A editora Zahar publicou, em 2018, "A cor da liberdade: os anos de presidência", a continuidade da biografia de Nelson Mandela, Longa caminhada até a liberdade.
"Tem como espinha dorsal as memórias que Mandela começou a escrever quando se preparou para deixar o cargo, mas não teve condições de terminar", consta da orelha do livro. O premiado escritor sul-africano Mandla Langa terminou a tarefa usando "o rascunho inacabado e as notas detalhadas que Mandela fez ao longo dos anos – além de um rico e inédito material de arquivo".
Com prólogo de Graça Machel, viúva de Madiba, o livro é estruturado a partir de uma Nota ao leitor, seguida do Prefácio, trazendo, então, o seguinte sumário: "1. O desafio da liberdade; 2. Negociando a democracia; 3. Eleições livres e idôneas; 4. Entrando no Palácio do Governo; 5. Unidade Nacional; 6. A presidência e a Constituição; 7. O Congresso; 8. Liderança tradicional e democracia; 9. Transformação do Estado; 10. Reconciliação; 11. Transformação social e econômica; 12. Negociando com os meios de comunicação; 13. Na África e no mundo; Epílogo".
Com tradução de Denise Bottmann, trata-se de uma aventura de 470 páginas.
Logo no início, ligando os pontos com o passado, há uma fala de Nelson Mandela em Longa caminhada para a liberdade: "A verdade é que ainda não somos livres, alcançamos apenas a liberdade de sermos livres, o direito de não sermos oprimidos. Demos não o passo final de nossa jornada, mas o primeiro numa estrada mais longa e ainda mais difícil".
No prefácio, a nova África do Sul é contextualizada com as consequências traumáticas de um "nascimento difícil" (p. 15). Mandela é o "parteiro de um nascimento problemático" (p. 236).
A obra mostra um líder com defeitos e contradições, mas apaixonado pelo seu país e que encontrou na luta contra o racismo a sua missão imortal. "Não era um santo, mas um pecador que continua a se esforçar", escreveu Mandla Langa (p. 378).
A compreensão dos direitos fundamentais foi imortalizada num discurso em 20 de dezembro de 1997, na Conferência do partido, o Congresso Nacional Africano – CNA, quando Nelson Mandela falou: "O dia de hoje marca a realização de mais um salto naquela corrida de revezamento – que ainda continuará por muitas décadas" (p. 22).
Segundo o livro, "tendo estudado longamente o inimigo e lido suas obras de história, jurisprudência, filosofia, língua e cultura, Mandela chegava à conclusão de que os brancos fatalmente descobriram que o racismo os prejudicava tanto quanto aos negros" (p. 24). Em entrevista a Oprah Winfrey, retratada no livro, Madiba disse: "nossa conversa com o inimigo foi resultado do domínio da razão sobre a emoção" (p. 285).
A prisão amainou o espírito de Mandela. "Sobreviver no cárcere demandava enormes reservas de força mental – ele precisava se armar com o que fortalecesse sua estabilidade interior e abandonar tudo o que pudesse debilitá-la" (p. 235).
Encarcerado, Madiba "aperfeiçoou aquela capacidade que, mais tarde, viria a ser um de seus pontos mais fortes: a de perceber que a pessoa diante dele, amiga ou inimiga, era um ser humano complexo, com personalidade multifacetada” (p. 31). Mandla Langa prossegue: “Ele sabia que precisava se livrar do peso do ressentimento" (p. 31). O autor diz que Mandela "via o encarceramento como uma oportunidade de conhecer a si mesmo" (p. 60). O arremate vem do próprio Madiba, que diz: "A cela lhe dá a oportunidade de examinar diariamente sua conduta, de vencer o que há de ruim e desenvolver o que há de bom em você” (p. 61). Ao sair da prisão Victor Verster, Nelson Mandela já havia dito a si mesmo que a missão de sua vida era “libertar oprimidos e opressores".
O livro enfatiza o erro das hesitações em momentos raros de um chamamento histórico para as grandes missões humanistas que a jornada dos tempos costuma fazer. "Na versão nguni, as pessoas dizem: ‘Sihamba nabahambayo’, que em isiZulu significa simplesmente: 'Levamos conosco os que estão prontos para a viagem'. 'Ha e duma eyatsamaya’ (quando o motor começa a funcionar, esse veículo vai partir), diz o refrão de uma cantiga tradicional em setswana – um conselho aos indecisos para andarem logo". Para Mandela, "era hora de entrar em movimento" (p. 58). Esse espírito de luta foi retratado pela viúva Graça Machel, no prólogo: "Possamos todos nós encontrar um local de descanso, mas nunca demorarmos demais na jornada a que fomos chamados" (p. 11).
Langa lembra que "um elemento importante na grandeza de Mandela era nunca tomar nada – nem ninguém – por definitivo" (p. 91). Enfatiza a convicção pessoal no sentido de jamais ser descortês com outro líder. "Os líderes, a seu ver, representavam um eleitorado. Qualquer grosseria com eles se convertia, portanto, numa afronta geral a seus seguidores" (p. 137).
A personalidade cativante de Mandela permeia o livro. Ele "somava à inflexível praticidade uma cortesia de tipo europeu, que também esperava da parte de outros, sobretudo dos colegas" (p. 199). "Era afável, simpático e sorria muito" (p. 61). Seus predicados fizeram o congressista republicano Amory R. Houghton Jr., dos Estados Unidos, comentar: "Ele é o George Washington da África do Sul" (pp. 149/150). Mas esse jeito envolvente não o impedia de às vezes sair da linha em embates verbais com oponentes: "Não sou diplomata, pois passei meu tempo lutando com carcereiros. O que eu devia declarar?", disse certa feita (p. 205).
Na cúpula da Organização da Unidade Africana (OUA), um mês após a sua posse como presidente da África do Sul, Nelson Mandela dividiu com o público essa linda construção retórica: "Se a liberdade era a coroa que os combatentes da libertação procuraram pôr na cabeça da mãe África, que o avanço, a felicidade, a prosperidade e o conforto de seus filhos sejam a joia da coroa" (p. 355).
A obra traz detalhes do singular processo constituinte sul-africano. Recorda que o Termo de Entendimento assinado pelo CNA e pelo Partido Nacional, em 26 de novembro de 1992, abriu caminho para um processo de duas etapas; a primeira, um fórum pluripartidário de negociação que resultou em 34 princípios aprovados pelo governo do Partido Nacional como parte da Constituição interina. Dispunha sobre a eleição de um Congresso com representação proporcional dos partidos com base no voto universal, que operaria como uma Assembleia Constituinte, encarregada de elaborar o texto final. Caberia à Corte Constitucional, criada pela Constituição interina, certificar que o novo texto estava em conformidade com os 34 princípios antes de ser promulgado (p. 176).
Enquanto o fórum pluripartidário negociava a Constituição interina, o texto da Constituição final foi elaborado pelos representantes dos cidadãos que compunham a Assembleia Constituinte em número proporcional aos votos recebidos por seus partidos na eleição de 1994. Houve "participação pública direta, inclusive propostas de cidadãos tanto por escrito quanto em forma oral, em fóruns nas vilas, cidades e comunidades" (p. 177).
Em 8 de maio de 1996, a Assembleia Constituinte adotou o texto que o Comitê Constitucional do Congresso terminara de redigir de madrugada. Mandela o acolheu dizendo: "Os breves segundos em que a maioria dos ilustres membros assentiu silenciosamente à nova lei fundamental do país capturaram, num instante fugaz, os séculos de história que o povo sul-africano suportou em busca de um futuro melhor" (p. 182). Para o presidente, "ao fim e ao cabo, não devia haver ganhadores e perdedores", e sim "a África do Sul como um todo deve sair ganhadora” (p. 184). Disse ainda: "Todos os dias vou me deitar sentindo força e esperança, porque posso ver que estão surgindo novos líderes do pensamento, líderes que são a esperança do futuro" (p. 185).
Voltando no tempo, a obra "A cor da liberdade" vai a 20 de abril de 1964, quando, no banco dos réus, no julgamento do caso Rivônia, diante de uma provável sentença de morte, Mandela disse ao Tribunal e ao mundo: "acalento o ideal de uma sociedade livre e democrática em que todos vivam juntos em harmonia e igualdade de oportunidades. É um ideal pelo qual espero viver e espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer" (p. 169).
Trinta anos depois, Mandela nomeou Arthur Chaskalson, integrante da equipe de defesa no julgamento e membro do Comitê Constitucional do CNA, para a presidência da Corte Constitucional. "Ele havia sido impedido pelo Estado do apartheid de exercer a advocacia em várias partes do país, mediante um bizantino conjunto de medidas" (p. 189).
Na inauguração da Corte, em fevereiro de 1995, Mandela dividiu suas impressões sobre o constitucionalismo: "significa que nenhum cargo e nenhuma instituição podem ficar acima da lei. Os mais poderosos e os mais humildes da terra, todos, sem exceção, devem obediência ao mesmo documento, aos mesmos princípios. Não interessa se você é negro ou branco, homem ou mulher, jovem ou velho; se fala setswana ou africâner; se é rico ou pobre, se usa um carro novo e elegante ou anda a pé e descalço; se usa farda ou está preso numa cela. Todos nós temos certos direitos básicos, e esses direitos fundamentais estão expostos na Constituição" (pp. 186/187).
Afirmou ainda que a Constituição "permite que as múltiplas vozes do povo sejam ouvidas de maneira organizada, articulada, dotada de sentido e orientada por princípios" (p. 187).
O presidente Nelson Mandela lembrou que, no desenho institucional sul-africano pintado pela recente Constituição por ele gestada, existem "entidades institucionais que são comandadas por figuras públicas fortes e qualificadas, totalmente independentes do governo" (p. 190). São elas: o Protetor Público, o Diretor Nacional dos Processos Públicos, o Ouvidor-Geral, a Comissão de Direitos Humanos, a Comissão de Verdade e Reconciliação e a Corte Constitucional (p. 190).
A obra lembra que "a Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR), presidida pelo arcebispo Desmond Tutu, tornou-se o símbolo da nova África do Sul tal como o apartheid a simbolizara no regime antigo, ficando atrás apenas da nova Constituição. Para a comunidade internacional, foi uma vívida demonstração da corajosa missão da África do Sul em aprofundar a democracia" (p. 297).
A reafirmação do princípio do "nunca mais" veio em seu Discurso à Nação, em 1997, quando disse: "Todos nós, como nação que acaba de encontrar a si mesma, partilhamos a vergonha perante a capacidade de seres humanos de qualquer raça ou grupo linguístico de serem desumanos com ouros seres humanos. Todos nós devemos participar do compromisso com uma África do Sul onde isso nunca mais se repetirá" (p. 304).
Mas Mandela, que criou a Corte Constitucional, por mais de uma vez se viu às voltas com suas decisões. A primeira delas, quando exonerou sua ex-esposa, Winnie Mandela, do cargo de vice-ministra de Artes, Cultura, Ciência e Tecnologia.
Pela Constituição, o presidente deveria consultar os dois vice-presidentes e os líderes de todos os partidos no gabinete. Ele não o fez. Então decidiu que "a demissão da sra. Mandela deve ser tratada como inválida em termos técnicos e de procedimento". Procedeu assim pelo compromisso de "agir dentro do espírito da Constituição, e ademais deseja poupar ao governo e à nação as incertezas que poderiam se seguir a uma prolongada ação judicial sobre essa questão" (p. 146).
Outro episódio havia se dado antes mesma da redação da nova Constituição.
Chegando o prazo final dos preparativos para as eleições locais, o Congresso adotou a Lei de Transição do Governo Local antes que a sua redação estivesse pronta. Para compensar, foi incluída uma cláusula conferindo ao presidente o poder de emenda à lei. Com o dispositivo, Mandela transferiu o controle sobre a composição dos comitês de demarcação do governo local do governo provincial para o governo nacional. Todavia, isso invalidou decisões tomadas pelo governador do Cabo Ocidental, Hernus Kriel, que levou a questão à Corte Constitucional. O tribunal deu ganho de causa para o governo provincial do Cabo Ocidental e concedeu ao Congresso o prazo de um mês para retificar a lei (p. 170).
Uma hora depois da divulgação, pela Corte Constitucional, da decisão, o presidente Nelson Mandela aceitou publicamente a determinação: "Logo que fui informado da decisão, convoquei uma coletiva de imprensa e conclamei o público geral a respeitar a sentença da mais alta corte no país em assuntos constitucionais" (p. 171). E fechou: "devo enfatizar que a decisão do Tribunal Constitucional confirma que nossa nova democracia está lançando raízes sólidas e que ninguém está acima da lei" (p. 171).
Há na obra uma passagem de Albie Sachs, indicado pelo presidente Nelson Mandela para a primeira composição da Corte Constitucional, onde ele recorda que Madiba, em maio de 1961, "estava na clandestinidade e tinha convocado uma greve geral. Declarando que a maioria do povo não fora consultada sobre a transformação da África do Sul numa República fora da Commonwealth (Comunidade das Nações), ele juntou ao apelo de paralização a reinvindicação de que se realizasse uma convenção nacional pra redigir uma nova Constituição". Mandla Langa então diz que, "trinta e cinco anos depois, a lei, antes cruel instrumento de exclusão e opressão, finalmente se transformava para servir a todos" (p. 191).
O livro lembra que todas as províncias sul-africanas tinham suas histórias de desgraças. Dentre elas, Natal arcava com o maior peso da brutalidade. "Era ali que o Partido da Liberdade Inkatha, com o respaldo de agentes do Serviço Policial Sul Africano, travava guerra ao CNA e seus seguidores".
Mandela foi duro com os partidários do Inkatha. Para ele, esses oponentes "ficam falando sobre o caráter sagrado da Constituição, mas, quando estavam no poder, ao mais leve pretexto intervinham na Constituição. (...) Agora nos passam sermões sobre o caráter sagrado da Constituição" (pp. 230/231).
Duas semanas após a sua saída da prisão, Mandela discursou para 100 mil pessoas no Kings Park Stadium, na cidade de Durban. A obra retrata o evento como "um dos momentos memoráveis e purificadores para Mandela" (p. 40).
"Peguem suas armas, suas facas e suas pangas e joguem no mar!", ordenou Madiba. "Entre a multidão, iniciou-se um som surdo e baixo de desaprovação, que foi crescendo e se transformou num coro de vaias". Mesmo assim, Mandela prosseguiu: "Fechem as fábricas de morte! Terminem já essa guerra!" (p. 41).
A compreensão se aproximava de Martin Luther King Jr, que, ao receber o Prêmio Nobel da Paz, em 1964, dissera: "A violência como forma de alcançar a justiça racial é inviável e imoral", pontuando em seguida: "A violência é inviável, porque é uma espiral descendente que termina em destruição para todos" (pp. 55/56).
Para além de perseverar pela paz, Mandela também tinha outras agendas e seu governa não as negligenciaria. Menos de um mês depois do início do governo, Mandela escreveu a seus ministros mostrando a urgência que atribuía à questão específica da nomeação de mulheres. Escreveu o presidente da África do Sul:
"Nosso país alcançou o ponto em que se reconhece que a representação das mulheres é essencial para o êxito de nosso programa de construção de uma sociedade justa e equitativa.
O governo precisa liderar esse processo dando provas visíveis da presença de mulheres em todos os níveis de governo.
Assim, eu gostaria de lhes solicitar que deem prioridade à nomeação de mulheres para cargos nos departamentos do governo, no serviço público e nos comitês permanentes.
Também gostaria de lembra-los de que os serviços a serem prestados pelos departamentos de vocês devem trazer melhorias às condições não só dos homens, mas também das mulheres" (p. 271).
Ele conclamava todos a honrarem "as mulheres e as crianças de nosso país que estão expostas a todas as espécies de violência e abusos domésticos" (p. 337).
Questão sensível foi o debate sobre o hino nacional. Antes da eleição de 1994, a solução combinada entre o CNA e o Partido Nacional no Conselho Executivo de Transição foi que se cantariam "Nkosi Sikelel' iAfrika (Deus abençoe a África) e "Die Stem van Suid-Afrika (O chamado da África do Sul), um depois do outro. "Assumindo a presidência, Nelson Mandela encarregou uma equipe de criar uma versão bem mais curta e menos canhestra, juntando elementos dos dois hinos" (p. 288).
O livro traz mensagens duras e muito críticas de Nelson Mandela dirigidas a seus próprios apoiadores em muitos momentos do seu mandado presidencial de 5 anos. Numa delas, ele adverte as futuras gerações dos perigos do poder: "A menos que sua organização política se conserve forte e com princípios, impondo igualmente rigorosa disciplina aos líderes e aos membros comuns (...), a tentação de abandonar os pobres e começar a cumular uma enorme riqueza para si mesmos se torna irresistível" (p. 30).
Mandela via com decepção o comportamento de muitos líderes africanos à frente de seus países. Na prisão, ele anotou: "Eles passaram a crer que são líderes insubstituíveis. Nos casos em que a Constituição permite, tornam-se presidentes vitalícios. Naqueles casos em que a Constituição do país impõe limitações, geralmente emendam a Constituição para poderem se agarrar ao poder por toda a eternidade" (p. 30).
As queixas de Mandela expostas no livro prosseguem: "os sintomas de nossa enfermidade espiritual são mais do que conhecidos. Incluem a extensão da corrupção no setor público e no setor privado, em que os cargos e postos de responsabilidade são tratados como oportunidades para o enriquecimento pessoal; a corrupção que vigora dentro de nosso sistema judiciário; a violência nas famílias e relações interpessoais, em especial o vergonhoso recorde de abusos contra mulheres e crianças; a extensão da evasão fiscal e a recusa em pagar pelos serviços utilizados" (p. 335).
Eis aqui uma dura fala a trabalhadores que faziam uma greve geral no país: "Há pelo menos 5 milhões de pessoas desempregadas, que não sabem onde vão conseguir uma refeição durante o dia, não sabem onde vão dormir, não sabem como vestirão os filhos, como pagarão a escola. Este problema vocês é que têm de resolver. Ao fazerem greve, não olhem seus próprios interesses pessoais ou apenas os interesses do seu sindicato; vocês precisam adotar uma visão ampla. Precisam criar condições para que a iniciativa privada consiga realmente se expandir e absorver esses 5 milhões de desempregados. É sua tarefa. Vocês também precisam saber que, mesmo que tenhamos o direito de lutar por melhores condições de vida, não podemos nos precipitar; quanto maior o custo de produção, mais cortes de pessoal o empresariado quer fazer, e assim aumenta o exército de desempregados – tenham isso em mente" (p. 336).
Numa passagem, Mandela exige equilíbrio entre liberdade e responsabilidade: "Está muito claro que há algo de errado numa sociedade em que se tende liberdade como alunos ou professores irem bêbados para a escola, os guardas expulsarem os diretores e nomearem seus amigos pra o comando das instituições, os grevistas recorrerem à violência e destruição das propriedades, os empresários torrarem dinheiro em ações judiciais somente para protelar a aplicação de leis que não lhes agradam, a evasão fiscal transformar os sonegadores em heróis das conversas de bar" (p. 336).
Como presidente, Nelson Mandela encarnava a Constituição e todos os seus dispositivos, inclusive a seção 16, que garantia o direito à liberdade de expressão. Ele leu com grande interesse a decisão do juiz Edwin Cameron, ao tempo no Tribunal Superior de Recursos, no caso Holomisa v. Argus Newspapers Ltd., 1996 (2) S.A. 588 (W), no qual Cameron fez uma defesa intransigente da liberdade de expressão, de imprensa e de comunicação em questões que envolvessem atos ou ações de governos (p. 339).
No discurso no Congresso do Instituto Internacional de Imprensa, em 1994, Madiba afirmou: "É apenas tal imprensa livre que pode moderar o apetite de qualquer governo em acumular poder em detrimento do cidadão. É apenas tal imprensa livre que pode ser o guardião vigilante do interesse público contra a tentação de abuso do poder por parte de seus detentores. É apenas tal imprensa livre que pode ter a capacidade de expor incessantemente os excessos e a corrupção por parte do governo, das autoridades do Estado e de outras instituições que detêm poder na sociedade" (p. 343).
O presidente Nelson Mandela apelava aos parlamentares no sentido de que, "em seus diversos partidos, ajudassem mais a construir do que a destruir” (p. 174). Na última sessão parlamentar de 1999, afirmou: “é nas legislaturas que os instrumentos são criados para trazer uma vida melhor a todos" (p. 207).
Em 1997, na Conferência Nacional do CNA, Mandela fez um balanço da sua jornada como presidente da nova África do Sul: "O mundo nos admira por nosso êxito como nação em nos elevarmos à altura dos desafios da nossa era. Tais desafios eram: evitar o pesadelo da guerra racial e dos derramamentos de sangue tão debilitantes e reconciliar nosso povo, tendo como base que nosso objetivo geral deve ser o de superarmos juntos a herança da pobreza, da divisão e da injustiça" (p. 382).
Sua mensagem derradeira na obra é essa: "A longa caminhada continua!".
É de fato longa a caminhada rumo à liberdade. E essa caminhada, assim como a venturosa jornada pela conquista de direitos fundamentais, há sempre de continuar.
"A cor da liberdade: os anos de presidência" é uma linda obra. Escrita com refinamento, a partir de documentos oficiais fundamentais e dos próprios manuscritos de Nelson Mandela, o livro pontua os momentos mais relevantes de uma presidência que ocupou raro lugar na história contemporânea. Ela expõe a intimidade de um alinhamento de astros que dificilmente se repetirá diante dos nossos olhos. Vale cada página.