A história da política brasileira tem se dado por cores. Primeiro, os azuis, com Fernando Henrique Cardoso. Então, os vermelhos, com os presidentes Lula e Dilma Roussef. Agora, uma novidade: os verdes.
O deputado Federal Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil. Terá como vice, a partir de 1º de janeiro de 2018, o General Hamilton Mourão.
Ambos prestarão, no ato de posse, esse compromisso: "manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil". A oração consta daquele que há de ser o verdadeiro livro de cabeceira de quem ocupa um posto dessa envergadura: a Constituição.
A redação do juramento é um primor. Antes de tudo, "manter, defender e cumprir a Constituição". Que país pode seguir seu curso sem realizar esse comando? Como pensar no amanhã se não cumprirmos a Constituição? Caso não sejamos capazes disso, que tipo de projeto verdadeiramente unificador conseguiremos implementar?
O Preâmbulo começa arrebatador. E segue. "Promover o bem geral do povo" e "sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil". Uma nação que é governada por uma Constituição que tem um Preâmbulo dotado dessa beleza não tem o que temer. É o que basta para consolidar um sentimento de patriotismo constitucional. Por esse sentimento, mesmo diante de tanta ruína, estamos de pé. Fomos feridos, é verdade. Ganhamos cicatrizes. Mesmo assim, não estamos de joelhos. E o melhor, seguimos juntos, na mesma terra, numa nação que pertence a todos os que nela vivem.
O juramento feito pelo presidente e vice guarda sintonia com a competência comum da União, Estados, do Distrito Federal e dos municípios, para, segundo o art. 23, I, "zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público". Apesar de competir ao Supremo Tribunal Federal, pelo caput do art. 102, a guarda da Constituição, União, Estados, Distrito Federal e Municípios não estão desonerados de "zelar pela guarda da Constituição".
Mas para manter, defender e cumprir a Constituição é preciso, antes de tudo, conhecê-la. Vale repetir: a Constituição deve ser o livro de cabeceira de qualquer presidente do Brasil. Aquela obra onde, a cada consulta, o líder da nação encontra respostas às complexas demandas que lhe chegam diariamente.
Há mais no Preâmbulo. O nosso Estado Democrático é "destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais". Mas quem somos nós? Demônios perversos que amedrontam pessoas? Assassinos esperando à espreita para dar fim em alguém? Zumbis cegos repetidores de mentiras? Ignorantes messiânicos em busca de um líder? Seres amorais que, por ódio político, rasgaram os seus laços? Quem somos nós? À luz da Constituição, nós somos o poder. Nós, o povo.
Além de sermos o povo, somos uma sociedade "fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias". Fraternidade, pluralismo, vedação ao preconceito, harmonia social e solução pacífica das controvérsias. Essa é a porta de entrada da Constituição. Presidente algum pode fechá-la. Se o fizer, nós abriremos, pois temos conosco a chave da própria democracia: o voto.
E quanto à República? Constituída em Estado Democrático de Direito, ela tem como dois de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Dignidade para nos salvar até de nós mesmos. Política plural, porque não é singular; ela é heterogênea, não homogênea; e diversificada, não uniforme (art. 1º, III e V).
Tanto que, segundo o art. 17, é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o "regime democrático", o pluripartidarismo e "os direitos fundamentais da pessoa humana".
A marcha segue. Pelo art. 2º, "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". O comando mostra a possibilidade de, mesmo com total independência, haver harmonia entre as instituições fundamentais da República, que, agindo desembaraçadamente, também zelam pela harmonia intergovernamental, num comportamento institucional que deve ser tanto de checks and balances (controles recíprocos) como de cooperação.
Cabe ao presidente saber quais são os objetivos fundamentais da República. Segundo o inciso IV do art. 3º, um deles é "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Não o bem de uns e o terror de outros. Não o bem de amigos e o mal de inimigos. Não o bem de aliados e a perseguição a opositores. Não o bem de verdes, e o mal de vermelhos, ou vice-e-versa. A Constituição é clara: "o bem de todos".
E quais são os princípios centrais a inspirar as relações internacionais desta mesma República? Destaco três, presentes no art. 4º, II, VI e VII: prevalência dos direitos humanos; defesa da paz; e solução pacífica dos conflitos. O Brasil é da paz. Não há espaço para mergulharmos a nossa gente em sangue e dor. É esse o caminho.
Vem então o art. 5º. Se o Preâmbulo corresponde aos olhos da Constituição, o art. 5º é o coração. Vem dos direitos fundamentais a pulsão daquilo que irriga as nossas veias cidadãs, os vasos sanguíneos de uma verdadeira democracia.
Esse coração, o art. 5º, bate por meio de seus incisos. O III diz: "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante". O torturador é um pária. O XLI: "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. A discriminação é uma deformação bárbara. Já o XLII assevera que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei". Racismo não é piada, não é brincadeira, não é liberdade de expressão, não é franqueza. Racismo é crime inafiançável e imprescritível.
Passar por cima desses incisos é mais do que atropelar a Constituição, é atropelar aquilo que nos faz civilizados. Tudo há de girar em torno de nós, o povo, não de políticos poderosos que, do terceiro andar do Palácio do Planalto, olham a partir de uma visão privilegiada para o horizonte que mais decepciona do que emancipa.
Além de zelar por esses direitos, o presidente deve reforçá-los perante a federação. Segundo o art. 34, a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana. A Constituição está precavida contra almas autoritários. O regime é um só: o democrático. Tudo girando em torno dos direitos da pessoa humana.
Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República, dispor sobre todas as matérias de competência da União (art. 48). Mas há as cláusulas pétreas. E contra essas cláusulas pétreas Presidente algum pode opor emendas britadeiras.
"Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (i) a separação dos Poderes; e (ii) os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, III e IV)”. Toda é qualquer iniciativa que tenda a abolir cláusulas pétreas será inconstitucional “de Deus a Virgílio Távora". Deus consta do Preâmbulo, no começo da Constituição. Virgílio Távora foi a última assinatura, já in memoriam, no texto constitucional. É inconstitucional, portanto, do começo ao fim.
O mais importante é ter na lembrança que deixar de ler o livro e de se portar segundo os seus ensinamentos é considerado, pelo art. 85, crime de responsabilidade.
São crimes de responsabilidade os atos do presidente que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra: II - o livre exercício do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Ou seja, antes de tudo, é fundamental ter em mente que um Presidente da República terá o seu poder muito controlado. Além disso, líder algum pode solapar direitos políticos, individuais e sociais. Todas as leis, e as decisões judiciais, devem ser cumpridas. Recusar esses comandos é incidir em crime de responsabilidade, num país onde, de 1990 para cá, dois presidentes sofreram impeachment.
Como foi dito no começo, a trajetória política brasileira após a Constituição - saltando, claro, o curto governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello -, tem se dado por cores. Os azuis nos deram a economia. Os vermelhos, o social. Os verdes prometem segurança. São pautas constitucionais. Mas saibam, o Brasil que a Constituição quer ver nascer é aquele que se torne uma Nação Arco-Íris, onde os azuis, os vermelhos, os verdes e muitas outras cores possam brilhar juntas, irradiando a sua beleza e servindo de inspiração para muitos outros países.
O presidente eleito Jair Bolsonaro, e o seu vice, Hamilton Mourão, hão de se ver, dia e noite, noite e dia, com esse que, verdadeiramente, deve ser o livro de cabeceira de um líder nacional. E precisam ter em mente, com humildade, que nós, o povo, somos o poder. Ninguém mais. Jamais. Apenas nós.
Também precisam compreender que não nos reduzimos a azuis, vermelhos e verdes. Somos mais. Muito mais. Somos o próprio arco-íris, dotados de todas as cores, ansiosos para, com o fim dessa chuva torrencial das eleições, reluzirmos, juntos, nesse lindo espetáculo da natureza cidadã que é a democracia. Que assim seja.