O capítulo destinado a disciplinar a cooperação nacional no Código de Processo Civil (CPC) de 2015 é novidade nos diplomas processuais brasileiros, entretanto a Constituição Federal já fez referência ao princípio da cooperação jurisdicional no inciso LXXVIII de seu artigo 5º, que enuncia: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Também o próprio diploma processual inovou ao prever expressamente o aludido princípio em seu art. 6º, segundo o qual "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".
Nessa toada, harmonizando-se temporal e teleologicamente à Constituição, o CPC/2015, em seu artigo 67, determina um dever de cooperação recíproca entre os órgãos do Poder Judiciário, estadual ou Federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, incluindo os tribunais superiores, por intermédio de seus magistrados e servidores. Com esse princípio da cooperação, a relação jurídica deixa de ser triangular (Autor, Réu e Juiz) e passa a ser plural, envolvendo inclusive os funcionários da justiça no que lhes for cabido, abrindo espaço para o diálogo ativo e transigente para a melhor prestação jurisdicional possível.
De acordo com o dispositivo subsequente – o artigo 68 – não há delimitação quanto ao objeto do pedido de cooperação entre os juízos. Segundo a doutrina, o Código é amplo justamente para "facilitar e desburocratizar a prática de atos processuais ou diligências fora da circunscrição territorial do foro da causa, facilitando o cumprimento das precatórias ou até mesmo dispensando tal solenidade conforme o caso"1. Enfatiza-se que a cooperação é sinônimo do agir de boa-fé e esse fator deve sempre nortear os sujeitos do processo.
Para reiterar a amplitude da noção colaborativa da cooperação nacional, isto é, para reforçar que todas as searas da justiça (cíveis, trabalhistas, fiscais) devem se articular, o CPC/2015 estabelece o §3º do artigo 69, veja-se: "o pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário". Todavia, destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça apresenta posicionamento no sentido de que o acordo de cooperação nacional não interfere na fixação de competência da causa.
No julgamento do REsp nº 1.706.647/MG2, o Tribunal asseverou que: "os dispositivos do novo CPC apontados pelo recorrente como afrontados pelo decisum, relacionam-se, tão-somente, ao cabimento da cooperação recíproca entre os juízos, mas ainda que não realizado o referido acordo de cooperação, a instância ordinária considerou que sua celebração não interferiria na fixação da competência discutida". No caso, houve manifestação expressa de interesse da União no feito, o que resulta na competência da Justiça Federal. Assim, entendeu o Tribunal que a existência de cooperação nacional entre juízos não afeta as regras de competência jurisdicional.
Como versa expressamente o artigo 69, o pedido de cooperação nacional independe de forma específica e deve ser atendido o quanto antes, pois o compromisso do Poder Judiciário com a prestação da melhor jurisdição possível é medida que se impõe, podendo esse requerimento ser executado como: I) auxílio direto; II) reunião ou apensamento de processos; III) prestação de informações; ou IV) atos concertados entre os juízes cooperantes (incisos do art. 69, CPC/2015).
Apesar da nomenclatura "auxílio direto" ser mais utilizada para tratar dos meios de cooperação jurídica internacional, também serve como um mecanismo que viabiliza os pedidos de cooperação jurisdicional em âmbito interno. O auxílio direto é a modalidade mais simplificada de cooperação, tende a propiciar o intercâmbio imediato entre os servidores ou magistrados, sem a interferência de qualquer outro órgão ou autoridade. O pedido de auxílio direto, por exemplo, pode tornar desnecessária a formalidade de expedir carta precatória para a prática de determinado ato processual.
Na cooperação nacional, a reunião de processos pode ocorrer nas hipóteses de conexão, a fim de evitar a prolação de decisões conflitantes. O apensamento, por sua vez, consiste na agregação de processos para que tramitem em conjunto; apensar é o mesmo que anexar um processo aos autos de outro que com ele tenha relação, sem que isso implique na modificação da numeração originária, sendo também uma medida que busca compatibilizar as decisões proferidas em ambos os feitos.
A medida de reunir ou apensar processos deverá ser tomada tão somente por juízes de mesma competência funcional ou material, não sendo possível, por exemplo, o apensamento entre um processo que tramita no Juizado Especial Cível e outro com tramitação na Justiça do Trabalho. Já a medida de prestação de informações deve ocorrer sem maiores formalidades, principalmente com o aumento exponencial da utilização de meios eletrônicos para a prática dos atos processuais.
Outra técnica de cooperação jurisdicional nacional prevista pelo diploma de 2015 é a realização de "atos concertados" entre os órgãos cooperantes. Os atos concertados são aqueles definidos entre os juízos, de comum acordo, na tentativa de estabelecer procedimentos para as finalidades previstas nos incisos do §2º do artigo 69 do CPC, a ver: I) a prática da citação, intimação ou notificação de ato; II) a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos; III) a efetivação de tutela provisória; IV) a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas; V) a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial; VI) a centralização de processos repetitivos; e VII) a execução de decisão jurisdicional.
O dispositivo supramencionado trata de rol exemplificativo, ou seja, não há prejuízo de outros atos compatíveis com o mesmo propósito do instituto. Ademais, ressalta-se que, para que os juízos não venham a incorrer em delegação de competência e, consequentemente, violem o princípio do juiz natural, a cooperação não pode abarcar atos de julgamento, deve limitar-se à realização de atos ordinários e práticos, para não importar no esvaziamento de competência.
O Fórum Permanente de Processualistas Civis, no ano de 2013, aprovou o Enunciado nº 4, que dispunha: "a carta arbitral tramitará e será processada no Poder Judiciário de acordo com o regime previsto no Código de Processo Civil, respeitada a legislação aplicável". O §1º do artigo 69 do CPC/2015 sobreveio de forma muito semelhante ao referido enunciado, acrescendo ao texto normativo que, além da carta arbitral, as cartas de ordem e precatória também seguirão o regime previsto no Código3.
Quando o CPC/2015 introduz a carta arbitral na cooperação nacional, tem-se uma inovação que facilita a instrumentalização da comunicação entre o juízo arbitral e o juízo estatal, para fins de realização de atos ordinários, cujo árbitro não tem capacidade. Suponha-se, por exemplo, que a oitiva de testemunha é uma prova crucial em determinado processo arbitral, porém, sem justa causa, a testemunha se recuse a comparecer na data, local e hora em que foi intimada; nesse caso, o árbitro poderá recorrer ao Judiciário para que conduza a testemunha para ser ouvida, no exercício do seu poder de império4.
Salienta-se que antes mesmo da promulgação do novo CPC, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação nº 38/2011 instituindo a Rede Nacional de Cooperação Judiciária. Desse momento em diante, o paradigma da cooperação nacional começa a se estruturar normativamente com o intuito de substituir o conflito pela colaboração interna entre os órgãos do sistema judiciário. Inclusive, o parágrafo único do artigo 4º desta Recomendação foi praticamente reproduzido pelo CPC/2015 no referido §2º do artigo 69.
Essa Rede Nacional de Cooperação Judiciária "foi constituída com a finalidade de imprimir maior fluidez, agilidade e eficácia ao intercâmbio de atos judiciais e de favorecer o exercício de uma jurisdição mais harmônica e colaborativa"5. Para tanto, a Recomendação nº 38/2011 sugere dois mecanismos: I) o juiz de cooperação, cuja função é interligar os juízes, imprimindo maior celeridade aos atos judiciais; e II) o núcleo de cooperação judiciária, que é um espaço institucional de diálogo entre os juízes para que possam identificar problemas e características da litigiosidade de sua localidade, ambicionando traçar coletivamente uma política judiciária adequada à realidade.
É perceptível que, ao codificar a cooperação nacional, o legislador buscou primar pela celeridade e eficiência processual, bem como pela razoável duração do processo, princípios fundamentais na Constituição Federal. A desburocratização resultante da cooperação pode evitar o acúmulo processual e reduzir as custas do processo, beneficiando as partes, que aguardam pelo veredicto. Todavia, a almejada celeridade processual está além da letra do Código, portanto, a mera positivação da cooperação jurisdicional nacional não a torna automaticamente eficaz, devendo ao Poder Judiciário proporcionar o aparato necessário para viabilizar a aplicação desses dispositivos.
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1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. 2017. Novo Código de Processo Civil Anotado. 21º Edição. Revista e atualizada. Editora Forense. P. 187.
2 STJ. AgInt no REsp nº 1.706.647/MG. 2º Turma. Relator o Ministro Francisco Falcão. DJ: 05.06.2018.
3 Art. 69, § 1º As cartas de ordem, precatória e arbitral seguirão o regime previsto neste Código.
4 CAVALCANTI. Fabiano Robalinho. 2014.2. Arbitragem. Fundação Getulio Vargas. Rio de Janeiro, 1º Edição.
5 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Programa Cooperação Judiciária. Disponível aqui.