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Arts. 77 e 78 do CPC – Dos deveres das partes e de seus procuradores

Arts. 77 e 78 do CPC – Dos deveres das partes e de seus procuradores.

8/2/2021

O atual Código de Processo Civil (CPC/2015), já em seu artigo inaugural, estabelece que o processo civil deverá ser "ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República". Um dos principais efeitos dessa previsão pode ser observado nos itens do artigo 77, que, em uma acepção mais ampla, decorrem dos princípios da lealdade, probidade e da ética como um valor. Na sistemática processual são deveres das partes, entre outros, "expor os fatos em juízo conforme a verdade" (inc. I, art. 77) e "não formular pretensão ou apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento" (inc. II, art. 77). Conforme lição de Virgilio Andrioli, são as noções de lealdade e probidade que proporcionam o dever de agir segundo a boa-fé1. A propósito, o inciso II do artigo 14 do CPC/1973 fazia uso desses termos ao dispor, expressamente, que "proceder com lealdade e boa-fé" é um dos deveres das partes. No mesmo sentido, também o CPC de 2015 estabelece expressamente que não apenas as partes, mas quem "de qualquer forma participa do processo" deve comportar-se de acordo com a boa-fé2.

O dever de "não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito" (inc. III, art. 77) está diretamente relacionado à resistência injustificada ao andamento do processo e à interposição de recurso manifestamente protelatório. A produção de atos inúteis e desnecessários infringe o direito das partes de obterem a resolução do mérito em prazo razoável, isto é, viola o artigo 4º do CPC/2015, que assegura às partes o direito de obter em prazo razoável a resolução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Ressalta-se que "o processo não é um jogo de esperteza, mas instrumento ético da jurisdição para efetivação dos direitos da cidadania"3. Com isso, é possível observar que os incisos supramencionados do artigo 77 do CPC/2015 guardam estreita relação com o artigo 80 do mesmo diploma processual. Isso porque, em que pese as referidas condutas descritas no artigo 77 não sejam consideradas atos atentatórios à dignidade da justiça, podem ser consideradas litigância de má-fé na forma do artigo 80, o que pode acarretar na aplicação de multa.

Outro importante dever das partes, dos procuradores e daqueles que participam do processo é "declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva" (inc. V, art. 77). Na hipótese do juízo não ser informado sobre uma mudança de endereço para o recebimento dos atos processuais, presumem-se válidas as informações e intimações ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado (§2º do art. 106 e o parágrafo único do art. 274, CPC/2015)4.

Por sua vez, não cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e criar embaraços à sua efetivação (inc. IV, art. 77), assim como não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso (inc. VI, art. 77), são hipóteses em que o juiz deverá primeiro advertir qualquer das pessoas mencionadas no caput – as partes, seus procuradores e todos aqueles que de qualquer forma participem do processo – de que suas condutas poderão ser punidas como atos atentatórios à dignidade da justiça (§1º, art. 77).

Se, mesmo advertida, a parte violar os incisos IV e VI do art. 77, o juiz deverá aplicar ao responsável multa de até 20% do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis (§2º, art. 77). Caso o valor da causa seja irrisório ou inestimável, a multa prevista no mencionado §2º poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário-mínimo (§5º, art. 77) em razão da prática de ato atentatório à dignidade da justiça, devendo-se considerar a gravidade da conduta para referida dosimentria.

Faz-se importante frisar que, embora a alteração no estado de fato de bem ou direito litigioso configure, a princípio, ato atentatório à dignidade da justiça, se esse mesmo ato for praticado com o intuito de ludibriar o juízo ou o perito, a conduta restará subsumida ao ilícito penal da fraude processual previsto no artigo 347 do Código Penal.

A contagem do prazo para o pagamento da multa iniciará após o trânsito em julgado da decisão que a fixou. Não ocorrendo o pagamento no tempo determinado pelo juiz, o §3º do art. 77 dispõe que a multa será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se em fundos de modernização do Poder Judiciário. Essa penalidade, nos termos do §4º, art. 77, poderá ser fixada independentemente da incidência das multas previstas para a hipótese de não cumprimento espontâneo da obrigação de pagar quantia certa (art. 523, §1º) ou dos meios coercitivos utilizados pelo juiz para satisfazer o credor de obrigação de fazer ou não fazer (art. 536, §1º).

Visando instituir um processo justo nos moldes dos princípios constitucionais, que enaltecem o comportamento ético de todos os sujeitos da relação processual, valoriza-se, dentre outras normas fundamentais, o princípio da boa-fé (art. 5º, CPC/2015). Para Humberto Theodoro Júnior, "não é só a má-fé (intenção de prejudicar o adversário ou a apuração da verdade) que interessa ao processo justo, é também a avaliação objetiva do comportamento que se terá de fazer para mantê-lo nos limites admitidos moralmente, ainda quando o agente não tenha tido a consciência e a vontade de infringi-los"5.

Nessa toada, salienta-se que o STJ já se manifestou diversas vezes no sentido de que o não pagamento do precatório no prazo não configura, por si só, resistência injustificada à ordem judicial6. Ou seja, o instituto do precatório não tem compatibilidade com a imposição de multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, visto que o pagamento do débito judicial não está submetido apenas à vontade da Fazenda Pública, faz-se necessária uma dotação orçamentária do Estado.

Importa enfatizar que os deveres de boa-fé, lealdade e probidade, dispostos no art. 77, CPC/2015 – no art. 14 do CPC/1973 – alcançam todos os envolvidos no processo, abrangendo desde autor e réu até o próprio juiz. O Superior Tribunal de Justiça corrobora a amplitude do dispositivo ao entender que até mesmo os terceiros, alheios à relação jurídico-processual, também devem obediência a esses deveres. "Por esse motivo, a multa por desacato à atividade jurisdicional (...) é aplicável não somente às partes e testemunhas, mas também aos peritos e especialistas que, por qualquer motivo, deixam de apresentar nos autos parecer ou avaliação"7.

O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar (§8º, art. 77), além disso, não se pode perder de vista que o novo Código distinguiu a conduta praticada pela parte e pelos advogados públicos ou privados, defensores e do Ministério Público. A eles a multa não será aplicável, cabendo ao respectivo órgão de classe ou corregedoria a aplicação de eventual responsabilidade disciplinar, ao qual o juiz oficiará (§6º, art. 77).

Cita-se, por exemplo, o artigo 34 do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que dispõe sobre as infrações e sanções disciplinares, dentre os vinte e nove incisos, destaca-se as condutas de: "advogar contra literal disposição de lei" (inc. VI) e "deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa" (inc. XIV); essas infrações disciplinares, dispostas na Lei nº 8.906/1994, muito se assemelham às disposições ora analisadas no artigo 77 do CPC/2015.

Na hipótese de o ato atentatório à dignidade da justiça ocorrer por inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso (inc. VI), o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação da multa prevista no §2º, assim prevê o §7º do art. 77.

Conforme estipula o artigo 78, "é vedado às partes, a seus procuradores, aos juízes, aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que participe do processo empregar expressões ofensivas nos escritos apresentados". Nesse ponto, menciona-se o §2º do artigo 7º do Estatuto da Advocacia, o qual prevê a chamada imunidade do advogado, segundo a qual, quaisquer manifestações por ele praticadas no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, não constituem injúria ou difamação, sem prejuízo das sanções disciplinares pelos eventuais excessos.

No julgamento da AO 933, de relatoria do ministro Carlos Ayres Britto, restou estabelecido que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que "não é absoluta a inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações, o que não infirma a abrangência que a Carta de Outubro conferiu ao instituto, de cujo manto protetor somente se excluem atos, gestos ou palavras que manifestamente desbordem do exercício da profissão, como a agressão (física ou moral), o insulto pessoal e a humilhação pública (ADI 1.127)".

Quando as expressões ou condutas ofensivas forem manifestadas oral ou presencialmente, o juiz advertirá o ofensor de que não as deve usar ou repetir, sob pena de lhe ser cassada a palavra (§1º, art. 78). De ofício ou a requerimento do ofendido, o juiz determinará que as expressões ofensivas sejam riscadas e, a requerimento do ofendido, determinará a expedição de certidão com inteiro teor das expressões ofensivas e a colocará à disposição da parte interessada (§2º, art. 78). No CPC/1973, disposições similares constavam no caput do artigo 15 e em seu parágrafo único.

Os deveres das partes e dos advogados, sobretudo aqueles dispostos no artigo 77, são designados tanto às partes como àqueles que de qualquer forma participem do processo, visto que a boa-fé e a lealdade processual fundamentam esses deveres que são comuns e gerais para a manutenção da dignidade da justiça. Por fim, relevante frisar que a exigibilidade de multa por atentado à dignidade da justiça não é imediata, devendo ocorrer apenas após o encerramento do processo com o trânsito em julgado da decisão final, e o beneficiário da multa não é a parte prejudicada – como ocorre na multa por litigância de má-fé –, mas o Poder Público, que a arrecada como dívida ativa e a converte em fundos para a modernização do Poder Judiciário.

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1 ANDRIOLI, Virgilio. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Napoli: Jovene, 1973.

2 Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

3 STJ. REsp nº 65.906/DF, Quarta Turma, Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira. Dj: 02.03.1998.

4 CPC/2015. Art. 106. (...) § 2º Se o advogado infringir o previsto no inciso II, serão consideradas válidas as intimações enviadas por carta registrada ou meio eletrônico ao endereço constante dos autos. CPC/2015. Art. 274. (...) Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço.

5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 57º Ed. Pág. 445.

6 STJ. REsp 1.225.772/SP, Rel Min. Mauro Campbell Marques, Dje de 12.4.2011; REsp 980.134/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 21.9.2009; AgRg no AgRg no REsp 951.662/RS, Rel. Min. Nilson Naves, Sexta Turma, DJe de 24.5.2010; REsp 1.103.417/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 4.8.2009.

7 STJ. REsp nº 1.013.777/ES. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ: 13.04.2010.

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Colunista

Marcus Vinicius Furtado Coêlho é membro da comissão que elaborou o projeto do atual CPC. Doutor pela Universidade de Salamanca, membro do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Constitucional da entidade.