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Arts. 64, 65 e 66 do CPC - Da incompetência

Arts. 64, 65 e 66 do CPC - Da incompetência.

22/6/2020

Incompetência é o impedimento legal que veta ao juízo o processamento e o conhecimento de determinados litígios judiciais que escapam às suas atribuições. A incompetência pode ser classificada em absoluta ou relativa: a primeira hipótese é rígida, cogente e determinada de acordo com o interesse público, impondo-se sem ressalvas ou moderações decorrentes da vontade das partes; de outro lado, a segunda hipótese – como assinala o próprio nome – já apresenta alguma margem de escolha ou adequação em relação aos interesses privados envolvidos, em razão do valor da causa, ou mesmo da territorialidade.

Percebe-se que o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 retirou da sistemática processual o instituto da exceção de incompetência relativa, prevista no art. 112 do CPC/1973, como resposta típica do réu. A modificação vai de encontro à simplificação e desburocratização do processo que orientam principiologicamente o novo Código. O art. 64 do Diploma assevera que a alegação de incompetência – seja ela absoluta ou relativa –, deverá ser sustentada em preliminar de contestação e essa mesma previsão pode ser constatada também no inciso II do art. 337 do CPC. Nesse contexto, ressalta-se que, de acordo com o art. 340 do Código, havendo alegação de incompetência, o réu poderá protocolar a contestação no foro de seu domicílio.

Tratando-se da incompetência absoluta – matéria de ordem pública, isto é, transcendente aos interesses das partes –, o legislador acertadamente conservou a regra prevista no caput do art. 113 do CPC/1973, e assentou mais uma vez que a incompetência absoluta pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição, além de considerar dever do magistrado, assim que a identificar, declará-la ex officio (§1º do art. 64, CPC/2015). Entretanto, mesmo que a incompetência absoluta seja matéria sobre a qual o magistrado deva se manifestar de ofício, antes de proferir qualquer decisão neste sentido, conforme o art. 10 do CPC/2015, deve ser oferecido às partes a oportunidade de se manifestar sobre a matéria. A previsão vem em boa hora e reforça a garantia do contraditório no processo civil, evitando as chamadas "decisões surpresa", que baseiam-se em fundamentos sobre os quais as partes não tiveram a oportunidade de se manifestar.

Apesar do §1º do art. 64 do CPC/2015 dispor que "a incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição", os tribunais superiores apresentam jurisprudência consolidada no sentido de impossibilitar a análise dessa alegação nos casos em que esta não tenha sido suscitada em instância ordinária.

No julgamento do Agravo Regimental no AI 637.258, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirma que a alegação de incompetência absoluta não afasta a necessidade de prequestionamento1. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assenta que "mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas em recurso especial, se ausente o requisito do prequestionamento"2.

Segundo jurisprudência do STJ, a alegação de incompetência absoluta do juiz no processo também não pode ser feita após o trânsito em julgado, veja-se: "não obstante o comando do CPC (1973), art. 113, determinando a declaração 'ex officio' da incompetência absoluta em qualquer tempo e grau de jurisdição, fica limitada tal atuação ao trânsito em julgado da respectiva decisão; cabe à parte interessada, em Ação Rescisória, pedir expressamente o seu reconhecimento"3. De modo consequente, harmônico a entendimento pacífico do mesmo Tribunal, este tema também não pode ser alegado na fase de execução4.

Conforme previsto no §2º do art. 64 do Diploma vigente, após a manifestação da parte contrária, o juiz deve imediatamente decidir sobre a alegação de incompetência. Havendo o reconhecimento oficioso da incompetência ou sendo essa alegação acolhida, os autos do processo devem ser remetidos ao juízo competente (§3º do art. 64, CPC/2015) e as decisões já proferidas pelo juízo incompetente conservarão seus efeitos até que outra seja proferida, ressalvados os casos em que houver pronunciamento judicial em sentido contrário (§4º do art. 64, CPC/2015). Neste ponto, nota-se outra acertada inovação, no sentido do aproveitamento dos atos processuais do juízo incompetente, dando-se prevalência ao princípio da economia processual. O Código anterior disciplinava que os atos decisórios proferidos pelo juízo incompetente seriam nulos (art. 113, §2º). Assim, o diploma atual, em sua coerência principiológica tornou excepcional a anulação dos atos, buscando imprimir maior celeridade, utilidade e racionalidade à marcha processual.

Em ato contínuo, o art. 65 do CPC/2015 prevê que: "prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação". Em outras palavras, a incompetência relativa deve ser alegada em preliminar de defesa do mérito. Caso assim não proceda o réu, haverá a preclusão da matéria, isto é, ocorre o prejuízo do direito de agir diante da perda de oportunidade. Destaca-se que, diferentemente da incompetência absoluta, a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício. Nesse sentido é o que veicula a Súmula nº 33 do STJ5. Ademais, consoante o parágrafo único do art. 65 do novo CPC, admite-se que a incompetência relativa seja suscitada pelo parquet, nas causas em que atuar.

Por sua vez, é o art. 66 do CPC/2015 que define as hipóteses de conflito de competência, podendo ser este conflito positivo ou negativo. Diz-se positivo quando dois ou mais juízes se declaram competentes para processar e julgar o mesmo feito (inc. I do art. 66), por outro lado, considera-se negativo quando dois ou mais juízes se declaram incompetentes para processar e julgar a causa, "atribuindo um ao outro competência" (inc. II do art. 66). Nada obstante, há conflito de competência, ainda, quando dois ou mais julgadores controvertem acerca da reunião ou separação de processos (inc. III do art. 66)6.

De mais a mais, o parágrafo único do art. 66 do CPC/2015, além de inovador, é categórico ao anunciar que compete ao julgador que renegar, ou desacolher, a competência que lhe foi declinada, suscitar o conflito de competência, salvo se já o atribuir a outro juízo.

Os conflitos de competência entre órgãos de primeiro grau, que tramitam perante o Tribunal, ensejam incidente processual manejado pelos arts. 951 e subsequentes do CPC/2015. A matéria também possui assento constitucional. A alínea "o" do inciso I do art. 102 da CF/1988 prevê que compete ao STF julgar os conflitos de competência envolvendo o STJ e qualquer outro tribunal ou envolvendo os Tribunais Superiores e qualquer outro tribunal; ademais, a alínea "d" do art. 105 da mesma Constituição dispõe que compete ao STJ julgar os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvada a competência do STF, bem como os conflitos de competência entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.

Ainda sobre o tema do conflito de competência, a doutrina leciona que não é possível haver conflito de competência entre o juízo estatal e o juízo arbitral: "o juiz arbitral tem poder de decidir sobre sua própria competência, e o Judiciário não pode interferir nessa questão, conforme o princípio da Kompetenz-Kompetenz"7. Segundo o aludido princípio, cabe exclusivamente ao juízo arbitral julgar a sua própria competência, bem como a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem.

Ao se apreciar as escolhas e inovações do legislador do CPC/2015 no tocante à matéria da incompetência, verifica-se a busca pela prevalência dos princípios da celeridade e da economia processual, evidenciando-se também especial cuidado para com a segurança jurídica, objetivando evitar suspensões e tumultos processuais abusivos por uma das partes. Também nota-se a simplificação e desburocratização do processo, expedientes que privilegiam a solução de mérito de forma a proporcionar uma prestação jurisdicional ágil, sem se descuidar das relevantes normas processuais de competência.

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1 STF. AI nº 637.258, AgRg. Relator o Ministro Ricardo Lewandowski. Primeira Turma. Julgado em 02.10.2007.

2 STJ. AgRg no Ag nº 1.090.095. Relator o Ministro João Otávio de Noronha. Quarta Turma. Julgado em 09.08.2011.

3 STJ. Resp nº 258.604. Relator o Ministro Edson Vidigal. Quinta Turma. Julgado em 21.11.2000.

4 STJ. CC nº 72.515. Relator a Ministra Denise Arruda. Primeira Seção. Julgado em 11.06.2008.

5 Súmula 33: A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.

6 Ordem os Advogados do Brasil. OAB – RS, Porto Alegre. 2015. Novo Código de Processo Civil Anotado. ISBN: 978-85-62896-01-9.

7 STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da. (Org.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 128.

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Colunista

Marcus Vinicius Furtado Coêlho é membro da comissão que elaborou o projeto do atual CPC. Doutor pela Universidade de Salamanca, membro do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Constitucional da entidade.