Constituição na Escola

A Reforma Tributária e as dificuldades constitucionais para sua implementação

A Reforma Tributária e as dificuldades constitucionais para sua implementação.

25/9/2020

Um tema que já toma grande espaço nos noticiários e em qualquer discussão jurídica é a conhecida Reforma Tributária. Falamos aqui do PL 3.887/2020, apresentado ao Congresso Nacional em 22 de julho de 2020, pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, sob o slogan "Quando todos pagam, todos pagam menos".

O Projeto prevê, basicamente, a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) em substituição à contribuição ao PIS e à COFINS, as quais incidem sobre a receita das pessoas jurídicas estabelecidas em território nacional e visam, de forma geral, à proteção/seguridade social do trabalhador.

Nos termos do Projeto, a CBS terá alíquota única de 12% e sua base de cálculo será o valor da receita bruta auferida em cada operação. Esse novo tributo pretende reproduzir o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), conhecido e aplicado em boa parte do mundo, de modo a simplificar o sistema tributário brasileiro para, consequentemente, tornar a economia nacional mais eficiente e competitiva frente ao mercado externo.

Vale lembrar que o PL 3.887/2020 corresponde apenas à primeira parte da Reforma Tributária proposta pelo Poder Executivo, de modo que os próximos passos englobam (i) reformas no Imposto de Renda Pessoa Física e Pessoa Jurídica (IRPF/IRPJ), (ii) simplificação do IPI e, por fim, (iii) alterações legislativas para desoneração da folha de salários.

Ocorre que, as dificuldades – principalmente constitucionais –, para implementação da Reforma, não são poucas.

A primeira delas consiste justamente na definição do alcance do fato gerador da CBS. A Constituição Federal, em seu artigo 195, inciso I, alínea "b", permite que esse tipo de contribuição incida sobre a receita ou o faturamento.

O Projeto, ao estabelecer que o fato gerador da CBS é “o auferimento da receita bruta”, faz referência ao conceito previsto no artigo 12 do decreto-lei 1.598/1977, o qual dispõe que as "receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica estão compreendidas na receita bruta".

Atualmente, no entanto, não existe, na legislação, definição clara e objetiva do que se entende por "atividade ou objeto principal" do contribuinte, o que dá margem a diversas interpretações. Logo, o PL 3.887/2020 tem como primeiro grande desafio definir o fato gerador específico para a CBS, a fim de que este se amolde perfeitamente ao quanto previsto na Constituição Federal.

Outro ponto que merece atenção é o fato de que, de acordo com o Projeto, a CBS incide sobre operações com bens e serviços.

Muitos juristas têm criticado essa previsão, já que a Constituição Federal outorgou aos Estados a competência para tributar a circulação de mercadorias (ICMS) e aos Municípios a competência para tributar a prestação de serviços (ISS). Dessa forma, o debate quanto à potencial invasão da União em searas e matérias constitucionalmente atribuídas aos Estados e Municípios tem colaborado para aumentar as incertezas relacionadas ao potencial de aprovação do Projeto apresentado.

Informalmente, o Governo esclareceu que o fato gerador da CBS se restringe ao auferimento de receita bruta que decorre de operações com bens e serviços. Não obstante, há discussões quanto à possibilidade de ajustes na redação do Projeto, de modo a se evitar alegações quanto à sua inconstitucionalidade no que se refere à invasão de competência tributária.

Para além disso, o Projeto ainda estabelece que as plataformas digitais serão responsáveis pelo recolhimento da CBS incidente sobre a operação realizada por seu intermédio, especificamente nas hipóteses em que a pessoa jurídica vendedora não registre a operação mediante a emissão de documento fiscal eletrônico.

No entanto, de acordo com o artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, o que compreende a responsabilidade tributária.

Portanto, determinar a responsabilidade de plataformas digitais para o recolhimento da CBS, via lei ordinária – tal como proposto no PL 3.887/2020 –, vai em sentido oposto à previsão constitucional.

No atual contexto político, econômico e social brasileiro é evidente que a Reforma Tributária é, de fato, medida urgente, sobretudo porque o sistema tributário brasileiro é considerado extremamente caótico. Por outro lado, não se pode deixar de lado as diretrizes impostas pela Constituição Federal.

Parece-nos, assim, que a CBS ainda será objeto de debates e ajustes, de modo a alinhar sua aplicação às previsões constitucionais e ao ordenamento jurídico brasileiro.

*César Chinaglia é advogado Tributarista do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV-SP. Mestrando em Direito Tributário na FGV-SP.

**Rodrigo Oliveira é advogado tributarista no escritório Lobo de Rizzo Advogados. Graduado em Direito pela PUC/SP. Pós-graduando em Direito Tributário no Instituto de Ensino e Pesquisa - Insper.

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Colunista

Felipe Costa Rodrigues Neves é advogado formado pela PUC-SP, Mestre em Direito pela Stanford University, nos Estados Unidos. Felipe e fundador da ONG "Projeto Constituição na Escola", a maior ONG de educação cívica do Brasil, que promove aulas presenciais sobre Direito Constitucional para milhares de alunos da rede pública todo ano. Felipe já foi eleito como uma das pessoas mais influentes pela Forbes 30 Under 30 (2018), escolhido como um dos 11 jovens lideres brasileiros pela Fundação Obama (2017) e nomeado Young Leader of America, pelo Governo dos Estados Unidos (2016). Felipe ainda é o advogado mais jovem a ter recebido o Prêmio Innovare, do Ministério da Justiça (2017)".