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Artigos 16, 17 e 18 do CPC – Ação e jurisdição

Artigos 16, 17 e 18 do CPC – Ação e jurisdição.

17/5/2019

A jurisdição e a ação são institutos basilares da Teoria Geral do Processo, em virtude de integrar, juntamente com o processo, os três pilares básicos da relação processual jurídica. No Título I do Livro II da Parte Geral do Código de Processo Civil de 2015 ocupam posição de destaque na medida em que se define o alcance da jurisdição civil, se estabelece o interesse e a legitimidade para postular em juízo e a possibilidade de substituição processual.

Pellegrini1 conceitua a jurisdição como sendo a função que o Estado exerce quando substitui a vontade dos titulares dos interesses em conflito pela vontade do direito objetivo que rege a controvérsia apresentada, promovendo a pacificação individual das partes e da sociedade. Desta forma, a jurisdição é a capacidade do Estado de decidir imperativamente e impor decisões.

A jurisdição é uma expressão do princípio constitucional da soberania nacional. Em face desta caraterística, o Estado Brasileiro não comporta a coexistência de jurisdições, sendo considerada una e indivisível. Porém, é uma atividade que pode ser exercida por terceiros autorizados pelo Estado, por intermédio dos métodos alternativos de solução de conflitos.

Embora a unidade e a indivisibilidade sejam características da jurisdição, subdivisões são permitidas na esfera interna de seu exercício, como se dá com a separação entre a jurisdição civil e a penal, em razão da matéria, por exemplo. O novo Código de Processo Civil, em seu artigo 16, trata da jurisdição de natureza civil, isto é, aquela relacionada com as questões jurídicas não penais2, prevendo que "a jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código".

Esse dispositivo inova em relação ao código anterior, ao eliminar as referências em relação à jurisdição contenciosa e voluntária, até então expressas no artigo 1º do Código de Processo Civil de 1973. No entanto, esta diferenciação não opera efeitos práticos relevantes, dado que os procedimentos especiais dedicados à jurisdição contenciosa e voluntária não foram abolidos. Estes últimos, regulamentados em capítulo próprio, pelos artigos 719 a 770.

A finalidade da jurisdição civil não se restringe à resolução de conflitos de interesse por um terceiro imparcial, uma vez que a existência de lide não é um fator determinante na atividade jurisdicional. Pois, é certo que a jurisdição também busca o reconhecimento judicial das relações jurídicas consolidadas na esfera fática, bem como a satisfação e proteção dos direitos dos cidadãos3(n1)

A inércia também é outra característica relevante da jurisdição, visto que os juízes e tribunais não podem desempenhar a função jurisdicional de ofício, ou seja, espontaneamente. É necessário que haja a provocação da parte mediante o direito de ação para que haja o exercício da função jurisdicional.

Wambier4 define que a ação é o direito de exigir do Estado o exercício da jurisdição sobre determinada demanda de direito material, sendo um instrumento processual que assegura o acesso à jurisdição para a tutela de determinado interesse particular(n2).

O Código de Processo Civil de 2015 define que o exercício do direito de ação é limitado ao alcance de duas condições da ação: o interesse e a legitimidade. O artigo 17 assim estabelece: "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade".

O interesse repousa no binômio necessidade e utilidade, que significam a necessidade da atividade jurisdicional ser imprescindível para o desfecho da controvérsia apresentada pela parte, bem como na utilidade, que se traduz na adequação dos meios processuais utilizados ao pedido formulado, ou seja, a medida processual adotada deve ser o meio hábil para obtenção do objetivo pretendido5.

A segunda condição da ação – a legitimidade - refere-se à exigência de coincidência entre o autor e o réu da relação processual e os titulares da relação jurídica de direito material exposta no processo, visto que a sentença judicial, que eventualmente examina o mérito, opera efeitos perante as partes interessadas. Logo, são eles quem usufruem do resultado obtido. Nessa linha, Bedaque6 destaca que "não se pode admitir a ação como um poder absolutamente genérico, sem qualquer ligação com uma situação de vida sobre que incidirá o provimento jurisdicional".

Por outro lado, não se pode dispensar o conteúdo do caput artigo 18, que confere legitimidade, em caráter excepcional, àqueles sujeitos processuais que estão autorizados pelo ordenamento para atuar em juízo defendo o direito de outrem. Senão vejamos: "Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico".

O Ministério Público, quando atua em defesa dos interesses difusos e coletivos, e os sindicatos são os substitutos processuais que encontram previsão no texto constitucional. Na esfera do Código de Processo Civil, a legitimidade extraordinária ocorre, por exemplo, quando o alienante ou o cedente estiver em juízo, em nome próprio, defendendo o direito do alienado ou cedido de modo consentido nas situações envolvendo a alienação da coisa ou o direito litigioso (n3).

Com fundamento neste dispositivo, o Superior Tribunal de Justiça7 em decisão de março desse ano, reconheceu a legitimidade dos sindicatos para substituírem os pensionistas da categoria representada pela entidade de classe em execuções de sentença, por entender que a natureza do vínculo da pensão gera legitimidade ativa em relação ao servidor falecido. Desse modo, fixou entendimento no sentido de que não se pode falar em extinção da ação havendo autorização legal para substituí-los na relação processual, e, no tocante à relação material, o direito recai sobre os herdeiros, ainda que o falecimento de servidores públicos tenha ocorrido antes do ajuizamento da ação de conhecimento.

É importante suscitar ainda que, o parágrafo único do artigo 18, permite que "havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial", esta premissa legal é uma inovação do Código de Processo Civil de 2015 e justifica-se em face dos efeitos da sentença recair perante o titular do direito material.

O novo Código de Processo Civil retirou a expressão "condições da ação" de seu texto e excluiu o terceiro requisito, referente à possibilidade jurídica do pedido, que até então vigorava no antigo diploma como indispensável para o trâmite processual. Todavia, mesmo que de modo mitigado, ainda existem pressupostos processuais mínimos a serem observados no exercício do direito de ação, que resultam na carência da ação quando ausentes e na extinção do processo sem resolução de mérito.

No tocante à possibilidade jurídica do pedido, esta antiga condição da ação, que era apreciada no âmbito da admissibilidade processual, passou a ser avaliada no momento da análise do mérito da ação propriamente dito. Por essa razão, verificada a ausência da possibilidade jurídica do pedido, a consequência é a extinção do processo com resolução de mérito.

Diante da nova organização dos institutos do interesse, da legitimidade e da possibilidade jurídica do pedido, conclui-se que o legislador dissociou os direitos processual e material ao estabelecer a realização, em momentos distintos, do juízo de admissibilidade dos pressupostos processuais e do juízo de mérito.

Nessa linha, em sede de embargos em recurso especial8, o STJ esclareceu que o exame das condições da ação consiste em perquirir acerca da viabilidade e da aptidão de o processo amparar e solucionar, de modo eficaz, a questão de direito substancial que é deduzida pelos sujeitos processuais, de modo a permitir ao juiz avançar no exame do mérito da relação de direito material controvertida.

O Código de Processo Civil de 2015, no que tange às teorias da ação, adotou a chamada teoria eclética, segundo a qual a existência do direito de ação independe da existência do direito material, mas do preenchimento de certos requisitos formais, quais sejam o interesse a legitimidade. Dessa forma, as condições da ação não se confundem com o direito material pleiteado e, quando ausentes, resultam em sentença de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, VI, Novo CPC).

Assim, em um primeiro momento, avaliam-se os pressupostos de admissibilidade da ação, para, em um segundo momento, avançar em direção ao exame do direito material discutido no processo. No entanto, no momento em que se verificar o mérito do processo, se concluir que as condições da ação não se encontram presentes, haverá extinção com resolução de mérito.

É certo que o conteúdo dos artigos analisados designam as diretrizes que guiam a jurisdição e a ação do direito processual brasileiro, em especial quando estabelecem que o interesse e a legitimidade são as condições necessárias para postular em juízo. Nesse sentido, o Código de Processo Civil consagra a autonomia do direito processual em relação ao direito material, contudo, sem se distanciar a abstrativização do procedimento e da realidade fática.

__________

1 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. 22º edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2006; pg. 145.

2 WAMBIER, Teresa Arruda, et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 98.

3 DIDIER, Fredie, Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p.. 199.

4 WAMBIER, Teresa Arruda, et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 99 - 100

5 (REsp 1732026/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 21/11/2018).

6 (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Pressupostos processuais e condições da ação. Justitia, São Paulo, v. 53, n. 156, p. 48-66, out./dez. 1991).

7 (AgInt no REsp 1737722/PE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 26/03/2019).

8 (EREsp 1619954/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2019, DJe 16/04/2019)

N1 Mas isso também é a solução de um litígio, uma solução adjudicada, imposta por um terceiro.

N2 Acho melhor não falar somente em particular, pois pode dar a entender que somente seriam questões privadas, não abrangendo direitos coletivos e de interesse do Estado.

N3 No caso de cessão não é bem legitimidade extraordinário, pois ele passou a ser novo titular do direito material e não está mais defendendo direito alheio.

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Colunista

Marcus Vinicius Furtado Coêlho é membro da comissão que elaborou o projeto do atual CPC. Doutor pela Universidade de Salamanca, membro do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Constitucional da entidade.