CPC Marcado

Arts. 70 e 71. Da Capacidade Processual

Arts. 70 e 71. Da Capacidade Processual.

13/7/2020

O artigo 70 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 trata de um dos pressupostos processuais para manejar uma demanda: a capacidade processual, dispondo que “toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”. A capacidade de estar em juízo equivale a uma aptidão de pessoa natural ou jurídica (de direito público ou privado) para atuar numa demanda processual – seja no polo ativo (autor) ou no polo passivo (réu). Atente-se que a capacidade de ser parte não implica necessariamente na capacidade processual (possibilidade de estar em juízo), o incapaz e o nascituro, por exemplo, têm capacidade de ser parte, mas não são pessoas capazes de estar em juízo.

A capacidade exigida para que uma pessoa possa estar em juízo é a mesma requerida para a realização dos atos da vida civil, isto é, para a prática dos atos jurídicos de direito material. A capacidade processual está diretamente relacionada ao conceito de capacidade civil que, conforme o artigo 5º do CC/20021, é conquistada – instantaneamente – aos dezoito anos de idade, desde que o sujeito não se encontre em nenhuma das previsões legais de incapacidade para exercer os atos civis, e no caso das pessoas jurídicas, inicia-se com o registro de seus atos constitutivos (art. 45, CC2).

Nada obstante, destaca-se que a capacidade processual não se limita à personalidade jurídica civil, existem também determinados entes para os quais a lei outorga (art. 75, CPC/2015) a comumente chamada “personalidade judiciária”3 para que possam participar de processos judiciais na defesa de direitos institucionais próprios, como é o caso da União e seus órgãos, da massa falida, do espólio e da sociedade ou associação sem personalidade jurídica, por exemplo - este assunto será abordado mais detalhadamente nos próximos artigos.

Por ora, pontua-se que o artigo 8º da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995) limita os entes com capacidade processual, no âmbito de suas atribuições, determinando que o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil não poderão ser partes.

Sendo um pressuposto de validade do processo, o momento adequado para o réu alegar incapacidade processual é nas preliminares da contestação (inc. IX do art. 337, CPC/20154), entretanto, por ser considerada matéria de ordem pública, a ausência da capacidade de estar em juízo pode ser conhecida de ofício (§5º do art. 337, CPC/20155) ou suscitada em qualquer tempo ou grau de jurisdição (inc. IV, §3º do art. 485, CPC/20156). Quando “verificada a incapacidade processual ou a irregularidade de representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará um prazo razoável para que seja sanado o vício” (art. 76, CPC/2015).

Por sua vez, o artigo 71 do CPC/2015 dispõe que “o incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei”, logo, a representação e a assistência são os meios que suprem a incapacidade processual dos sujeitos. Considera-se processualmente incapaz o sujeito que está impossibilitado de realizar plenamente os atos jurídicos de direito material e esses podem ser classificados em: absolutamente incapazes ou relativamente incapazes.

Com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), apenas os menores de dezesseis anos de idade são considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (art. 3º, CC/2002), já os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais e os viciados em tóxico, aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade e os pródigos, são considerados relativamente incapazes (art. 4º, CC/2002). Dessa maneira, o Código de Processo Civil só reconhece a capacidade desses indivíduos de estarem em juízo quando são representados – no caso dos menores de dezesseis anos –, ou assistidos – caso dos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos e todos outros indivíduos que manifestarem limitações à realização de certos atos ou à maneira de os exercer.

Os indivíduos que são representados – isto é, os menores de dezesseis anos – têm suas vidas administradas pelos representantes, que declaram suas vontades em juízo e celebram negócios em seu nome. O absolutamente incapaz manifesta-se, assim, através de seu representante, que deve ser designado de acordo com os pressupostos legais, devendo sua atuação respeitar os interesses do representado. É justamente nesse sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, no julgamento do REsp nº 908.599/PE, estabeleceu que no instituto da representação ocorre “uma substituição de vontades, em que o pai ou o tutor, considerados representantes legais, como os mais interessados, agem, decidem pelos seus representados, como se fora da vontade destes”7.

Por seu turno, o indivíduo relativamente incapaz manifesta sua vontade com o auxílio de seu assistente: o próprio assistido declara suas vontades, cabendo ao assistente tão somente confirmá-las, a pessoa do assistente se faz presente apenas para assegurar o respeito aos direitos e a regularidade dos negócios celebrados ou dos atos praticados pelo assistido. Frisa-se que, embora o incapaz esteja regularmente representado ou assistido, o art. 178 do CPC/2015 prevê a necessidade de intervenção do Ministério Público no processo como fiscal da lei, sob pena de nulidade (art. 279). O STJ, no entanto, possui entendimento firmado no sentido de que a nulidade pela ausência de intervenção do MP somente será configurada se houver demonstração de prejuízo aos interesses do incapaz8.

O dever de representação ou assistência dos pais deriva do exercício do poder familiar, que é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no que tange à pessoa e aos bens dos filhos menores9. Já a tutela e a curatela são institutos autônomos com alguns pontos em comum: ambos buscam proteger e zelar pelos direitos e interesses das pessoas incapazes e representam encargos públicos de caráter personalíssimo. Conforme os ensinamentos de Pontes de Miranda “a tutela é o poder conferido pela lei, ou segundo princípios seus, à pessoa capaz, para proteger a pessoa e reger os bens dos menores que estão fora do pátrio poder”10. A curatela, por sua vez, é o encargo designado para reger os bens de quem tem mais de dezoito anos e é declarado incapaz judicialmente.

Podem ser curadores qualquer sujeito que tenha relação direta com o curatelado, por exemplo, seu cônjuge, filho, pai, mãe ou irmãos, e, na ausência desses, o Ministério Público poderá substituí-los. Por outro lado, qualquer pessoa próxima à criança ou adolescente pode assumir sua tutela, desde que não possuam causas contrárias aos interesses do tutelado e que apresente real intenção de protegê-lo.

Entendendo que determinados entes não estão prontos para exercer os direitos da vida civil, o legislador elenca as pessoas que devem ser consideradas absolutamente incapazes e aquelas que têm capacidade restrita. A principal diferença entre essas categorias é que as pessoas absolutamente incapazes não podem agir diretamente na vida civil, necessitando de representação para que seus atos não sejam julgados nulos; enquanto que os indivíduos relativamente incapazes podem praticar os atos da vida civil de forma válida, necessitando tão somente de assistência. A respeito do tema, o CPC/2015 praticamente reproduziu as previsões do CPC/1973, não havendo relevantes alterações.

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1 Código Civil/2002. Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

2 Código Civil/2002. Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

3 Súmula 525/STJ. A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais.

4 CPC/2015.” Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: (...) IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;”.

5 CPC/2015. “Art. 337. (...) § 5º Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo.”

6 CPC/2015. “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; (...) § 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.”

7 Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 908.599/PE. 1º Turma. Relator o Ministro Luiz Fux. Dj: 17/12/2008.

8 Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.679.588/DF. 3º Turma. Relator o Ministro Moura Ribeiro. Dj: 14/08/2017; REsp nº 1.101.324/RJ. 4º Turma. Relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira. Dj: 12/11/2015.

9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 6: Direito de Família – 8º ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

10 MIRANDA. Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo IV. Rio de Janeiro: Ed.Borsoi, 1971. P. 253.

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Colunista

Marcus Vinicius Furtado Coêlho é membro da comissão que elaborou o projeto do atual CPC. Doutor pela Universidade de Salamanca, membro do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Constitucional da entidade.