Constituição na Escola

As penas proibidas e permitidas, no Brasil, à luz da nossa Constituição Federal

As penas proibidas e permitidas, no Brasil, à luz da nossa Constituição Federal.

26/3/2021

No Brasil, é permitida a aplicação da pena de morte? Se sim, em quais hipóteses? E a prisão perpétua que tanto assistimos ser imposta em seriados e filmes norte-americanos? A famosa "pena de prisão" é a única prevista no nosso ordenamento jurídico ou existem outros tipos de pena? Quais seriam elas? A resposta para muitas dessas perguntas está no texto da nossa Constituição Federal ("CF").

Antes de adentarmos nas penas permitidas, ou seja, previstas e autorizadas pelo texto constitucional – regulamentado e complementado pela legislação infraconstitucional –, é importante entendermos quais as penas proibidas, no Brasil.

O artigo 5º, inciso XLVII, da CF prevê que não haverá penas: "a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis".

Aprofundando um pouco mais o quanto exposto acima, percebe-se que a pena de morte, via de regra, é vedada em nosso país, mas não é inexistente. Sim, pois apesar de muito restrita a possibilidade de sua aplicação, se alguém cometer determinados crimes, previstos no Código Penal Miliar ("CPM"), em tempos de guerra declarada, poderá ser punido com a sanção capital. Dentre esses delitos, temos: (i) a traição na qual, por exemplo, o nacional pega em armas contra o Brasil ou Estado aliado (art. 355 do CPM); (ii) a covardia na qual o militar, por temor, em presença do inimigo, provoca a debandada de tropa ou guarnição (art. 364 do CPM); (iii) a deserção do militar na presença do inimigo (art. 392 do CPM); (iv) a prática de genocídio em zona militarmente ocupada (art. 401 do CPM); (v) o crime de roubo em território militarmente ocupado ou em zona de operações militares (art. 405 do CPM), dentre outros.

A execução da pena de morte será feita por fuzilamento, no máximo após sete dias da comunicação do trânsito em julgado da sentença condenatória ao Presidente da República. 

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil não participou de nenhuma guerra declarada, motivo pelo qual a sanção capital, nos termos do texto constitucional atual, jamais foi aplicada – o que leva a população à falaciosa ideia de que a pena de morte no Brasil não existe em hipótese alguma.

No que tange à sanção perpétua, não há dúvida acerca da sua vedação pela CF. Até recentemente, o tempo máximo de pena a ser cumprido no Brasil era de 30 (trinta) anos. Não obstante, com a sanção parcial do chamada “Projeto Anticrime”, apresentado no início do ano de 2019 pelo então Ministro da Justiça Sérgio Moro, houve a alteração do art. 75 do Código Penal ("CP"), passando este a prever o período máximo de 40 (quarenta) anos, para o cumprimento de pena.

A proibição de pena de trabalhos forçados impede que o Brasil regrida aos tempos nefastos da escravidão nos quais diversas pessoas eram obrigadas a trabalhar, para seus donos, sem o recebimento de nenhum salário ou provento. A pena de banimento consiste na "retirada forçada de um nacional de seu país, em virtude da prática de determinado fato no território nacional"1. Em outras palavras: é a expulsão de um nacional de seu país, como forma de punição pela prática de algo errado, como um crime. Isso acontecia com frequência na época da colonização do Brasil por Portugal, pois muitos portugueses, ao praticarem crimes graves na metrópole, eram condenados ao banimento de seu país para a colônia brasileira.

Finalmente, a proibição de penas cruéis impede, por exemplo, que alguém seja condenado à pena de tortura, chibatas, apedrejamento, linchamento, dentre outros meios de execução que impliquem tratamentos desumanos e/ou degradantes ao condenando e que, portanto, violem diretamente a sua dignidade. Lembrando que a preservação da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 1º da CF.   

Analisadas as penas proibidas no Brasil, quais seriam, então, as penas permitidas?

A resposta, uma vez mais, está na CF, com a complementação da legislação penal infraconstitucional. Segundo o art. 5º, inciso XLVI, da CF “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos".

Para ajudar a organizar o texto constitucional nesse ponto, o art. 32 do CP agrupou as penas previstas pela CF em três grupos: (i) privativas de liberdade; (ii) restritivas de direitos; e (iii) multa.

As primeiras, como o próprio nome já diz, implicam restrição à liberdade do condenado e, portanto, são as comumente chamadas de "prisão". Estas são regulamentadas pelos arts. 33/42 do CP, podendo ser de reclusão, detenção ou prisão simples, a depender da gravidade ou do tipo do delito cometido. Além disso, poderão ser cumpridas em três diferentes regimes penitenciários, de acordo, dentre outros fatores, com o quantum da pena imposta: (i) fechado: "execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média"; (ii) semiaberto: "execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar"; e (iii) aberto: "execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado" (art. 33, §1º do CP).

As penas restritivas de direito implicam restrições a outros direitos do condenado diferentes da liberdade. Ou seja, o agente continua com o seu direito de ir e vir assegurado pelo Estado, mas, em reprimenda ao crime cometido, terá outro direito tolhido enquanto perdurar o tempo de execução da pena. O intuito, aqui, é assegurar que condenados a crimes mais leves (com penas mais baixas) e que ostentem condições pessoais favoráveis (não serem reincidentes em crime doloso, culpabilidade, antecedentes, conduta, personalidade, dentre outros fatores favoráveis) não sejam levados ao sistema carcerário. Assim, na sentença condenatória, o juiz, observadas essas condições/requisitos favoráveis, poderá substituir a pena privativa de liberdade por um ou duas restritivas de direitos a serem cumpridas pelo mesmo período inicialmente imposto.

Nas palavras de Fernando Capez, o objetivo da legislação ao prever penas restritivas de direito, alternativamente às penas privativas de liberdade, é atingir as seguintes metas:

"(i) diminuir a superlotação dos presídios e reduzir os custos do sistema penitenciário;

(ii) favorecer a ressocialização do autor do fato, evitando o deletério ambiente do cárcere e a estigmatização dele decorrente;

(iii) reduzir a reincidência, uma vez que a pena privativa de liberdade, dentro todas, é a que detém o maior índice de reincidência; e

(iv) preservar os interesses da vítima"2

As penas restritivas de direito existentes em nosso ordenamento jurídico – algumas delas já citada pela CF, como apontado acima – são: (i) prestação pecuniária que consiste no pagamento de valor do condenado à vítima, como reparação do dano causado; (ii) perda de bens e valores pertencentes ao patrimônio lícito do condenado que serão revertidos ao Fundo Penitenciário Nacional; (iii) limitação de final de semana que significa a obrigação do condenado permanecer, aos sábados e domingos, por 05 (cinco) horas diárias, em casa do albergado, ou em sua própria casa, participando, nesse período, de cursos, palestras ou outras atividades educativas; (iv) prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas; e (v) interdição temporária de direitos que tenham relação de causalidade entre o crime cometido e o réu como, por exemplo, a suspensão da habilitação de dirigir aplicada ao condenado que praticou um delito de trânsito não intencional ou a proibição de frequentar estádio de futebol a membro de torcida organizada condenado pela prática de tumulto durante os jogos (art. 43/48 do CP).

Finalmente, a pena de multa é uma espécie de sanção de cunho pecuniário que poderá ser aplicada cumulativamente com a pena privativa de liberdade ou isoladamente em poucos crimes mais leves previstos em nossa legislação. O valor pago pelo condenado é destinado ao Fundo Penitenciário estatal. E, em caso de não pagamento, o montante transforma-se em dívida ativa contra a Fazenda Pública e poderá ser executado pelo Estado em desfavor do condenado (art. 49/52 do CP).

Isso posto, conclui-se que a CF expressamente determina as penas vedadas, ou seja, que jamais poderão ser aplicadas no Brasil. Ao mesmo tempo, em relação à pena de morte, apesar de trazer proibição a tal sanção capital, prevê uma exceção para a prática de determinados crimes militares em caso de guerra declarada. Por fim, o texto constitucional ainda trata das penas permitidas, a serem aplicadas aos condenados, as quais são regulamentadas pelo CP e divididas em penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa.

Referências

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte geral. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 543.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 332.

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1 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 332.

2 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte geral. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 543.

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Colunista

Felipe Costa Rodrigues Neves é advogado formado pela PUC-SP, Mestre em Direito pela Stanford University, nos Estados Unidos. Felipe e fundador da ONG "Projeto Constituição na Escola", a maior ONG de educação cívica do Brasil, que promove aulas presenciais sobre Direito Constitucional para milhares de alunos da rede pública todo ano. Felipe já foi eleito como uma das pessoas mais influentes pela Forbes 30 Under 30 (2018), escolhido como um dos 11 jovens lideres brasileiros pela Fundação Obama (2017) e nomeado Young Leader of America, pelo Governo dos Estados Unidos (2016). Felipe ainda é o advogado mais jovem a ter recebido o Prêmio Innovare, do Ministério da Justiça (2017)".