, tratando-se de parcela autônoma que não lhes pertence, mormente quando os advogados não participam do acordo (Precedentes)"6. Em outras palavras, a transação das partes tem efeitos restritos e não pode atingir direitos de terceiros que dela não participaram, na ausência de expressa renúncia dos advogados, persistem seus direitos aos honorários advocatícios.

Nesse mesmo sentido, veja-se o §4º do artigo 24 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil: "o acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença".

De forma geral, é notável que o CPC/2015 replicou em seu artigo 90 o que dispunha o diploma processual anterior em seu artigo 26. Nada obstante, privilegiando a boa-fé, a autocomposição, a celeridade dos procedimentos e mirando no descongestionamento do Judiciário, o CPC/2015 estabeleceu algumas novas disposições que prestigiam a pacificação das partes, como é o caso dos §§3º e 4º do artigo 90, que premiam aqueles que optam por uma solução do conflito mais rápida.

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1 MARINONI, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 233.

2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. V. III. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 270.

3 MARINONI, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Op. Cit.

4 STJ. AREsp nº 604.325/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Dje de 25.02.2015.

5 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento – vol.1. 12. ed. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2010, p. 93.

6 STJ. REsp nº 704.781/SC, Rel. Min. Felix Fischer, Dje de 14/3/2015.

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Colunista

Marcus Vinicius Furtado Coêlho é membro da comissão que elaborou o projeto do atual CPC. Doutor pela Universidade de Salamanca, membro do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Constitucional da entidade.