Importante inovação trazida pelo Código Processual Civil de 2015 foi o instituto da estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (art. 303). Concedida a tutela em caráter antecedente, a decisão torna-se estável caso a parte interessada não interponha recurso. O instituto tem previsão no artigo 304, que estabelece, em seu caput: "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso".
Dessa forma, o meio que dispõe o réu para evitar a estabilização da antecipação da tutela é a interposição do recurso de agravo de instrumento (art. 302, caput). A consequência da não interposição do agravo está prevista no parágrafo primeiro do artigo 304: o processo deve ser extinto. Além disso, o parágrafo terceiro acrescenta que "a tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito".
A alteração da tutela deferida pode ser pleiteada por meio de ação própria (art. 304, §2º) no prazo de dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo (art. 304, §5º). "Como simples prosseguimento da ação antecedente, o processo oriundo da ação exauriente não implica por si só inversão do ônus da prova: a prova do fato constitutivo do direito permanece sendo do autor da ação antecedente – agora réu na ação exauriente. Ao réu da ação antecedente – agora autor da ação exauriente – tocará, em sendo o caso, a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo. O legislador vale-se aí da técnica de inversão da iniciativa para o debate, que se apoia na realização eventual do contraditório por iniciativa do interessado (contraditório eventual)1".
Ao analisar a figura da estabilização da tutela, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça conferiu interpretação ampliativa ao art. 304, entendendo que outras formas de impugnação, como a contestação, servem para impedir que a tutela se torne estável2.
No caso apreciado, a autora ajuizou pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente buscando a condenação da Requerida na obrigação de promover nos registros do Detran/SP a transferência, para o seu nome, de veículo, bem como na condenação ao pagamento de danos materiais relativos aos valores eventualmente pagos a título de IPVA e multas referentes ao automóvel. O Juízo de primeiro grau deferiu o pedido de tutela, porém, a ré se antecipou e ofereceu contestação, embora o prazo ainda não tivesse sido iniciado, ocasião em que pleiteou expressamente a revogação da tutela deferida, a qual foi deferida. A referida decisão foi impugnada pela autora por meio de agravo de instrumento, negado pelo Tribunal de origem, razão pela qual a autora interpôs recurso especial.
Em seu julgamento, o STJ consignou que uma das grandes novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015.
A ideia central do instituto, pontuou a Turma, é que, após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor e nem o réu tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material.
Por essa razão, é que, conquanto o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária.
O colegiado asseverou que o referido dispositivo legal disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada.
Nessa perspectiva, caso a parte não interponha o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que defere a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas, por exemplo, se antecipa e apresenta contestação refutando os argumentos trazidos na inicial e pleiteando a improcedência do pedido, evidentemente não ocorrerá a estabilização da tutela.
O STJ acrescentou, ainda, que não se revela razoável entender que, mesmo o réu tendo oferecido contestação ou algum outro tipo de manifestação pleiteando o prosseguimento do feito, a despeito de não ter recorrido da decisão concessiva da tutela, a estabilização ocorreria de qualquer forma.
Admitir essa situação estimularia a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, quando bastaria uma simples manifestação do réu afirmando possuir interesse no prosseguimento do feito, resistindo, assim, à pretensão do autor, a despeito de se conformar com a decisão que deferiu os efeitos da tutela antecipada. Da mesma forma, tal situação também acarretaria um estímulo desnecessário no ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.
A doutrina inclina-se por entendimento semelhante àquele adotado no julgamento em tela. Segundo leciona Daniel Mitidiero, "se o réu não interpuser o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo – ou ainda manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização de audiência de conciliação ou mediação, tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Essa solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do processo3".
Na mesma linha de entendimento, Fredie Didier Jr., Paula S. Braga e Rafael A. de Oliveira sustentam que "se, no prazo de recurso, o réu não o interpõe, mas resolve antecipar o protocolo da sua defesa, fica afastada a sua inércia, o que impede a estabilização - afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantém a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada4".
O entendimento esposado pela doutrina e pela jurisprudência privilegia uma interpretação lógico-sistemática e teleológica do dispositivo. Ao concluir que o legislador pretendeu estabilizar a concessão da tutela somente naqueles casos em que não haja oposição da parte adversa, entendem que a contestação do réu é apta a evitar a referida estabilização da tutela, posto que configura uma forma de manifestação de inconformismo com a decisão.
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1 MITIDIERO, Daniel, In. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 789.
2 Recurso Especial 1760966/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, data da publicação: 07/12/2018.
3 Idem.
4 DIDIER JR., Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 12ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 690.