Conversa Constitucional

O regime jurídico dos empregados de conselhos profissionais

O regime jurídico dos empregados de conselhos profissionais.

13/4/2020

É como se uma corrente prendesse o Brasil, e alguma força desconhecida, sempre que visse o país andar um degrau à frente, o puxasse dois passos para trás.

O Partido da República (PR) ajuizou, em 30/4/2015, no Supremo Tribunal Federal, a ação declaratória de constitucionalidade n. 36, visando converter em absoluta a presunção relativa de constitucionalidade do § 3º do art. 58 da lei 9.649/98, cotejado com o art. 39 da Constituição Federal (na redação da EC n. 18/98)1.

Eis o teor do dispositivo: "Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta"2.

A Procuradoria-Geral da República, então, ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade n. 53673 e a arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 3674, trazendo à tona a questão do regime jurídico dos empregados desses conselhos, se são regidos pelo regime jurídico único dos servidores públicos ou pela Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT.

Anunciando seu voto no último dia 10/4, sexta-feira, no julgamento virtual da lista n. 103-2020, a relatora de todas essas ações, a ministra Cármen Lúcia, julgou improcedente a ADC 36 e procedentes a ADI 5367 e a ADPF 367. A relatora reconheceu o regime jurídico único a reger esses empregados. O julgamento se encerrará dia 17/4/2020 e não há ainda qualquer outro voto além do da ministra Cármen Lúcia.

A resposta quanto ao regime jurídico dos empregados dos Conselhos Profissionais se inicia no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), da Constituição, especialmente no seu art. 5º, que assegura a liberdade de exercício profissional (XIII: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer"). Ou seja, o nosso modelo de regulação dos profissionais liberais é de "autorregulação", reclamando autonomia e independência quanto ao Estado.

As autarquias, diversamente, estão no inciso XVII do art. 37, no Capítulo VII (Da Administração Pública), voltado à "administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". Consta: "a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público"5.

Essa distinção é fundamental, porque a base da fundamentação da posição que entende serem os empregados dos Conselhos Profissionais regidos pelo regime jurídico único, e não pela CLT, parte da assunção de que esses Conselhos são "autarquias".

Ocorre que não se encontra neles nada que, substancialmente, os converta em autarquias puras e simples. Tanto que a natureza sui generis jamais foi refutada pelo STF. Um exemplo que ilustra o todo é o trecho de voto recente do ministro Alexandre de Moraes: "Há a possibilidade de afastamento de algumas regras que se impõem ao Poder Público em geral e, no caso específico, à Fazenda Pública". E o arremate: "Veja-se, por exemplo, a discussão quanto à possibilidade de contratação de empregados pelo regime celetista, pendente de análise na ADC 36, na ADI 5.367 e na ADPF 367, todas de relatoria da Minª. CÁRMEN LÚCIA"6.

De fato, o STF já o fez quanto à OAB7, em vista da peculiaridade de essa entidade exercer função constitucionalmente qualificada, além de suas finalidades institucionais na defesa dos interesses da cidadania e da sociedade civil.

Prosseguindo, o ministro Alexandre de Moraes, em manifestação majoritária do pleno do STF, estabelece as distinções que singularizam esses Conselhos:

"Os Conselhos profissionais gozam de ampla autonomia e independência; eles não estão submetidos ao controle institucional, político, administrativo de um ministério ou da Presidência da República, ou seja, eles não estão na estrutura orgânica do Estado. Seus recursos financeiros não estão previstos, como salientou o Ministro MARCO AURÉLIO, na lei orçamentária. Eles não têm e não recebem ingerência do Estado nos aspectos mais relevantes da sua estrutura – indicação de seus dirigentes, aprovação e fiscalização da sua própria programação financeira ou mesmo a existência, podemos chamar, de um orçamento interno. Eles não se submetem, como todos os demais órgãos do Estado, à aprovação de sua programação orçamentária, mediante lei orçamentária, pelo Congresso Nacional. Não há nenhuma ingerência na fixação de despesas de pessoal e de administração.

Os recursos dessas entidades são provenientes de contribuições parafiscais pagas pela respectiva categoria. Não são destinados recursos orçamentários da União, suas despesas, como disse, não são fixadas pela lei orçamentária anual. Há, então, essa natureza sui generis, que, por mais que se encaixe, como fez o Supremo Tribunal Federal, anteriormente, na categoria de autarquia, seria uma autarquia sui generis, o que não é novidade no sistema administrativo brasileiro: as agências reguladoras também foram reconhecidas como autarquias sui generis. Aqui, no caso dos Conselhos profissionais, teríamos uma espécie mais híbrida ainda8."

O STF concluiu: "O caráter sui generis, portanto, híbrido, dessas entidades exige uma cautela no exame de todas as implicações decorrentes da sua caracterização a priori como pessoa jurídica de direito público"9.

Tal conclusão foi reafirmada no RE n. 938.837 (rel. p/ac. ministro Marco Aurélio, DJe 25/9/2017), cujo trecho da ementa diz o seguinte: "EXECUÇÃO – CONSELHOS – ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO – DÉBITOS – DECISÃO JUDICIAL. A execução de débito de Conselho de Fiscalização não se submete ao sistema de precatório”. Nesse caso, foi fixada a Tese do Tema n. 877: “Os pagamentos devidos, em razão de pronunciamento judicial, pelos Conselhos de Fiscalização não se submetem ao regime de precatórios"10.

O fato é que o julgamento virtual da ADC 36, da ADI 5367 e da ADPF 367, pelo pleno do STF, precisa tomar como base o fato de que o modelo brasileiro dos Conselhos Profissionais é inteiramente compatível com a Constituição, pois, primeiramente, é respeitoso ao art. 37, II, que diz: "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração".

Mas isso não os converte numa autarquia a justificar o reconhecimento de seus empregados como servidores públicos. Um dos elementos centrais às autarquias, mas faltante aos Conselhos Profissionais, é a supervisão ministerial. O art. 5º, I, do decreto-lei 200/67 conceitua autarquia11. O parágrafo único do art. 4º diz: "vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade".

Esse controle se dá pelos Ministérios sobre as entidades da Administração Indireta enquadradas na sua área de competência. Segundo o art. 19, "todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados os órgãos mencionados no art. 32, que estão sujeitos à supervisão direta do Presidente da República".

A supervisão ministerial, à luz do decreto-lei 200/67, é feita pelos controles político (art. 26, p. ú, 'a', 'b', 'i'), institucional (art. 26, p. ú, 'c'), administrativo (art. 26, p. ú, 'c', 'h', 'i') e financeiro (art. 26, p. ú, 'c', 'd', 'e', 'f', 'g')12. Mas o secreto-lei 2.299/96, no art. 3º, revogou o parágrafo único do art. 1º do decreto-lei 968/69, que dispunha sobre a vinculação das entidades de fiscalização do exercício das profissões liberais pelo Ministério do Trabalho13.

Há mais distinções14. O regime jurídico estatutário, aplicável aos servidores da Administração direta e autárquica, se caracteriza pela (i) criação de cargos; (ii) fixação de vencimentos por meio de lei (arts. 37, X, 39, 61, §1º, II, ‘a’); (iii) valores dos subsídios dos cargos públicos publicados anualmente (art. 39, § 6º); (iv) prévia dotação orçamentária para a criação de cargos, a concessão de vantagens, o aumento de remuneração e contratação de pessoal e qualquer título; e (v) autorização específica na LDO para a Administração Direta e autárquica (art. 169, § 1º).

O art. 165, §5º da Constituição traz a universalidade do orçamento: "o orçamento deve conter todas as receitas e despesas da União, de qualquer natureza, procedência ou destino, inclusive a dos fundos, dos empréstimos e dos subsídios". O inciso I estabelece que a Lei Orçamentária Anual compreenderá o orçamento fiscal das entidades da administração direta e indireta, inclusive os da seguridade social das autarquias15.

Ocorre que os Conselhos não enviam a proposta do seu orçamento-programa e de sua programação financeira para aprovação de qualquer Ministro16. Também não existe lei criando cargos públicos com denominação própria. As remunerações dos empregados não contam com previsão legal e não existe publicação anual de seus valores. As remunerações não são pagas pelos cofres públicos, pois inexiste qualquer dotação orçamentária no orçamento da União para o custeio da remuneração dos empregados desses Conselhos.

O § 7º do art. 39 da Constituição prevê que lei deverá disciplinar a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com as despesas correntes das autarquias "para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade", o que não se aplica aos Conselhos, já que os seus recursos orçamentários não se vinculam ao orçamento da União, e, além disso, a União não destina verbas para programas aos servidores destes Conselhos, nem para remuneração.

O art. 169, §§1º e 2º, por sua vez, dispõe que a criação de cargos, empregos ou funções públicas, concessão de vantagens, aumento de remuneração e a contratação de pessoal a qualquer título pelos órgãos e entidades da Administração Direta ou Indireta só poderão ser feitas se houver prévia dotação orçamentária suficiente para cobrir os custos e, ainda, "se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e sociedades de economia mista".

Ou seja, é um modelo orçamentariamente sustentável, uma vez que é financiado fora do orçamento, com contribuições parafiscais dos interessados. Não há emendas, não há lei orçamentária, não há verbas parlamentares, não há rubrica no erário. E isso, de forma isonômica, pois permite a variação da contribuição e do salário, à luz das peculiaridades regionais, realizando um dos objetivos fundamentais da República, no art. 3º, III, que é o de reduzir as desigualdades regionais.

Há muitas outras distinções. Segundo o caput do art. 131, cabe à Advocacia-Geral da União, diretamente ou através de órgão vinculado, representar a União, judicial e extrajudicialmente, "cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo"17.

Mas no caso dos Conselhos Profissionais, além de não possuírem órgão jurídico vinculado à AGU, fica sob a responsabilidade deles arcar, com seus próprios recursos, com os custos necessários – materiais e humanos –, para que o seu setor jurídico realize a representação judicial e extrajudicial destas entidades. Os seus departamentos jurídicos não passaram a integrar a Procuradoria-Geral Federal nem foram mantidos como Procuradorias Federais. Também não são beneficiários da isenção do pagamento de custas na Justiça Federal (art. 4º, § ú da lei 9.289/96).

Por fim, segundo o art. 40, aos servidores titulares de cargos das autarquias é assegurado o regime de previdência de caráter contributivo e solidário (RPPS), pela contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, ao passo que aos servidores ocupantes de emprego público aplica-se o RGPS (§13º)18.

Aos titulares de cargos públicos das autarquias é assegurado o regime de previdência de caráter contributivo, garantindo-se o recebimento dos proventos na forma do art. 40, e seus parágrafos. Tanto as contribuições feitas pelos servidores das autarquias, como as despesas com encargos do RPPS para estes servidores, devem integrar o Orçamento da Seguridade Social da União (art. 165, §5º, III).

Mas os Conselhos são excluídos do orçamento de receitas e despesas da União da Seguridade Social, de modo que nas LOA’s não existe previsão para pagamento de aposentadorias e demais benefícios previdenciários para o pessoal das entidades de fiscalização profissional, consoante o RPPS dos entes autárquicos19.

E quanto à irredutibilidade dos vencimentos (art. 37, XV)? E à estabilidade (art. 41)? E às indenizações, gratificações e adicionais previstos na lei 8.112/90?

As distinções são evidentes. Não à toa, o ministro Maurício Corrêa concluiu seu voto numa dada oportunidade de maneira tão contundente:

"Seria o cúmulo do absurdo que pretendesse o Constituinte, ao votar o artigo 39 da Carta Política, o que não fez, ter requerido dizer que tal regime e planos de carreira para "os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas" – porque assim é o que diz literalmente a norma – tivesse intuído também incluir os empregados de Conselhos Profissionais, sob a alcunha de servidores públicos, como beneficiários da infortunada classificação de autarquia especial, que na lei ordinária fez-se dimensionar"20.

É preciso se considerar ainda que os Conselhos Profissionais são potências públicas voltadas à representação de interesses e à defesa de direitos das atividades profissionais, colocando-se muitas vezes em posições antagônicas às medidas de governo adotadas pelo Poder Executivo da União, exatamente em razão da sua autonomia.

A lei de criação desses Conselhos obriga a inscrição e o pagamento de contribuição parafiscal, garantindo a existência de apenas uma por categoria. Há um interesse público a ser perseguido, que é o risco potencial de que o exercício da profissão cause prejuízos à sociedade e ao bom nome da profissão. Recentemente, o Colégio de Presidentes, última instância do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), julgou o processo ético-disciplinar contra a enfermeira ré por homicídio qualificado na morte do enteado Bernardo Boldrini, assassinado em abril de 2014, aos 11 anos. A enfermeira foi cassada por 30 anos.

Há quase duas décadas, foi o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea) que cassou o registro de engenheiro de um ex-deputado, dono da construtora Sersan, impedindo-o de acompanhar obras de engenharia no País. A empresa foi responsável pela construção do edifício Palace II que desabou em fevereiro de 1998, na Barra da Tijuca, Rio, provocando a morte de oito pessoas.

Ele portanto empodera a sociedade civil. Como anotou o ministro Néri da Silveira, em julgamento no pleno do STF, "Todos esses Conselhos, além de exercerem fiscalização, são também órgãos de defesa das atividades profissionais respectivas"21.

Precisam, exatamente por isso, de uma liberdade que reclama que os Conselhos Profissionais não sejam atirados nos braços do Estado. Isso comprometerá o necessário papel por eles desempenhado de potência pública aglutinadora da sociedade civil em temas afetos às respectivas profissões regulamentadas22.

No modelo que soubemos montar, um grupo de colegas se reúne, com celeridade, para, de maneira equidistante, apreciar uma queixa contra um igual, e, de modo civilizado, afastá-lo de suas atividades, em proveito da integridade da profissão, e da proteção da comunidade.

Há muitas outras hipóteses que reafirmam a necessária autonomia desses Conselhos Profissionais. Em 24/4/2019, a ministra Cármen Lúcia determinou a suspensão do trâmite de ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal que buscava sustar os efeitos da resolução 1/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP). A Resolução estabelecia normas de atuação para os psicólogos em relação à questão de orientação sexual e veda a chamada "cura gay"23. Atuou o Conselho Federal de Psicologia.

Essa autonomia existiria caso o Conselho estivesse vinculado a um Ministério do Poder Executivo?

Noutra oportunidade, o Conselho Federal de Medicina, pelo seu presidente, questionou o programa Mais Médicos, do Poder Executivo da União. Isso ocorreu na audiência pública sobre o tema realizada pelo Supremo Tribunal Federal24, em mais uma demonstração de necessária autonomia, que será comprometida a depender do que defina o Supremo Tribunal Federal no julgamento virtual das referidas ADC 36, ADI 5367 e ADPF 367.

Ainda o CFM, ao lado do Conselho Federal de Psicologia, participou da audiência pública no STF sobre a interrupção voluntária da gestação25, levando, ambos, seus aportes ao equacionamento de um tema impregnado de desacordos morais e que exatamente por isso reclama a participação de potências públicas qualificadas na sociedade civil26.

Iniciativas como essas, muitas vezes confrontadoras do próprio Poder Executivo da União, são mais condizentes com a exortação à liberdade emanada do inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal e dos outros incisos voltados à liberdade de associação (XVII, XVIII, XIX, XX e XXI), do que com o inciso XIX do art. 37 que dispõe sobre autarquia.

Não custa recordar que os empregados dos Conselhos Profissionais exercem atividades cotidianas, preparatórias, instrutórias. O poder de polícia é exercido pelos conselheiros, que desfrutam um cargo honorífico.

O modelo combina, acima de tudo, liberdade com responsabilidade, pois é controlável pela lei, pelo Tribunal de Contas da União e pelo Poder Judiciário.

Daí se concluir que a Constituição ampara o §3º do art. 58 da lei 9.649/98, refutando-se a aplicabilidade do regime jurídico único (lei 8.112/90) aos empregados dos Conselhos Profissionais27, que são em verdade regidos pela legislação trabalhista. Conclusão que é a mais harmônica com a Constituição para prevalecer no julgamento virtual que ora ocorre no STF, especialmente nos autos da ADC 36, que cuida especificamente desse ponto.

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1 CF: "Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes".

2 Em 22/9/99, o STF julgou prejudicada a ADI 1717 MC no ponto em que impugnava o mesmo §3º do art. 58 da lei 9.649/98, tendo declarado a inconstitucionalidade do caput e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do art. 58. Derrubou-se previsão que qualificava os Conselhos como de direito privado. O STF entendeu-os como autarquias, sem, contudo, esgotar seus elementos constitutivos. O § 3º não teve sua constitucionalidade analisada. Eis: "EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao §3º do atr. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º, e 8º do mesmo art. 58. (...) 3. Decisão unânime. 6. Desta forma, em relação ao §3º do art. 58 da lei 9.649/98, vê-se que não houve pronunciamento do Supremo Tribunal Federal acerca de sua constitucionalidade, de modo que o inteiro teor do parágrafo 3º do art. 58 mantém-se vigente e incólume". O entendimento adotado na ADI 1717 já havia sido firmado na ADI 641-0 (rel. p. ac. Min. Min. Marco Aurélio, 1991), quando a Corte decidiu não possuírem os conselhos legitimidade para propor ADI.

3 A ADI 5367 ataca (i) o art. 58, § 3º, da Lei 9.649/98; (ii) o art. 31 da lei 8.042/90 (cria os Conselhos Federal e Regionais de Economistas Domésticos), e (iii) o art. 41 da lei 12.378/2010 (regulamenta o exercício da Arquitetura e do Urbanismo, cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil e dá outras providências). São amici o Sindicato dos Empregados em Conselhos e Ordens de Fiscalização Profissional e Entidades Coligadas e Afins do Distrito Federal (SINDECOF), o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e o Conselho Federal de Contabilidade (CFC).

4 A ADPF 367, ajuizada pela PGR, pleiteia a não-recepção, pela CF, do (i) art. 35 da lei 5.766/71; (ii) art. 19 da lei 5.905/73; (iii) art. 20 da lei 6.316/75; (iv) art. 22 da lei 6.530/78; (v) art. 22 da lei 6.583/78; (vi) art. 28 da lei 6.684/79. São amici o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e o COREN/RJ.

5 Redação da EC 19/98.

6 RE 938.837 (rel. p/ac. Min. Marco Aurélio, DJe 25/9/2017), página 32 do acórdão.

7 ADI 3026, Min. Eros Grau, DJ 29/9/2006: "(...) 1. A lei 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos 'servidores' da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria. 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como 'autarquias especiais' para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas 'agências'. 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. (...) 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. (...)".

8 RE 938.837 (rel. p/ac. Min. Marco Aurélio, DJe 25/9/2017), página 33 do acórdão.

9 Eis a ementa da ADI 4697 (Min. Edson Fachin, DJe 30/3/2017): "1. A jurisprudência desta Corte se fixou no sentido de serem os conselhos profissionais autarquias de índole federal. Precedentes: MS 10.272, de relatoria do Ministro Victor Nunes Leal, Tribunal Pleno, DJ 11.07.1963; e MS 22.643, de relatoria do Ministro Moreira Alves, DJ 04.12.1998. 2. Tendo em conta que a fiscalização dos conselhos profissionais envolve o exercício de poder de polícia, de tributar e de punir, estabeleceu-se ser a anuidade cobrada por essas autarquias um tributo, sujeitando-se, por óbvio, ao regime tributário pátrio. Precedente: ADI 1.717, de relatoria do Ministro Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 28.03.2003. 3. O entendimento iterativo do STF é na direção de as anuidades cobradas pelos conselhos profissionais caracterizarem-se como tributos da espécie "contribuições de interesse das categorias profissionais", nos termos do art. 149 da Constituição da República. (...)". Ainda: RE 611.947 (Min. Ricardo Lewandowski, DJe 6/9/2011); AI 791.759 (Min. Gilmar Mendes, DJe 2/8/2011); RE 539.224 (Min. Luiz Fux, 1ª T, 22/5/2012).

10 O mesmo na Rcl 29.178 AgR (Min. Alexandre de Moraes, 29/9/2018, 1ª Turma): "(...) CONSELHO PROFISSIONAL. PEDIDO DE CONVERSÃO DO REGIME CELETISTA PARA O ESTATUTÁRIO. VIOLAÇÃO À ADI 2.652. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO."

11 "Art. 5º. Para os fins desta lei, considera-se: I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada".

12 "Art. 26. No que se refere à Administração Indireta, a supervisão ministerial visará a assegurar, essencialmente: I - A realização dos objetivos fixados nos atos de constituição da entidade. II - A harmonia com a política e a programação do Govêrno no setor de atuação da entidade. III - A eficiência administrativa. IV - A autonomia administrativa, operacional e financeira da entidade. Parágrafo único. A supervisão exercer-se-á mediante adoção das seguintes medidas, além de outras estabelecidas em regulamento: a) indicação ou nomeação pelo Ministro ou, se fôr o caso, eleição dos dirigentes da entidade, conforme sua natureza jurídica; b) designação, pelo Ministro dos representantes do Govêrno Federal nas Assembléias Gerais e órgãos de administração ou contrôle da entidade; c) recebimento sistemático de relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações que permitam ao Ministro acompanhar as atividades da entidade e a execução do orçamento-programa e da programação financeira aprovados pelo Govêrno; d) aprovação anual da proposta de orçamento-programa e da programação financeira da entidade, no caso de autarquia; e) aprovação de contas, relatórios e balanços, diretamente ou através dos representantes ministeriais nas Assembléias e órgãos de administração ou contrôle; f) fixação, em níveis compatíveis com os critérios de operação econômica, das despesas de pessoal e de administração; g) fixação de critérios para gastos de publicidade, divulgação e relações públicas; h) realização de auditoria e avaliação periódica de rendimento e produtividade; i) intervenção, por motivo de interêsse público".

13 Houve a revogação parcial do art. 5º da lei 6.530/78, suprimindo-se, do texto, a expressão "vinculada ao Ministério do Trabalho" (lex posterior derrogat priori – art. 2º, §1º, da Lei de Introdução ao Código Civil).

14 No Parecer/CONJUR/MTE 094/2001, a AGU defendeu a natureza autárquica sui generis desses Conselhos, além da constitucionalidade do §3º do art. 58 da Lei 9.649/98 e a inaplicabilidade do regime jurídico único aos servidores dos conselhos profissionais. RMS 20.976 (Min. Sepúlveda Pertence, DJ 16/2/90): "(...) enquanto se mantenha a autarquia profissional no exercício regular de suas atividades finalísticas, carece o Ministro do Trabalho de competência tutelar, seja para decidir, em grau de recurso hierárquico, posto que impróprio, sobre as decisões concretas da entidade corporativa, seja para dar-lhe instruções normativas sobre como resolver determinada questão jurídica de sua alçada. (...) (...) Vigência do §3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, que atribuiu o regime celetista aos servidores dos conselhos. Violação da Súmula Vinculante nº 10, do Supremo Tribunal Federal pelo acórdão proferido no julgamento do REsp nº 507.536, pelo STJ. Manifestações do Advogado-Geral da União sobre a natureza autárquica sui generis dos conselhos profissionais. (...)".

15 Segundo o art. 108 da lei 4.320/64 (Normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do DF), os orçamentos das autarquias federais se vinculam ao orçamento da União, ficando nele incluídos ou como receita, na hipótese de previsão de saldo positivo no orçamento-programa da autarquia (totais das receitas maior do que os totais das despesas), ou como subvenção econômica, em caso de previsão de saldo negativo (totais das receitas maior do que os totais das despesas). A lei 4.320/64, , estabelece que os orçamentos das autarquias devem ser aprovados por decreto do Executivo, ou pelo Legislativo, caso haja disposição legal nesse sentido.

16 Segundo o art. 19 da lei 5.905/73, os Conselhos Federal e Regional de Enfermagem terão tabela própria de pessoal. Todavia, não se diz que tais tabelas sejam construídas nos moldes do serviço público federal.

17 A LC 73/93 (Lei Orgânica da AGU) estabelece, no art. 2º, § 3º, que "as Procuradoras e Departamentos Jurídicos das autarquias e fundações públicas são órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União". Já a lei 10.480/2002, tendo instituído a Procuradoria-Geral Federal, em seu art. 10 diz lhe competir “a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos, a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial”. O § 2º dispõe: “integram a Procuradoria-Geral Federal as Procuradorias, Departamentos Jurídicos, Consultorias Jurídicas ou Assessorias Jurídicas das autarquias e fundações federais, como órgãos de execução desta, mantidas as suas atuais competências”. O § 3º: “serão mantidos, como Procuradorias Federais especializadas, os órgãos jurídicos de autarquias e fundações de âmbito nacional”.

18 CF: "Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação da EC 41/2003) (…) § 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social. (EC 20/98)".

19 CF: "Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: § 5º - A lei orçamentária anual compreenderá: (...) III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público". Lei 12.919/2013, "Art. 36. O Orçamento da Seguridade Social compreenderá as dotações destinadas a atender às ações de saúde, previdência e assistência social, obedecerá ao disposto no inciso XI do caput do art. 167 e nos arts. 194, 195, 196, 199, 200, 201, 203, 204 e 212, § 4º, da Constituição Federal e contará, entre outros, com recursos provenientes: (...) II - da contribuição para o plano de seguridade social do servidor, que será utilizada para despesas com encargos previdenciários da União;".

20 MS 21.797 (Min. Carlos Velloso, DJ 18/5/2001), página 24 do acórdão.

21 Página 11 do acórdão. ADI 641 MC (rel. p/ac. Min. Marco Aurélio, DJ 12/3/93). Dai a ilegitimidade 'ad causam' do Conselho Federal de Farmácia e de todos os demais que tenham idêntica personalidade jurídica - de direito público.

22 A Constituição traz um subsistema voltado às associações profissionais privadas: (i) "Art. 5º, XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; (ii) Art. 5º, XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; (iii) Art. 5º, XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; (iv) Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...)". São comandos que exortam à liberdade.

23 A decisão liminar, proferida na RCL 31.818, mantém a eficácia plena da Resolução nº 1/99 do CFP.

24 Questionamento da Medida Provisória 621/2013 (Programa Mais Médicos). ADIs 5035 e 5037.

25 ADPF 442: recepção dos arts. 124 e 126 do Código Penal, que instituem a criminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto), pela ordem normativa constitucional vigente.

26 O Conselho Federal de Psicologia participou, como amicus curiae, do julgamento da ADI 4275 (rel. p. ac. Min. Edson Fachin, DJe 7/3/2019), cujo desfecho pode ser resumido pela transcrição do seguinte trecho da ementa: "A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade".

27 A lei 8.112/90 não revogou a norma especial do decreto-lei 968/69.

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Colunista

Saul Tourinho Leal é doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP, tendo ganhado, em 2015, a bolsa de pós-doutorado Vice-Chancellor Fellowship, da Universidade de Pretória, na África do Sul. Foi assessor estrangeiro da Corte Constitucional sul-africana, em 2016, e também da vice-presidência da Suprema Corte de Israel, em 2019. Sua tese de doutorado, "Direito à felicidade", tem sido utilizada pelo STF em casos que reafirmam direitos fundamentais. É advogado em Brasília.