Uma vez mais o pleno do Supremo Tribunal Federal foi chamado a ser o fiador tanto da federação como do futuro da inovação tecnológica no Brasil. Terá que, no desempenho de suas graves competências, traçar destinos nacionais. Nasceu para isso.
Consta da pauta dessa quarta-feira, 18/3, um lote de casos conexos que, à exceção da ADI 46231, tratam da repartição de competências tributárias dos entes federados – Estados e municípios – quanto aos programas de computadores. Basicamente, sobre a possibilidade dos serviços de software, já tributados pelo ISS, de competência dos municípios, também serem tributados pelo ICMS, de competência dos Estados.
Eis um resumo das ações: (i) RE 688.223 (Min. Luiz Fux), TIM Celular x Curitiba. Tema 590: ISS sobre contratos de licenciamento ou de cessão de software desenvolvido para clientes de forma personalizada; (ii) ADI 1945 (Min. Cármen Lúcia), do PMDB. Tema central: inconstitucionalidade do inciso VI do art. 2º e do § 6º do art. 6º, por bitributação e invasão da competência municipal, dado que o Estado fez incidir o ICMS sobre operações com software, ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados, operações já tributadas pelo ISSQN; e (iii) ADI 5659 (Min. Dias Toffoli), da CNS. Tema: inconstitucionalidade do Decreto estadual n° 46.877/2015-MG, e interpretação conforme do art. 5° da Lei n° 6.763/75; do art. 1°, I e II, do Decreto nº 43.080/2002, ambos de Minas Gerais; bem como do art. 2° da LC 87/96, a fim de excluir das hipóteses de incidência do ICMS as operações com software.
A primeira fantasia é a que reputa os softwares uma "mercadoria incorpórea"2 sobre a qual se deve incidir o ICMS. Esse conceito – mercadoria incorpórea -, quando aplicado à tecnologia da informação, desmantela a sua base, que se constitui pela divisão em hardwares e softwares, sendo, aqueles, o produto tangível, palpável, material, a parte física que circula, capaz de mudar de titularidade, ou seja, a mercadoria.
Os softwares, por sua vez, são o oposto. Intangíveis, não palpáveis, imateriais, sem qualquer corpo físico, frutos das ideias, incapazes de circular mudando de titularidade – o que há são licenças ou assinaturas –, não se tratando de mercadoria.
Sobre os hardwares, que são bens, incide o ICMS. Sobre os softwares, que são serviços, o ISS, sabendo-se que a combinação entre as formas contemporâneas de prestação de serviços e a chegada da Quarta Revolução Industrial3 resultam em maneiras cada vez mais criativas e sofisticadas de prestação de serviços.
Essa é a fórmula presente na Constituição, que equilibra o pacto federativo e permite que a inovação distribua seus frutos equitativamente, realizando o comando de desenvolvimento nacional equilibrado, presente tanto no art. 3º, II da Constituição, enquanto um dos objetivos fundamentais da República, como no § 1º do art. 174, que cuida da ordem econômica. Quando as águas sobem, todos os barcos se elevam.
O Direito Empresarial incorporou a dicotomia "bens e serviços", bens constituindo bens materiais e serviços sendo bens imateriais. Essa dicotomia pode ser vista no art. 170, VI, e no art. 173, §1º, da Constituição4, explicitando-se o conceito de serviço (bem imaterial) em oposição ao conceito de bens (materiais), ambos completando-se como resultado exaustivo de atividade empresarial.
O STF, no RE 540.829 (Min. Luiz Fux, DJe 18/11/2014), fixou a Tese 297: "Não incide o ICMS na operação de arrendamento mercantil internacional, salvo na hipótese de antecipação da opção de compra, quando configurada a transferência da titularidade do bem". Enfatizou-se que "a alínea 'a' do inciso IX do § 2º do art. 155 da CF, na redação da EC 33/2001, faz incidir o ICMS na entrada de bem ou mercadoria importados do exterior, somente se de fato houver circulação de mercadoria, caracterizada pela transferência do domínio (compra e venda)"5.
No caso de Minas Gerais, a base de cálculo do ICMS, que antes correspondia ao suporte físico do software (Dec. 43.080/2002), passou a ser o valor total da operação de serviço do software, incluindo o valor do programa, do suporte informático e quaisquer outros valores cobrados do adquirente do software, seja por meio de mídia, seja por meio de transferência eletrônica de dados (download ou streaming)6.
Houve ainda a publicação do Convênio ICMS 181/2015, do CONFAZ (DOU 29/12/2015), autorizando alguns Estados a concederem inconstitucionalmente redução na base de cálculo do ICMS relativo às operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, de forma que a carga corresponda a 5% do valor da operação. Eis os Estados: AC, AL, AP, AM, BA, CE, GO, MA, MS, PR, PB, PE, PI, RJ, RN, RS, SC, SP e TOi.
Acontece que a Constituição limitou aos estados e ao DF o poder de instituir imposto sobre a "circulação de mercadorias" e sobre dois serviços explicitados no art. 155: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e (serviços) de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores".
Também outorgou aos municípios (e ao DF) competência para tributar os "serviços de qualquer natureza", listados em lei complementar (excetuados aqueles dois que haviam sido reservados aos estados, "serviços de transporte" e de "comunicação"): "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; II - transmissão 'Inter vivos', a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - Serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar".
Em 31/7/2003, a LC 116 inseriu o software no âmbito de incidência do ISS:
"Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
1 – Serviços de informática e congêneres.
1.01 – Análise e desenvolvimento de sistemas.
1.02 – Programação.
1.03 – Processamento de dados e congêneres.
1.04 – Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos.
1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
1.06 – Assessoria e consultoria em informática.
1.07 – Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados.
1.08 – Planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas".
A LC 157/2016, ampliou e descrição dos itens 1.03 e 1.04 e incluiu um novo item 1.09, mantendo o ISS sobre os serviços de Tecnologia da Informação:
"Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
1 – Serviços de informática e congêneres.
(...)
1.03 - Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres.
1.04 – Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos, independentemente da arquitetura construtiva da máquina em que o programa será executado, incluindo tablets, smartphones e congêneres.
(...)
1.09 - Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a lei 12.485/2011, sujeita ao ICMS)".
No caso dos softwares, não há lei complementar definindo os contribuintes de ICMS, dispondo sobre substituição tributária, disciplinando o regime de compensação, fixando o estabelecimento responsável e o local e a base de cálculo7.
Exatamente por isso, uma área inteira da economia se estabilizou reconhecendo o seu business como uma prestação de serviço sobre a qual incidia o ISS. Fê-lo por expressa determinação constitucional (art. 156, III) e legal (LC 116/2013).
Apenas para ilustrar, em 2019, a Confederação Nacional da Indústria – CNI, divulgou pesquisa que fez com empresários das indústrias de transformação e extrativa. Foi a Sondagem Especial 73 - Qualidade do Sistema Tributário Brasileiro, feita em parceria com as federações estaduais da indústria, realizada em outubro de 2018, com 2.083 empresas, sendo 838 pequenas, 754 médias e 491 grandes.
Em resposta à pergunta "Qual o tributo que causa a maior impacto negativo sobre a competitividade?", 42% dos entrevistados responderam: o ICMS. Em seu extremo oposto, apenas 1% indicou o ISS.
Essa aversão a tudo o que o ICMS representa nos convida a lembrar que demos à ciência e à tecnologia o destaque de um capítulo na Constituição. A ele, diversos dispositivos foram inseridos pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015, resultando no Capítulo IV, da "Ciência, Tecnologia e Inovação".
Mesmo assim, Ucrânia, Mongólia, Costa Rica, África do Sul, Sérvia, México, Chile, Índia, Colômbia, Uruguai..., dezenas de países são considerados ambientes mais inventivos e amigáveis à inovação do que nós. O Brasil ocupa a 64ª posição no Índice Global de Inovação de 20188. Por qual razão?
Para Daron Acemoglu e James Robinson, a resistência por parte de autoridades locais à inovação decorre do "receio, quase sempre justificado, de que ela desloque o eixo do poder político, transferindo-o dos que dominam hoje para as mãos de novos indivíduos e grupos"9. É uma postura extrativista que se revela pela tributação também.
Nesse que é o século das cidades, no tempo que é o da economia digital, e diante da rara oportunidade de vermos o município conquistando sua autonomia financeira (art. 18 c/c art. 30, III, da Constituição), um conjunto de leis estaduais, estimuladas pelo CONFAZ, subvertem a lógica de reconhecer softwares como serviços.
Acontece que a jurisprudência do STF jamais permitiu a tributação do software pelo ICMS. Sempre foram reconhecidos como serviços, implicando a incidência do ISS.
O que a jurisprudência da Suprema Corte fez foi entender que, no caso dos softwares de prateleira – aqueles não personalizados – as cópias da parte física que hospedava tais programas, como o CD-ROM, serviria de base de cálculo do ICMS.
No RE 176.626 (Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T, DJ 11.12.98), consta: "Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de 'licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador' 'matéria exclusiva da lide', efetivamente não podem os Estados instituir ICMS (...)".
Em seguida, veio o esclarecimento: "dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio".
Apesar da imprecisão da distinção, o fato é que o relator, Min. Sepúlveda Pertence, frisou que "o conceito de mercadoria efetivamente não inclui os bens incorpóreos, como os direitos em geral: mercadoria é bem corpóreo objeto de atos de comércio ou destinado a sê-lo". Segundo o Ministro, "trata-se, pois, de operações que têm como objeto um direito de uso, bem incorpóreo insuscetível de ser incluído no conceito de mercadoria e, consequentemente, de sofrer a incidência do ICMS".
O Min. Pertence realçou: "Os contratos de licenciamento e cessão são ajustes concernentes aos direitos de autor, firmados pelo titular desses direitos – que não é necessariamente, o vendedor do exemplar do programa – e o usuário do software". E arrematou: "Licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador, bem incorpóreo sobre o qual, não se cuidando de mercadoria, efetivamente não pode incidir o ICMS"10.
Hoje, na quase totalidade as operações com software, além da ausência de suporte físico, sequer a titularidade da licença é transferida ao usuário.
Modelos de negócios regidos pelo Direito Civil (e não pelo Direito Comercial), sem que haja transferência de titularidade sequer de cópias do software são as subscrições (assinaturas); os licenciamentos de uso por prazo determinado (mediante pagamento de mensalidades, anuidades, parcelas trienais, etc); e as operações SaaS (Software como Serviço), PaaS (Plataforma como Serviço) e IaaS, (infraestrutura como serviço), quando o contratante terá apenas o direito de usar o software, acessando a plataforma de desenvolvimento ou toda a Infraestrutura, além do próprio software.
Quando o STF definiu a incidência do ISS no leasing financeiro e no lease back (RE 547.245, DJe 5/3/2010), o Min. Cezar Peluso afirmou:
"as dificuldades teóricas opostas pelas teses contrárias [que definem serviço como obrigação de fazer] a todos os votos já proferidos vêm, (...), de um erro (...) não (...) apenas histórico, mas um erro de perspectiva, qual seja o tentar interpretar não apenas a complexidade da economia do mundo atual, mas sobretudo os instrumentos, institutos e figuras jurídicos com que o ordenamento regula tais atividades complexas com a aplicação de concepções adequadas a certa simplicidade do mundo do império romano, em que certo número de contratos típicos apresentavam obrigações explicáveis com base na distinção escolástica entre obrigações de dar, de fazer e de não fazer".
No referido case, o Min. Joaquim Barbosa afastou a classificação das obrigações como critério a definir, numa dada atividade econômica, a incidência ou não do ISS: "[...] a rápida evolução social tem levado à obsolescência de certos conceitos jurídicos arraigados, que não podem permanecer impermeáveis a novas avaliações (ainda que para confirmá-los). Ideias como a divisão das obrigações em 'dar' e 'fazer' desafiam a caracterização de operações nas quais a distinção dos meios de formatação do negócio jurídico cede espaço às funções econômica e social das operações e à postura dos sujeitos envolvidos (e.g., software as service, distribuição de conteúdo de entretenimento por novas tecnologias)".
Logo, as atividades in comercium não se aderem à classificação "dar, fazer e não fazer", ensina Alberto Macedo. Diferentemente das mercadorias, em que o dar fica limitado a uma ação e um objeto específico, tangível; nos serviços, cujas espécies ganham uma variedade cada vez maior, a atividade não se resume a uma única ação, e muito menos a um objeto, contendo diversas ações, as quais, sejam imediatas ou mediatas, ensejam utilidades, pelas quais paga o contratante do serviço11.
No RE 651.70312, definiu-se que serviço é mais do que obrigação de fazer, sendo um bem imaterial usufruído pelo uso, a facilidade, a utilidade, que vêm com as licenças, as cessões de direito. Nesse sentido, eis o item 3 da Lista de Serviços: "3 – Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres".
A verdade é que a autonomia financeira dos municípios é uma ideia cujo tempo chegou. O advento da Indústria 4.0, somada à demanda por cidades inteligentes13 e ao crescimento e consolidação de um robusto setor de serviços fizeram com que o ISS deixasse de ser uma utopia e passasse a significar dinheiro no caixa dos municípios. É a realização da antevisão da Constituição de 1988, no art. 156, III, que assegurou a autonomia financeira às municipalidades, num propósito transformador.
E a Constituição levou às últimas consequências a necessidade de os municípios gozarem de autonomia financeira. Tanto que, segundo o art. 34, V, "b", a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para reorganizar as finanças da unidade da Federação que "deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei".
Não bastasse, um dos princípios constitucionais sensíveis expresso na alínea "c" do inciso VII do art. 34 é o de assegurar a observância da "autonomia municipal".
É um tributo ao passado. Referindo-se ao aumento da receita municipal na Constituição de 1946, o então deputado Aliomar Baleeiro anotou: "A isso se vem chamando a revolução municipal, e, em verdade, essa inovação terá a consequência política de abrandar o domínio que os governadores exerciam ilimitadamente sobre as populações do interior, deles inteiramente dependentes. Enfim, a Constituição foi assinada sobre o papel. Resta, agora, gravá-la em todos os corações e consciências".
Victor Nunes, em seu "Coronelismo, Enxada e Voto", registrou: "Apertados por um lado pelo fisco da Nação, as províncias acabavam por espremer os municípios numa estreitíssima faixa tributária, que mal lhes permitia definhar na indigência".
Mesmo Alcântara Machado, citado por Victor Nunes Leal, alertava: "Que fazem os Estados, premidos pelas circunstâncias? De uma parte, sacam desvairadamente contra o futuro, comprometendo o erário em ruinosas operações de crédito, de outra parte, invadem a esfera tributária, própria dos municípios, estancando as fontes de vida local... Reduzidas à pobreza pela União, os Estados, por seu turno, reduzem à miséria os municípios".
E o triunfo dos municípios chega para somar, jamais para dividir. Não há qualquer razão para temer um esvaziamento da base tributária dos estados com a chegada da economia digital. Temos mais de 50 bilhões de dispositivos físicos conectados à Internet14. A chegada da Internet das Coisas (IoT)15 fará com que tudo tenha potencial de se transformar num hardware. Uma geladeira, um fogão, um carro, um relógio..., todos eles poderão integrar essa vasta economia digital.
E não será apenas a IoT que poderá incrementar com mercadorias a realidade econômica. Klaus Schwab, do Fórum Econômico Mundial, anota: "As impressoras 3D, por exemplo, agora podem produzir quaisquer coisas, desde peças de motor até gêneros alimentícios e células vivas; com o surgimento da internet das coisas, podemos pedir aos nossos assistentes pessoais virtuais que desliguem as luzes da sala ou aumentem o aquecimento; robôs, drones e carros autônomos estão aprendendo a interagir com o mundo de forma cada vez mais natural"16.
A conclusão não poderia ser outra. É inconstitucional a cobrança do ICMS em qualquer operação com software, já que essas atividades são passiveis da cobrança do ISS, pela lista anexa à LC 116/2003, conforme o art. 156, III, da Constituição Federal.
Subscrever o comportamento desleal de alguns estados e do CONFAZ contra os municípios, entes constitucionalmente autorizados a cobrar o imposto devido nessas operações, que é o ISS, será como se, num ato de força, e em violação à Constituição, obrigássemos drones a se moverem como locomotivas a vapor.
Um alinhamento raro de astros permitiu o encontro entre o século das cidades e a Quarta Revolução Industrial. Esse encontro representa as chances do florescimento de um mundo ainda virgem. Macular a Constituição para entregar essa aurora ao crepúsculo do ICMS realizaria a advertência de Raymundo Faoro, que, explicando como agem "os donos do poder", imortalizou seu pensamento com as seguintes palavras: "Em lugar da renovação, o abraço lusitano produziu uma social enormity, segundo a qual velhos quadros e instituições anacrônicas frustram o florescimento do mundo virgem".
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1 ADI 4623 (Min. Cármen Lúcia), da CNI, que questiona o art. 25, § 6º, da Lei 7.098/1998-MT. Cuida de diferenciação de créditos por alíquotas interna e interestadual de ICMS em razão de ser os bens destinados a uso, consumo ou ativo permanente e sobre a utilização de serviço cuja prestação se tenha iniciado em outro Estado e não esteja vinculada a operação ou prestação subsequente. A CNI alega: 1) violação aos arts. 19, III e 152, da CF, eis que o dispositivo atacado cria distinção tributária entre bens em razão de sua procedência; 2) violação ao art. 155, § 2º, I da CF, pois o dispositivo assegura o crédito do montante cobrado nas operações anteriores 'pelo mesmo ou outro Estado ou DF' ao passo que a norma atacada restringe o crédito em função de quem cobrou nas etapas anteriores, causando, assim, cumulatividade; 3) violação ao art. 155, § 2º, XII, c, da CF, que comete à lei complementar a disciplina do regime de compensação do imposto, matéria invadida pela norma estadual atacada, que ainda distingue em função da origem do bem.
2 Na análise da cautelar da ADI 1945, um dos fundamentos apresentados pelo Min. Nelson Jobim foi o de que deve incidir ICMS sobre os serviços de software, pois a Constituição prevê a incidência do imposto sobre energia elétrica. O Min. Ilmar Galvão pontuou: "Mas se não houvesse essa forma, jamais se cobraria ICMS sobre energia elétrica. Porque se diria que não é uma mercadoria que pode ser estocada em armazém etc". O mesmo fez o Min. Marco Aurélio: "Dir-se-á: tem-se a problemática da energia elétrica. Mas, quanto à energia elétrica, o próprio constituinte de 1988 versou a matéria. Tratou de forma específica porque, a rigor, não se poderia cogitar de circulação de mercadorias e de operação de circulação de mercadoria". Por fim, o Min. Moreira Alves: "Aqui há problema de aplicação analógica. Considerar que havia analogia...". De fato, o § 3º do art. 155 dispôs: "À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo [ICMS] e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País".
3 A Primeira Revolução Industrial foi "provocada pela mecanização da fiação e da tecelagem" e "se iniciou na indústria têxtil da Grã-Bretanha em meados do século XVIII". Entre 1870 e 1930, "o rádio, o telefone, a televisão, os eletrodomésticos e a iluminação elétrica mostraram o poder transformador da energia elétrica". Foi a Segunda Revolução Industrial. A partir de 1950, a teoria da informação e a computação digital "passaram por avanços revolucionários". Foi a Terceira. Agora, abriu-se o portal da Indústria 4.0, com a Quarta Revolução Industrial. O retrospecto é de Klaus Schwab, do Fórum Econômico Mundial.
4 "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação"; "Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre".
5 Reiterou que "os conceitos de direito privado não podem ser desnaturados pelo direito tributário, na forma do art. 110 do CTN, à luz da interpretação do art. 146, III, c/c o art. 155, II e § 2º, IX, 'a', da CF".
6 Relativamente a 2016, a dívida de Minas Gerais era dramática: 203% da Receita Corrente Líquida – RCL.
7 Na ADI 28 (Min. Sydney Sanches, DJ 12/11/93), o STF derrubou a Lei 6.352/88, do Estado de São Paulo, que criou o "Adicional de Imposto de Renda" (art. 155, II, CF). Tal tributo não pode ser instituído pelos Estados e DF, sem que, antes, a lei complementar nacional, prevista no caput do art. 146, disponha sobre as matérias de seus incisos e alíneas.
8 Global Innovation Index 2018.
9 Acemoglu, Daron. Robinson, James A. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Tradução Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 189.
10 RE 176.626 (Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T, DJ 11/12/98).
11 Como anota Alberto Macedo, "empresas de locação de automóveis, por exemplo, atuam no comércio, exercendo atividade econômica. Certamente desenvolvem suas marcas, e como o objeto de suas atividades (locação de automóveis) não são produtos, obviamente só podem ser serviços". MACEDO, Alberto. ISS – O conceito econômico de serviços já foi juridicizado há tempos também pelo direito privado. In: XII CNET - Direito Tributário e os Novos Horizontes do Processo. São Paulo: Editora Noeses, 2015, p. 21.
12 No RE 176.626 (DJ 11/12/98), registrou o Min. Sepúlveda Pertence: "As cláusulas desses contratos – voltadas à garantia dos direitos do autor, e não à disciplina das condições do negócio realizado com o exemplar – limitam a liberdade do adquirente da cópia quanto ao uso do programa, estabelecendo, por exemplo, a proibição de uso simultâneo do software em mais de um computador, a proibição de aluguel, de reprodução, de decomposição, de separação dos seus componentes e assim por diante".
13 Cidades inteligentes fazem intenso e qualitativo uso da tecnologia e da inovação na superação de seus problemas, pelo particular e pelo Estado. A internet, com bandas cada vez mais largas, e suas múltiplas possibilidades, atreladas a bilhões de dispositivos inteligentes, são peças centrais na constituição desses laboratórios.
14 André Marcelo Panhan, Leonardo Souza Mendes e Gean Davis Breda lembram que "no ano de 2020 serão cerca de 50 bilhões de dispositivos conectados à Internet e este crescimento será exponencial para as próximas décadas". Construindo cidades inteligentes / André Marcelo Panhan, Leonardo Souza Mendes, Gean Davis Breda. 1ª ed. Curitiba: Appris, 2016, p. 64.
15 Klaus Schwab apresenta a IoT como o "elemento central da infraestrutura da Quarta Revolução Industrial". E explica: "Trata de uma gama de sensores inteligentes conectados que coletam, processam e transformam os dados de acordo com a necessidade; os dados são, então, enviados para outros dispositivos ou indivíduos para atender aos objetivos de um sistema ou usuário". Klaus Schwab, p. 148.
16 Schwab, Klaus, p. 56.