Conversa Constitucional

Conversa Constitucional nº 14

O colunista apresenta respostas constitucionais à vitória de Trump.

11/11/2016

Opinião: respostas constitucionais à vitória de Trump

Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos. Imediatamente, choveu aulas aos estadunidenses, cá do Brasil e do mundo, sobre como deve ser uma verdadeira democracia. Alegou-se, primeiramente, que os eleitores eram culpados pelo resultado da eleição. Depois, que parte do resultado se deve ao fato de pessoas mais engajadas politicamente terem feito a diferença num cenário de voto facultativo. Duas obviedades. Não bastando, veio a crítica ao suposto eleitorado de Trump. Ele seria formado por pessoas empobrecidas, desempregadas, cidadãs e cidadãos sem esperança, idosos magoados, veteranos queixosos, uma classe trabalhadora angustiada, pessoas que não tiveram condições de persistir nos estudos e por aí vai vai. Pergunta-se: não teria sido, a democracia, feita exatamente para esse grupo? Ou seria, ela, o governo dos intelectuais, dos professores universitários influentes, dos veículos poderosos como o The New York Times, de artistas que vivem em conforto, dos institutos de pesquisas e outros? Quem é, de fato, o povo, senão essa massa que carrega nas costas a certeza de uma vida real e, não raramente, muito dura? O voto em Trump foi, pelo menos em parte, uma nova rebeldia, uma manifestação anti-establishment. Houve um tempo em que rebeldia era contrariar a Igreja. Isso porque, a Igreja, tendo montado suas pautas morais, espalhava seu séquito fiscalizando se o povo estava alinhado. Quem não estava era pecador, libertino, homem de pouca fé, ovelha desgarrada, herege, fariseu, excomungado, pagão, desvirtuado, falso profeta e tudo o mais. Viver era culpa e sacrifício. Apesar de todo o serviço prestado pela Igreja à sociedade, ainda assim, o véu um dia se rasgou. Pessoas precisam respirar, errar, cometer atos falhos. É assim que somos. Hoje, não é mais a Igreja que entra nas casas das pessoas simples impondo pautas morais e fiscalizando comportamentos. São as manipulações ideológicas da luta por direitos. Não os direitos em si, mas a manipulação ideológica feita sobre eles. Aqueles que são indiferentes a isso passam a suportar estigmas graves como os de serem xenófobos, homofóbicos, racistas, fascistas, nazistas, misóginos, opressores, agressores, conservadores, reacionários e tudo o mais. Trivializar adjetivos é uma tragédia pois, agora, canalhas podem passar impunes, já que as palavras não têm mais poder. Se alguém hoje chamar uma criança de herege, ela gargalhará. O mesmo acontecerá no futuro ao se chamar alguém de machista. E isso é horrível, porque há, entre nós, extremo machismo mas, banalizar isso, entendendo que, para ser machista, basta ter nascido homem, é um erro colossal. Além disso, esse autoritarismo moral foi tão longe a ponto de, por exemplo, exigir que anciãos de vilarejos rurais tivessem a mesma compreensão de mundo de jovens urbanos das universidades. Estigmatizou-se inocentes. Como é possível construir uma comunidade coesa assim? Marginalizar pessoas porque vestem suas filhas como princesas, comem carne, sacrificam carreiras pela criação das filhas e filhos, matam insetos, acreditam em Deus, aplaudem policiais ou cantam o Hino Nacional é machucá-las em convicções profundas. É impor o capricho de uns sobre os outros. Isso gera ressentimento. Quem lida com a implementação de direitos precisa ter mais empatia para perceber que somos uma comunidade. O correto é restaurar os laços sociais esgarçados. No Brasil, se a avó ou o avô de muitos de nós entrar numa universidade pública e disser numa assembleia estudantil o que acha de boa parte das pautas da nova geração provavelmente verá jovens urbanos, escolarizados e cosmopolitas defecando, urinando ou cuspindo nela ou nele. Acontece que ninguém se lembrou que essas pessoas têm emoções e que elas votam. Acuadas, elas se unem. União de massas machucadas e urna aberta têm sido o motor das democracias. Trump não foi eleito por um punhado de ordinários radicais. Em democracias, punhados não elegem presidentes. Uma parte considerável do eleitorado dos Estados Unidos encontrou alguém que, em seu narcisismo e estupidez retórica, catalisou toda a mágoa coletiva de parcela considerável do país. A ressaca deixa a lição de que o ciclo de conquista de direitos não pode se converter em uma guerra ideológica. Em guerras, vence o mais forte. Trump, com sua pouca deferência aos melhores escrúpulos, foi mais forte.

Homenagem ao ministro Cezar Peluso

Quarta-feira, dia 9/11, o STF homenageou, numa sessão solene, o ministro Cezar Peluso, aposentado em agosto de 2012. Coube ao ministro Celso de Mello, decano, fazer o discurso. O ministro lembrou que o primeiro voto do ministro Cezar Peluso no STF foi proferido no dia seguinte ao de sua posse, quando julgou o caso Ellwanger (HC 82.424/RS), processo em que a Corte proclamou ser o antissemitismo expressão odiosa de uma prática abominável: a prática do racismo. No voto que proferiu, o ministro Peluso foi enfático ao assinalar que "a discriminação é uma perversão moral, que põe em risco os fundamentos de uma sociedade livre".

Governo de SP apresenta informações sobre ICMS softwares

O governo do Estado de SP juntou informações na ADI 5576 (min. Roberto Barroso), ajuizada pela Confederação Nacional de Serviços, contra leis do Estado que instituem a incidência do ICMS sobre operações com programas de computador. Para a confederação, ao exigir o ICMS sobre as operações com softwares as leis incorrem em bitributação, criando nova hipótese de incidência do imposto, por já estarem arroladas no âmbito de incidência do ISS, conforme a LC 116/2003. Pede-se a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, II, da lei 8.198/1992 e dos decretos 61.522/2015 e 61.791/2016, todos do Estado de SP. Pende de análise, nesse caso, o pedido de ingresso como amicus curiae da Brasscom, Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação.

Esgotamento de instâncias é condição da reclamação para aplicar decisão com repercussão geral

A 2ª Turma do STF, julgando a Rcl 24.686/RJ (min. Teori Zavascki), entendeu que, nos casos em que se busca garantir a aplicação de decisão tomada em recurso extraordinário com repercussão geral, somente é cabível Reclamação ao STF quando esgotados os recursos cabíveis nas instâncias antecedentes. No caso, isso não ocorreu, pois houve interposição de recurso especial eleitoral ao TSE contra o acórdão do TRE/RJ. Para o ministro Teori Zavascki, a expressão "instâncias ordinárias", contida no dispositivo do CPC/2015, deve ser interpretada de forma restritiva, sob pena de fazer com que o Supremo, por meio de Reclamações, assuma a competência de pelo menos três tribunais superiores – STJ, TST, TSE –, para onde devem ser dirigidos recursos contra decisões de tribunais de segundo grau de jurisdição.

Diferencial de alíquota de ICMS à optante pelo Simples Nacional

A FECOMÉRCIO/RS, amicus curiae, apresentou memoriais ao RE 970.821/RS (min. Edson Fachin), de Jefferson Schneider de Barros & Cia Ltda – ME x Estado do RS, cujo tema 517 da repercussão geral trata da "aplicação de diferencial de alíquota de ICMS à empresa optante pelo Simples Nacional". Nesse caso, o relator, ministro Edson Fachin, indeferiu pedido de ingresso de amicus curiae e recusou o agravo por meio do qual se tentava recorrer da referida decisão. Para o ministro, "se trata de competência do relator admitir ou negar ingresso no feito de amicus curiae, assim como a petição referida considera-se recebida como memorial".

Lei de Repatriação e FPE

Um bloco de ações ajuizadas por estados diversos, a maior parte sob a relatoria, por prevenção, da ministra Rosa Weber, pede a destinação de receitas oriundas da Lei de Repatriação (lei 13.254/2016) para os cofres locais. Alega-se que a lei não cumpre o estipulado pela Constituição ao deixar de destinar a multa de 100% do imposto devido sobre os recursos repatriados ao Fundo de Participação dos Estados (FPE). Pelo pedido, a lei inclui nos recursos destinados ao fundo a alíquota de 15% de IR incidente sobre os valores, mas deixa de fora a multa. Isso contrariaria o conceito de "produto da arrecadação", conforme o artigo 159, I, da Constituição, que trata do FPE. Na terça-feira, dia 8/11, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, recebeu um grupo de governadores e representantes de 23 Estados e do Distrito Federal para tratar do assunto. São pelo menos 22 Estados questionando a legislação. As ações são: ACO 2941/DF; ACO 2931; ACO 2935/PB; ACO 2936/DF; e ACO 2943/RJ.

Reconciliação fiscal

A propósito, a presidente Cármen Lúcia participou na manhã da quinta-feira, dia 10/11, de reunião de secretários estaduais de Fazenda na ESAF, em Brasília. Entre os pontos abordados estão a guerra fiscal, a judicialização da saúde, as execuções fiscais e a proposta de súmula vinculante que trata do quórum do Confaz para aprovar benefício fiscal.

Destaque da semana: Protesto de certidões de dívida ativa é constitucional

O Plenário do STF julgou improcedente a ADI 5135, em que a CNI questionou norma que incluiu, no rol dos títulos sujeitos a protesto, as CDAs da União, dos Estados, do DF, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. Por maioria, entendeu-se que a utilização do protesto pela Fazenda para promover a cobrança extrajudicial de CDAs e acelerar a recuperação de créditos tributários é constitucional. O Plenário seguiu o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, fixando a seguinte tese: "O protesto das certidões de dívida ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política".

Tá na pauta: quarta-feira

(i) ADI 2545 (min. Cármen Lúcia), da CONFENEN: "FIES. Obrigação de aplicação do equivalente à contribuição de que trata o art. 22 da lei 8.212/91 na concessão de bolsas de estudo. Imunidade tributária: alcance e exigência de lei complementar. Condições para resgate antecipado de certificados junto ao Tesouro Nacional. Lei 10.260/2001"; (ii) ADI 2905 (min. Eros Grau), da CONSIF: "Competência legislativa. União. Normas para regularização da venda de títulos de capitalização e similares no Estado de MG. Matéria reservada à lei complementar. Lei Estadual 14.507". Colher-se-á o voto de desempate do ministro Gilmar Mendes; (iii) RE 593.068/SC (min. Roberto Barroso): "Servidor público Federal. Leis 9.783/1999 e 10. 887/2004. Saber se exigível contribuição previdenciária incidente sobre adicionais e gratificações temporárias, tais como 'terço de férias', 'serviços extraordinários', 'adicional noturno' e 'adicional de insalubridade'". O caso volta com o voto-vista da ministra Cármen Lúcia; (iv) ADI 4420 (min. Marco Aurélio), do PSOL: "Competência legislativa. União. Carteira de previdência das serventias não oficializadas da Justiça do Estado de SP: extinção. Lei 14.016/2010"; (v) ADI 3077 (min. Cármen Lúcia), da PGR: "Competência legislativa. Poder constituinte estadual derivado. Parecer prévio do Tribunal de Contas competência da Assembleia Legislativa para julgar as contas do Executivo estadual. Ministério Público Estadual. Recondução ao cargo de Procurador-Geral de Justiça. Limite para reinvestidura. Superintendência da polícia civil. Delegado de polícia. Constituição de Sergipe"; (vi) ADI 4070 (min. Cármen Lúcia), da ANAPE: "LC rondoniense 399/2007. Lei que cria e organiza a Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas do Estado. Saber se houve descumprimento do art. 132 da Constituição. Saber se é constitucional a norma que autoriza a Procuradoria do Tribunal de Contas estadual a cobrar judicialmente as multas impostas em decisões definitivas do Tribunal".

Tá na pauta: quinta-feira

(i) RE 786.540/DF (min. Dias Toffoli): "Saber se é possível a aplicação da aposentadoria compulsória ao servidor público ocupante exclusivamente de cargo em comissão. Saber se é possível ao servidor público efetivo, aposentado compulsoriamente, vir a assumir cargos ou funções comissionadas"; (ii) RE 705.423/SE (min. Edson Fachin): "Saber se a concessão de benefícios, incentivos e isenções fiscais relativos ao IR e ao IPI podem ser deduzidos do valor devido aos municípios a título de participação na arrecadação dos referidos tributos"; (iii) ACO 758/SE (min. Marco Aurélio), de Sergipe: "Saber se os descontos do PIN e PROTERRA da base de cálculo do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE caracterizam afronta à Constituição Federal, no seu art. 159". O caso volta com o voto-vista do ministro Gilmar Mendes; (iv) RE 592.891/SP (min. Rosa Weber), da União: "Saber se há direito ao creditamento do IPI na entrada de insumos provenientes da Zona Franca de Manaus adquiridos sob o regime de isenção". O caso volta com o voto-vista do ministro Teori Zavascki; (v) HC 119.775/DF (min. Marco Aurélio): "Extradição. Deferimento. Retirada do extraditando do território nacional. Alegação de descumprimento do prazo. Lei 6.815/1980, art. 86. Saber se existe constrangimento ilegal a ser sanado pela via do habeas corpus"; (vi) RE 553.710/DF (min. Dias Toffoli), da União: "Anistiado político. Pagamento retroativo de prestação mensal legalmente concedida. Alegação de ausência de disponibilidade orçamentária e de violação ao regime de precatórios. Lei 10.559/2002. Saber se é constitucional o pagamento imediato de reparação econômica a anistiados políticos".

Global Constitutionalism

O Bundesrat alemão, equivalente ao nosso Senado da República, requereu ao Tribunal Constitucional Federal que banisse o Partido Democrático Nacional da Alemanha (National Democratic party of Germany - NPD). O argumento é o de que o partido é racista, antissemita e constitui uma ameaça para a ordem democrática alemã. Dia 17/11, próxima quinta-feira, às 10h, será divulgada a decisão pelo Segundo Senado do Tribunal, baseado nos hearings ouvidos entre os dias 1, 2 e 3 de março de 2016, em Karlsruhe. Segundo o art. 21, seção 2, da Lei Fundamental, compete à Corte Constitucional esse tipo de julgamento. A Corte baniu, em 1952, o Socialist Reich Party (SRP) e, em 1956, o Partido Comunista da Alemanha (The Communist Party of Germany, KPD). Uma ação para banir o NPD já havia tramitado entre 2001 e 2003, mas o caso não teve seguimento devido a questões processuais.

Evento

Acontecerá dia 23/11, às 18h30, no Salão Nobre do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o lançamento do livro "Novos Paradigmas do Direito Eleitoral", de autoria do ministro Luiz Fux e do jurista Carlos Eduardo Frazão. A publicação é da editora Fórum.

Obiter dictum

No julgamento sobre a constitucionalidade dos protestos de CDAs, o ministro Luiz Fux pediu para seguir seu raciocínio, que havia sido interrompido pelo ministro Marco Aurélio. Antes que tivesse início uma discussão entre os dois, a presidente, ministra Cármen Lúcia, disse: "O regimento interno fala em 'casos vistos, relatados e discutidos', então nós temos que discutir para decidir. Está certinho". Foi quando o ministro Fux prosseguiu: "Então eu vou pedir para discutir de novo, senhora presidente". Novamente, foi interrompido pelo ministro Marco Aurélio: "Mas Vossa Excelência discute pouco". Respondendo sem dar muita importância, o ministro Fux disse: "É, eu discuto pouco".

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Colunista

Saul Tourinho Leal é doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP, tendo ganhado, em 2015, a bolsa de pós-doutorado Vice-Chancellor Fellowship, da Universidade de Pretória, na África do Sul. Foi assessor estrangeiro da Corte Constitucional sul-africana, em 2016, e também da vice-presidência da Suprema Corte de Israel, em 2019. Sua tese de doutorado, "Direito à felicidade", tem sido utilizada pelo STF em casos que reafirmam direitos fundamentais. É advogado em Brasília.