Texto de autoria de Laura Freitas Ceitlin
Desde o início do ano estamos observando o rápido alastramento do novo coronavírus no mundo, o que, em meados de março, foi classificado pela Organização Mundial da Saúde como pandemia. O surto da Covid-19 atingiu o sistema de saúde e, ao mesmo tempo, a economia de diversos países assolados pelo vírus. No Brasil, não foi diferente.
Temos acompanhado inúmeras notícias a respeito das medidas econômicas emergenciais que vêm sendo tomadas pelo Sistema Financeiro Nacional ("SFN") para conter os efeitos da crise resultantes da pandemia. Várias das manchetes veiculadas na mídia trazem títulos como "CMN e BC elevam em R$ 1,2 tri liquidez no sistema financeiro contra coronavírus"1 e "Conselho Monetário Nacional anuncia medidas para aumentar disponibilidade de crédito"2.
Afinal, o que é o SFN? Como ele está atuando no combate à pandemia da Covid-19?
Por tratar-se de um tema bastante complexo, não é nossa intenção esgotar todos os pontos atinentes ao funcionamento do SFN. No entanto, diante das recentes notícias sobre o assunto, resolvemos dar um passo atrás para entender o que diz o nosso ordenamento jurídico sobre a organização das instituições que compõem este sistema e sua atuação na frente econômica para conter os efeitos da pandemia.
O Título VII da nossa Constituição Federal ("CF") trata dos princípios e diretrizes que norteiam a ordem econômica e financeira do país. Mais especificamente, o artigo 192 dispõe sobre o SFN e determina o seguinte:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
Precisamos, então, recorrer à lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964 (“Lei nº 4595/64”) para compreender a organização do SFN. A referida lei determina que o SFN será composto pelo: (i) Conselho Monetário Nacional; (ii) Banco Central do Brasil; (iii) Banco do Brasil S.A.; (iv) Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico; e (v) demais instituições financeiras públicas e privadas3.
Diante disso, podemos entender, de forma sintética, que o SFN é formado por um conjunto de instituições e entidades responsáveis pela gestão da política monetária nacional, bem como pela regulamentação e fiscalização do mercado financeiro, de capitais e de crédito do país4.
Para esclarecer a atuação de cada órgão, o SFN pode ser dividido em órgãos normativos e órgãos supervisores. Esse "subsistema" de órgãos normativos é responsável pela elaboração das regras a serem observadas para o bom funcionamento do sistema financeiro do país (ou seja, dos mercados monetário, financeiro, de capitais e de crédito, conforme mencionamos acima). É o caso do Conselho Monetário Nacional ("CMN"). As competências e objetivos do CMN são definidos pela lei 4595/64, dos quais destaca-se: (i) zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras; e (ii) disciplinar o crédito e as operações creditícias.
Os órgãos supervisores, por outro lado, atuam para garantir que as regras e diretrizes expedidas pelos órgãos normativos sejam efetivamente observadas pelos cidadãos e pelas instituições integrantes do sistema financeiro. Cita-se aqui o Banco Central do Brasil ("BCB").
Tal como o CMN, o BCB também foi criado com o advento da lei 4595/64. No entanto, como órgão supervisor, cabe ao BCB, dentre outras responsabilidades, cumprir e fazer cumprir os atos normativos expedidos pelo CMN. Esses atos normativos são expedidos pelo CMN como resoluções ou deliberações, os quais, por sua vez, são publicados pelo BCB.
Ainda na estrutura do SFN, os bancos, as cooperativas de crédito e as bolsas de valores são exemplos de instituições operadoras do sistema. Estes agentes lidam diretamente com o público fazendo intermediação financeira, concessão de empréstimos, regulação e fiscalização das transações envolvendo títulos e valores mobiliários, entre outros. Os operadores são fiscalizados pelo BCB, de acordo com as diretrizes do CMN.
Resumidamente, em linha com o artigo 192 da CF, o SFN deve se preocupar com a sustentabilidade e o desenvolvimento de todos os órgãos que o compõem: órgãos normativos, supervisores, operadores e a própria população.
No cenário da crise econômica ocasionada pela expansão da pandemia do coronavírus, os órgãos do SFN estão atuando de forma conjunta, editando medidas que objetivam preservar a economia e conter os índices de inadimplência do país.
A importância de zelar pela liquidez dos mercados advém do fato de que a movimentação de recursos é o que oxigena uma economia. Durante um momento de crise, vivemos um ciclo de retração das atividades econômicas, com a queda do consumo sem que haja, do outro lado, uma redução proporcional de despesas. Esse ciclo gera um aumento de inadimplência, endividamento e, em última instância, a falência de algumas empresas.
Nesse contexto, e retomando a pergunta que fizemos no início deste artigo, uma das medidas anunciadas pelo BCB foi justamente a liberação de R$ 1,2 trilhão na economia. Esta foi uma das formas, dentre outras em um pacote de ações do SFN, de garantir dinheiro suficiente para que as instituições financeiras consigam atender a demanda por crédito da população. Ou seja, com a liberação dos recursos pelo SFN, os bancos teriam liquidez para viabilizar, por exemplo, a renegociação de dívidas, a concessão de empréstimos àqueles que estão sendo afetados pela crise5 e manter a economia brasileira "oxigenada". Assim, o CMN busca, por meio da injeção de recursos, suavizar o ajuste de capital que diversas empresas enfrentam, bem como a organização financeira da população em geral, suprindo a liquidez subtraída pela retração econômica.
__________
1 CMN e BC elevam em R$ 1,2 tri liquidez no sistema financeiro contra coronavírus.
2 Conselho Monetário Nacional anuncia medidas para aumentar disponibilidade de crédito.
3 Algum tempo depois da edição da Lei nº 4.595/64, outras instituições foram criadas, com atribuições específicas para determinados segmentos da economia. É o caso, por exemplo, da Comissão de Valores Mobiliários, criada pela Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.
4 O SFN conta, também, com ramos voltados para o setor de seguros e de previdência.
5 Promover o adequado funcionamento dos mercados e da economia.