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Art. 75 do CPC - Das partes representadas em juízo

Art. 75 do CPC - Das partes representadas em juízo.

16/9/2020

O artigo 75 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 dispõe sobre a representação em juízo, seja ela ativa ou passiva. Em que pese aludido diploma fazer uso do termo "representação em juízo" para versar sobre pessoas jurídicas públicas e privadas, há muito a doutrina estabelece uma distinção entre "presentação" e "representação".

Segundo os ensinamentos de Pontes de Miranda, o presentante seria uma espécie de órgão que fala pelo presentado, é como se o presentante fosse parte do "corpo físico" do presentado, ele diz: "estar presente para dar presença à entidade de que é órgão [...]; onde não se trata de órgão, caberia empregar a palavra 'representação', 'representar', 'representante', não porém onde a participação processual ativa ou passiva é de órgão"1. O vocábulo presentação advém da Teoria do Órgão, estabelecendo que as relações do Estado estão diretamente relacionadas aos seus agentes, cabendo a esses – que são pessoas físicas –, responderem pela entidade, isto é, apresentam manifestações de vontade correspondentes à entidade.

Nessa perspectiva, Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Gomes, também explicam: "Os órgãos das pessoas jurídicas (...) são partes de seu ser, portanto, não as representam. A lei constitutiva da pessoa jurídica em causa, seja ela de direito público ou de direito privado, dirá quem a deve presentar, torná-la presente (não representá-la) em juízo"2. Ou seja, apesar de o CPC utilizar em geral o termo "representar" no caput do artigo 75, as pessoas jurídicas referenciadas nos incisos I, II, III, IV, VIII, IX, e X3 devem ser regularmente presentadas em juízo, cabendo representação apenas nas hipóteses dos incisos V, VI e VII4 do mesmo artigo.

Outro ponto importante a esse respeito é diferenciar a presentação e a representação da substituição processual (art. 18, CPC)5. Nas duas primeiras situações tanto o presentante como o representante não são partes no processo, apenas estão autorizados a agir em juízo no interesse de determinada pessoa jurídica, entidade despersonalizada ou pessoa incapaz. A substituição processual, por sua vez, ocorre quando a lei confere legitimidade para que alguém atue em juízo em nome e interesse próprios, na defesa de pretensão alheia.

Se comparado ao CPC/1973, que previa a presentação da União tão somente por seus procuradores6, a novidade desse dispositivo no CPC/2015 é dispor que "I - a União, [será presentada em juízo] pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado", ou seja, tanto a AGU pode estar em juízo pela União como também outro órgão vinculado àquele ente federado. Ressalta-se que isso foi primeiramente disposto no artigo 131 da Constituição Federal de 1988: "A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo".

Os incisos II e III do dispositivo em comento, o artigo 75 do CPC/2015, dispõem que, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cabem aos procuradores a sua presentação, ademais, os municípios podem contar com a presentação também de seus prefeitos.  

Em seguida, o inciso IV, que não tem correspondente no CPC/1973, versa que a presentação da autarquia e da fundação de direito público, será realizada por quem a lei do ente federado designar. Nesse ponto, é válido mencionar que o artigo 9º da lei 9.469/19977 prevê a presentação desses órgãos por seus respectivos procuradores, além disso, assevera ser desnecessária a apresentação de instrumento de mandato para tal. Foi nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 644 com o seguinte enunciado: "Ao titular do cargo de procurador de autarquia não se exige a apresentação de instrumento de mandato para representá-la em juízo".

O inciso subsequente (inc. V, art. 75) prevê que a massa falida será representada pelo administrador judicial. Nesse ponto, salutar a precisão do CPC/2015, pois o Código anterior dispunha que cabia ao "síndico" a representação da massa falida (inc. III, art. 12, CPC/1973). Sobre a atribuição do administrador judicial para representar a massa falida, o diploma converge com o quanto já disposto na Lei de Falências (lei 11.101/2005) a qual disciplina ser dever do administrador judicial representar a massa falida nas ações judiciais (alíneas "c" e "n" do inciso III do artigo 228).

Em ato contínuo, o inciso VI dispõe que a herança jacente ou vacante deverá ser representada por seu curador, redação esta idêntica a do inciso IV do artigo 12 do CPC/1973. No que concerne à matéria, destaca-se que o CPC/2015 apresenta uma seção inteira sobre a "herança jacente". Neste ponto, dá-se especial atenção ao artigo 739 segundo o qual: "A herança jacente ficará sob a guarda, a conservação e a administração de um curador até a respectiva entrega ao sucessor legalmente habilitado ou até a declaração de vacância".

O inciso VII do artigo 75, por sua vez, dispõe que o espólio deve ser representado por seu inventariante. É sabido que, ocorrendo a morte de qualquer das partes, o juiz determinará a suspensão do processo (art. 313, I)9 dando tempo ao interessado para se habilitar nos autos (art. 689)10. Tratando-se de sucessão pelo espólio, a representação fica, primeiramente, aos cuidados do administrador provisório, o inventariante assume o lugar se já tiver prestado o compromisso (arts. 613 e 614)11.

"Quando o inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio faz parte" (§1º do artigo 75, CPC/2015). A nomeação do inventariante dativo é recomendável, por exemplo, quando existe intenso conflito entre os herdeiros, podendo inviabilizar o andamento da ação de inventário. Entretanto, percebe-se que o legislador não concedeu ao inventariante dativo legitimidade para a representação plena do espólio, pois estabelece que todos os herdeiros e sucessores deverão ser chamados para compor a lide. Nessa perspectiva, o STJ possui jurisprudência pacífica no sentido de que a representação de espólio em juízo pelo inventariante dativo gera um "litisconsórcio necessário dos herdeiros e sucessores do falecido"12.

O inciso VIII do art. 75, por sua vez, regulamenta que a presentação da pessoa jurídica cabe a quem seus respectivos atos constitutivos designaram ou, não havendo essa designação, aos seus diretores. Salienta-se que o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência no sentido de que "não é necessária a juntada dos atos constitutivos da pessoa jurídica que é parte no processo"13, essa juntada "apenas é imprescindível caso haja fundada dúvida sobre a validade da representação em juízo"14, a simples alegação, de caráter meramente formal, da ausência do referido documento não gera nulidade.

Já a sociedade e a associação irregulares, e outros entes organizados sem personalidade jurídica, serão presentados pela pessoa a quem couber a administração de seus bens (inc. IX). Considera-se irregulares ou sem personalidade jurídica os órgãos privados que não levam seus Contratos Sociais ao respectivo registro no Cartório ou Junta Comercial, sendo, portanto, sociedades de fato que não gozam de personalidade jurídica. Nesse momento, cabe frisar o §2º do artigo 75 do CPC/2015, segundo o qual "a sociedade ou associação sem personalidade jurídica não poderá opor a irregularidade de sua constituição quando demandada". Se assim o pudesse, estaria se beneficiando de sua própria irregularidade.

O inciso X assevera que a presentação de pessoa jurídica estrangeira, cabe ao gerente, ao representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil. Ademais, o §3º do artigo 75 assevera que: "o gerente de filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a receber citação para qualquer processo".

A intenção do legislador com esse dispositivo foi facilitar a citação de empresas estrangeiras pelo Poder Judiciário brasileiro, por essa razão, inclusive, o STJ já entende que as expressões "filial, agência ou sucursal", que o CPC apresenta na redação art. 75, inciso X, não devem ser interpretadas restritivamente, "de modo que o fato de a pessoa jurídica estrangeira atuar no Brasil por meio de empresa que não tenha sido formalmente constituída como sua filial ou agência não impede que por meio dela seja regularmente efetuada sua citação"15.

No supracitado julgado, que é a Homologação de Decisão Estrangeira nº 410, a Corte Especial do STJ fixou que "exigir que a qualificação daquele por meio do qual a empresa estrangeira será citada seja apenas aquela formalmente atribuída pela citanda inviabilizaria a citação no Brasil daquelas empresas estrangeiras que pretendessem evitar sua citação, o que importaria concordância com prática processualmente desleal do réu e imposição ao autor de óbice injustificado para o exercício do direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa".

Agora no que tangue ao condomínio, a representação é feita pelo administrador ou síndico (inc. XI). No caso dos condomínios instituídos de forma voluntária, a representação caberá ao administrador – que poderá até ser pessoa diferente dos condôminos (art. 1.323, CC/2002)16. Já no caso dos condomínios edilícios, a representação caberá, preferencialmente, ao síndico (art. 1.348, inc. II, CC/2002)17 e esse poderá até transferir – total ou parcialmente – seus poderes de representação a outrem, desde que haja aprovação em assembleia (§§ 1º e 2º do art. 1.323, CC/2002)18.

Por último, o §4º do artigo 75 em comento apresenta um regramento novo para a prática de atos processuais por procuradores de Estados e do Distrito Federal, a saber: "Os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias". Nos termos desse dispositivo, as procuradorias poderão se articular para melhorar o acompanhamento das diligências processuais, o que lhes confere maior eficiência, otimizando suas funções e atuação judicial.

Quando comparado ao CPC/1973, é perceptível que o Código de 2015 aperfeiçoou a linguagem técnica – em que pese não incluir os ensinamentos doutrinários da diferenciação entre presentação e representação. O artigo 75 do Código de Processo Civil de 2015 é mais um exemplo de que o novo diploma prima pela celeridade na tramitação dos processo judiciais e administrativos, otimizando as regras de presentação dos entes públicos e buscando fazer prevalecer a Constituição Federal no tocante à garantia da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inc. LXXVIII do art. 5º, CF/1988).

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1 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil. 5.ed. Tomo I. Atualizado por Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1995. Pág. 288.

2 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Pág. 141.

3 Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:

I - a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado;

II - o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores;

III - o Município, por seu prefeito ou procurador;

IV - a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar;

VIII - a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores;

IX - a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens;

X - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil;

4 Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:

(...)

V - a massa falida, pelo administrador judicial;

VI - a herança jacente ou vacante, por seu curador;

VII - o espólio, pelo inventariante;

5 CPC/2015. Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico. Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.

6 CPC/1973. Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores;

7 Lei 9.469/1997. Art. 9º A representação judicial das autarquias e fundações públicas por seus procuradores ou advogados, ocupantes de cargos efetivos dos respectivos quadros, independe da apresentação do instrumento de mandato.

8 Lei 11.101/2005. Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe: (...) III – na falência: (...) c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida; (...) n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores;

9 CPC/2015. Art. 313. Suspende-se o processo: I - pela morte ou pela perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador;

10 CPC/2015. Art. 689. Proceder-se-á à habilitação nos autos do processo principal, na instância em que estiver, suspendendo-se, a partir de então, o processo.

11 CPC/2015. Art. 613. Até que o inventariante preste o compromisso, continuará o espólio na posse do administrador provisório. Art. 614. O administrador provisório representa ativa e passivamente o espólio, é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu, tem direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fez e responde pelo dano a que, por dolo ou culpa, der causa.

12 STJ. REsp nº 1.184.832/SP. Relator o Ministro João Otávio de Noronha. Terceira Turma. Dj: 25/11/2013.

13 STJ. REsp nº 929.885/RR. Ag-R. Relatora a Ministra Denise Arruda. Primeira Turma. Dj: 20/10/2009.

14 STJ. REsp nº 1.343.777/RS. Ag-R. Relator o Ministro Og Fernandes. Segunda Turma. Dj: 16/03/2015.

15 STJ. HDE nº 410-EX. Relator o Ministro Benedito Gonçalves. Corte Especial. DJ: 26/11/2019.

16 CC/2002. Art. 1.323. Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o administrador, que poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em condições iguais, o condômino ao que não o é.

17 CC/2002. Art. 1.348. Compete ao síndico: (...) II - representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;

18 CC/2002. Art. 1.348. (...) § 1 o Poderá a assembléia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de representação. § 2 o O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembléia, salvo disposição em contrário da convenção.

 

 

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Colunista

Marcus Vinicius Furtado Coêlho é membro da comissão que elaborou o projeto do atual CPC. Doutor pela Universidade de Salamanca, membro do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Constitucional da entidade.