Um tema que já toma grande espaço nos noticiários e em qualquer discussão jurídica é a conhecida Reforma Tributária. Falamos aqui do PL 3.887/2020, apresentado ao Congresso Nacional em 22 de julho de 2020, pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, sob o slogan "Quando todos pagam, todos pagam menos".
O Projeto prevê, basicamente, a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) em substituição à contribuição ao PIS e à COFINS, as quais incidem sobre a receita das pessoas jurídicas estabelecidas em território nacional e visam, de forma geral, à proteção/seguridade social do trabalhador.
Nos termos do Projeto, a CBS terá alíquota única de 12% e sua base de cálculo será o valor da receita bruta auferida em cada operação. Esse novo tributo pretende reproduzir o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), conhecido e aplicado em boa parte do mundo, de modo a simplificar o sistema tributário brasileiro para, consequentemente, tornar a economia nacional mais eficiente e competitiva frente ao mercado externo.
Vale lembrar que o PL 3.887/2020 corresponde apenas à primeira parte da Reforma Tributária proposta pelo Poder Executivo, de modo que os próximos passos englobam (i) reformas no Imposto de Renda Pessoa Física e Pessoa Jurídica (IRPF/IRPJ), (ii) simplificação do IPI e, por fim, (iii) alterações legislativas para desoneração da folha de salários.
Ocorre que, as dificuldades – principalmente constitucionais –, para implementação da Reforma, não são poucas.
A primeira delas consiste justamente na definição do alcance do fato gerador da CBS. A Constituição Federal, em seu artigo 195, inciso I, alínea "b", permite que esse tipo de contribuição incida sobre a receita ou o faturamento.
O Projeto, ao estabelecer que o fato gerador da CBS é “o auferimento da receita bruta”, faz referência ao conceito previsto no artigo 12 do decreto-lei 1.598/1977, o qual dispõe que as "receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica estão compreendidas na receita bruta".
Atualmente, no entanto, não existe, na legislação, definição clara e objetiva do que se entende por "atividade ou objeto principal" do contribuinte, o que dá margem a diversas interpretações. Logo, o PL 3.887/2020 tem como primeiro grande desafio definir o fato gerador específico para a CBS, a fim de que este se amolde perfeitamente ao quanto previsto na Constituição Federal.
Outro ponto que merece atenção é o fato de que, de acordo com o Projeto, a CBS incide sobre operações com bens e serviços.
Muitos juristas têm criticado essa previsão, já que a Constituição Federal outorgou aos Estados a competência para tributar a circulação de mercadorias (ICMS) e aos Municípios a competência para tributar a prestação de serviços (ISS). Dessa forma, o debate quanto à potencial invasão da União em searas e matérias constitucionalmente atribuídas aos Estados e Municípios tem colaborado para aumentar as incertezas relacionadas ao potencial de aprovação do Projeto apresentado.
Informalmente, o Governo esclareceu que o fato gerador da CBS se restringe ao auferimento de receita bruta que decorre de operações com bens e serviços. Não obstante, há discussões quanto à possibilidade de ajustes na redação do Projeto, de modo a se evitar alegações quanto à sua inconstitucionalidade no que se refere à invasão de competência tributária.
Para além disso, o Projeto ainda estabelece que as plataformas digitais serão responsáveis pelo recolhimento da CBS incidente sobre a operação realizada por seu intermédio, especificamente nas hipóteses em que a pessoa jurídica vendedora não registre a operação mediante a emissão de documento fiscal eletrônico.
No entanto, de acordo com o artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, o que compreende a responsabilidade tributária.
Portanto, determinar a responsabilidade de plataformas digitais para o recolhimento da CBS, via lei ordinária – tal como proposto no PL 3.887/2020 –, vai em sentido oposto à previsão constitucional.
No atual contexto político, econômico e social brasileiro é evidente que a Reforma Tributária é, de fato, medida urgente, sobretudo porque o sistema tributário brasileiro é considerado extremamente caótico. Por outro lado, não se pode deixar de lado as diretrizes impostas pela Constituição Federal.
Parece-nos, assim, que a CBS ainda será objeto de debates e ajustes, de modo a alinhar sua aplicação às previsões constitucionais e ao ordenamento jurídico brasileiro.
*César Chinaglia é advogado Tributarista do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV-SP. Mestrando em Direito Tributário na FGV-SP.
**Rodrigo Oliveira é advogado tributarista no escritório Lobo de Rizzo Advogados. Graduado em Direito pela PUC/SP. Pós-graduando em Direito Tributário no Instituto de Ensino e Pesquisa - Insper.