Embora os Estados sejam soberanos e possuam jurisdição própria, a globalização e o aumento das trocas comerciais e sociais entre países faz com que as relações jurídicas também assumam, por vezes, caráter internacional, transpondo as fronteiras de uma única jurisdição.
O novo Código de Processo Civil, atendendo às demandas dessa nova realidade, estabeleceu normas relativas à cooperação jurídica internacional, regulamentando os limites da interação entre duas ou mais jurisdições.
O art. 26 do diploma dispõe que a cooperação jurídica internacional deve observar o disposto nas convenções internacionais de que o Brasil seja parte. Não havendo tratado, porém, a cooperação pode se dar mediante reciprocidade, manifestada de forma diplomática, por via do Ministério das Relações Exteriores, consoante é a previsão do parágrafo primeiro do dispositivo1. No caso de homologação de sentença estrangeira é dispensada a exigência da reciprocidade.
Além da existência de tratado ou de manifestação diplomática, há outras condicionantes que devem ser observadas a fim de se proceder à cooperação internacional, as quais estão elencadas nos incisos do dispositivo ora em comento.
O inciso primeiro estabelece a necessidade de que o Estado requerente respeite o devido processo legal. Trata-se de "desdobramento da cláusula da ordem pública internacional. Não respeitar as garantias do devido processo legal é o mesmo que negar o direito à tutela judicial efetiva e, consequentemente, ofender os princípios fundamentais de um Estado"2. Visando a essa garantia, o legislador condicionou o atendimento de pedido de Estado estrangeiro, no tocante à cooperação internacional, à observância das garantias do devido processo legal.
Também é exigida a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, independentemente de residirem no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, além de ser assegurada a assistência judiciária aos necessitados. Essa igualdade decorre da própria garantia fundamental de igualdade entre brasileiros e estrangeiros insculpida no caput do art. 5º.
O inciso terceiro estabeleceu a observância da publicidade processual, salvo nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente. O respeito às hipóteses de sigilo previstas na lei estrangeira, para além de uma demonstração de respeito à legislação do Estado requerente, é também uma consequência lógica, tendo em vista que, de nada adiantaria o processo ser sigiloso no Estado estrangeiro se, no país onde tivesse que ser cumprida a diligência, houvesse publicidade dos autos. Só assim é possível garantir real efetividade às hipóteses de sigilo estabelecidas na legislação alienígena.
Já o inciso quarto prevê a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação. O dispositivo justifica-se pela necessidade de centralizar em determinado órgão ou instituição estatal a tramitação dos pedidos de cooperação jurídica internacional, tanto ativos – realizados pelo Brasil em relação a Estado estrangeiro – quanto passivos – apresentados ao Brasil por Estado estrangeiro.
No Brasil, cabe ao Ministério da Justiça desempenhar o papel de autoridade central, na ausência de designação específica, conforme disposto no parágrafo quarto do dispositivo comentado.
Por fim, o inciso quinto exige a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras. Fabiane Verçosa explica que essa espontaneidade "significa o dever de o estado brasileiro, quando figurar como Estado requerido, em qualquer modalidade passiva de cooperação jurídica internacional já solicitada por Estado estrangeiro, prestar informações a respeito do desenvolvimento do pedido de ofício, informando a respeito de novos andamentos e novas providências, independentemente de sucessivas provocações do Estado requerente, o que torna a comunicação muito mais célere e efetiva. O termo 'espontaneidade' não poderá em qualquer hipótese ser interpretado como dispensa da exigência de tratado (...) ou reciprocidade"3.
Destaque-se, por fim, o disposto no parágrafo terceiro do dispositivo, que estipula uma regra geral para a existência da cooperação internacional, qual seja a de não admissão de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro. Neste ponto, o legislador optou por inserir conceito jurídico indeterminado inovador na ordem jurídica, ao se referir a "normas fundamentais que regem o Estado brasileiro". Melhor seria se tivesse mantido expressões já corriqueiras e usuais como "ordem pública", "soberania nacional" e "bons costumes" que, embora também deveras abstratas, já possuem farta interpretação da jurisprudência a respeito.
O artigo 27 do CPC, por sua vez, disciplina o objeto da cooperação jurídica internacional, a qual poderá compreender: (i) citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial; (ii) colheita de provas e obtenção de informações; (iii) homologação e cumprimento de decisão; (iv) concessão de medida judicial de urgência; (v) assistência jurídica internacional; (vi) qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.
Embora sem correspondência com o Código de 1973, o dispositivo não traz inovações, já que as modalidades previstas já são amplamente consagradas como variedades de cooperação jurídica internacional.
A concessão de medida de urgência, prevista no inciso quarto, já possuía previsão no ordenamento jurídico brasileiro desde a resolução 09/2005 do STJ, que regulamentou em caráter provisório, a homologação de sentença estrangeira pelo Tribunal4. Assim, andou bem o novo CPC, ao estender a possibilidade de medida de urgência a qualquer modalidade de cooperação jurídica internacional.
Por fim, merece destaque o disposto no inciso sexto, que inclui, entre os objetos possíveis da cooperação internacional, "qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira". O dispositivo deixa claro que o rol do artigo 27 é exemplificativo e que diversos atos judiciais e medidas podem ser objeto de cooperação interjurisdicional, desde que não sejam vedadas pela legislação brasileira.
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1 Art. 26, § 1º Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática.
2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 116.
3 VERÇOSA, Fabiane. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, P. 118.
4 Art. 4º A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente.
§3º Admite-se tutela de urgência nos procedimentos de homologação de sentenças estrangeiras.