Opinião: fim das vaquejadas traz falhas teóricas
Por 6 x 5, a Suprema Corte pôs fim às vaquejadas, entendendo que elas, necessariamente, acarretam tratamento cruel aos animais, violando à Constituição Federal. O voto do ministro Luís Roberto Barroso, um dos mais influentes, citou o filósofo australiano Peter Singer, em sua obra "Libertação Animal", de 1975, onde ele desenvolve o raciocínio do filósofo inglês Jeremy Bentham, segundo o qual, o compromisso ético entre os seres não vem da capacidade de raciocinar ou falar, mas de sentir dor. Na versão mais recente da obra, contudo, Singer diz que demandas formuladas na base do "tudo ou nada" na defesa dos animais não conquistaram a maioria em nenhum país. Contrariamente, o número de animais que sofrem continuou crescendo. "Os avanços resultaram do trabalho de pessoas que abriram um caminho entre a mentalidade do 'tudo ou nada' que efetivamente significava 'nada' no que tange aos animais", revelou o filósofo. Outro equívoco foi comparar, em teoria, baratas e camundongos a minorias sociais. O combate à crueldade com os animais não equivale ao movimento contra a escravidão, à luta pelo empoderamento das mulheres, às marchas pelo fim da discriminação a afrodescendentes ou às paradas em defesa da comunidade LGBT. Uma sociedade saudável terá maior empatia às minorias sociais do que a ostras, lesmas, cupins ou minhocas. Ainda bem. Muitos animais devoram nossas casas e plantações. Há os que nos fazem coçar, sangrar, adoecer e até morrer. Sabe-se que vários são vetores de graves doenças. Steve Pinker, cientista de Harvard, alerta que, sem a participação dos animais na ciência, a medicina não avançaria e bilhões de pessoas vivas e ainda não nascidas sofreriam e morreriam. Igualar o ser humano a animais não humanos, ou dar-lhes igual valor moral, não é, necessariamente, um traço civilizatório. No nazismo, a Europa viu as mais enérgicas leis de proteção dos animais. Hitler e sua entourage eram vegetarianos não porque eram bonzinhos, "mas em razão da obsessão com a pureza, pelo desejo pagão de reintegrar-se com a terra e em reação ao antropocentrismo e aos rituais da carne praticados pelo judaísmo", destaca Steve Pinker. Em Roma, Calígula nomeou senador seu cavalo Incitatus e a história o tem como um monstro, não como um humanista. Que miséria seria viver numa sociedade onde, se uma pessoa estiver dirigindo um carro sem freios e tiver de fazer uma escolha trágica, entre passar por cima de uma vara de porcos, ou de uma garotinha, ela deve mirar a garotinha, já que, moralmente, estar-se-ia salvando-se o maior número de vidas de igual valor. Recentemente, a organização "People for the Ethical Treatment of Animals" remeteu um ofício ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se queixando que Sua Excelência teria esmagado um mosquito durante uma entrevista. Num país tropical de mais de 200 milhões de habitantes que lida com dengue, doença de chagas, zika, chikungunya e outros, quantos ofícios seriam necessários? Essas elucubrações mostram que o banimento, pelo STF, das vaquejadas, trouxe falhas de raciocínio. Isso em razão do precipício teórico no qual se atirou. Na virtuosa jornada em defesa dos animais, deve-se diminuir o sofrimento deles, já que isso, em regra, traz um custo reduzido aos seres humanos. É forçoso, ainda, combater barbarismos motivados por prazeres sádicos, que ao contrário de nos elevar, mostra quão primitivos são muitos dos nossos instintos. Ir além disso, contudo, é crer num horizonte mais romântico do que real. É também partir para um "tudo ou nada" que mais atrapalha do que ajuda.
IPI na revenda
Deu-se vista à Procuradoria-Geral da República para que se manifeste sobre o RE 946.648/SC, cujo tema, com repercussão geral, cuida da dupla incidência do IPI na saída do estabelecimento importador de mercadoria para a revenda, no mercado interno, considerada a ausência de novo beneficiamento no campo industrial. O ministro Marco Aurélio, relator, já recebeu, em audiência, interessados formalmente admitidos no feito, a exemplo dos patronos da FIESP.
Presidente Temer lança pacto pela federação
O presidente da República, Michel Temer, dia 5 de outubro, falou na Suprema Corte por ocasião da comemoração do aniversário da promulgação da Constituição Federal de 1988. O presidente deu foco à federação e afirmou que, do jeito que é, ela não é verdadeira. As palavras foram as seguintes: "A nossa vocação centralizadora vem desde o Império, com as capitanias hereditárias. A prática é centralizadora. Foi assim em 1964. Proponho que, ao lado do Poder Judiciário, lancemos um Pacto Federativo assim como ocorreu com o Pacto Republicano, por meio do qual projetos de lei que eram trabalhados no Poder Legislativo". Dirigindo-se à presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, arrematou: "Se Vossa Excelência concordar, talvez pudéssemos formalizar uma federação efetiva e real no nosso país". A ideia não deixa de ser animadora.
Homenagem a Albie Sachs
O juiz aposentado da Corte Constitucional da África do Sul, Albie Sachs, ganhador do prêmio Tang de Defesa do Estado de Direito, recebeu a comenda Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, na qualidade de "Comendador". O decreto presidencial foi publicado no Diário Oficial da União do dia 7 de outubro. É uma demonstração de reconhecimento da nossa comunidade ao esforço empreendido pelo jurista na consolidação de valores fundamentais para a sociedade, tais como a diversidade e a democracia.
Destaque da semana
Teve início, no STF, o julgamento do leading case, com repercussão geral, sobre a imunidade do livro eletrônico. Na sustentação oral da Procuradoria da Fazenda Nacional cometido um pequeno equívoco ao se deixar entender que "e-readers", necessariamente, têm múltiplas funções, tais como acesso à internet, modo bluetooth, transferência de arquivos, alarme, editor de texto, jogos, tradutor, acesso a redes sociais, dentre outros. Segundo a Procuradoria, a imunidade constitucional deve ter interpretação restrita. O ministro Dias Toffoli negou provimento ao RE 330.817/RJ, do Estado do Rio de Janeiro, admitindo a imunidade do livro eletrônico, e, no RE 595.676/RJ, acompanhou o ministro Marco Aurélio, relator, admitindo a imunidade tributária do componente eletrônico. Como o julgamento foi adiado, o ministro não justificou detidamente sua posição. Não se sabe ainda quando esse julgamento será retomado.
Tá na pauta
Próxima quinta-feira, dia 13/10, a pauta do pleno do STF traz vários casos tributários importantes. São eles: (i) RE 912.888/RS (min. Teori Zavascki): Saber se o ICMS incide sobre o valor pago pelo consumidor às concessionárias de telefonia, a título de tarifa de assinatura básica mensal, de forma permanente e contínua, durante toda a vigência do contrato de prestação de serviços; (ii) RE 593.849/MG (min. Edson Fachin): Saber se é constitucional a devolução do ICMS pago adiantadamente no regime de substituição tributária, quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida; (iii) ADI 2675/PE (min. Ricardo Lewandowski): Saber se norma que fixa a restituição do ICMS pago a maior está em conformidade com o art. 150, § 7º, da CF. Sustenta-se que o dispositivo, ao assegurar a restituição do ICMS caso o fato gerador venha a se realizar com valor inferior ao presumido, ofende o referido dispositivo, que estabelece a obrigatoriedade de devolução na hipótese da não realização do fato gerador presumido; (iv) ADI 2.777/ SP (min. Cezar Peluso): Saber se norma que fixa a restituição do ICMS pago a maior está em conformidade com o art. 150, § 7º, da CF. Ainda, saber se a restituição do ICMS pago a maior é benefício que deve ser fixado observando-se os requisitos do art. 155, § 2º, XII, "g", da CF; (v) ADI 5.244/PE (min. Dias Toffoli): saber se os dispositivos impugnados violam a CF, uma vez que concedem benefícios fiscais relativos ao ICMS sem prévia autorização dos demais Estados-membros e do Distrito Federal, mediante celebração de convênio no âmbito do CONFAZ; (vi) ACO 779/RJ (min Dias Toffoli): possibilidade da cobrança de valores correspondentes às compensações financeiras pelas perdas decorrentes da desoneração do ICMS sobre as exportações.
Global constitutionalism
Um Tribunal de Justiça do Zimbábue derrubou a proibição imposta pelo governo contra manifestações populares em desfavor das precárias condições econômicas do país e que, não raramente, terminam culminando em violações a direitos humanos por parte da polícia. A tensão é fruto do colapso sócio-econômico após a implementação de uma reforma agrária racista baseada no ódio, obra do presidente Robert Mugabe, no poder desde 1980. A reação a esta grande divisão social baseada na revanche veio pela via judicial, graças à coragem de ativistas políticos que encontraram na independência do Poder Judiciário a imparcialidade da juíza Priscilla Chigumba, que declarou a inconstitucionalidade da proibição dos protestos populares.
Evento
O professor Marcelo Novelino fará uma participação no Grupo de Estudos Constitucionalismo Fraternal, coordenado pelo ministro Carlos Ayres Britto, no dia 20/10/2016, à partir das 11h30, na sala 3006, localizada no Térreo do bloco 3 do UniCeub em Brasília. Novelino falará sobre "A eficácia obrigatória dos precedentes do STF ante a sistemática do Novo CPC". Imperdível.
Obiter dictum
No julgamento, pelo STF, da ação direta de inconstitucionalidade que culminou com o banimento da vaquejada, a ministra Cármen Lúcia percebeu que o ideal era um pedido de vista, pelo menos para amainar os ânimos do plenário. Persuadindo seus colegas, a hoje presidente da Corte emendou: "Como se trata de vaquejadas, eu acho que nós deveríamos conceder o pedido de vista, porque como disse Chico Buarque: 'o boi ainda dá bode'". O pedido de vista terminou se concretizando.