Constituição na Escola

Sanção parcial do projeto de lei anticrime e a relação com a Constituição Federal no que tange às mudanças nas penas e no regime de cumprimento das penas no Brasil

Sanção parcial do projeto de lei anticrime e a relação com a Constituição Federal no que tange às mudanças nas penas e no regime de cumprimento das penas no Brasil.

7/2/2020

Texto de autoria de Felipe Costa Rodrigues Neves, Maria Paes Barreto de Araujo e Vitória Souza

A regulamentação das condutas tipificadas como crimes, no Brasil, e suas respectivas sanções fica à cargo da legislação penal. A maioria das questões relacionadas a esse tema estão previstas no Código Penal que determina, por exemplo, as condutas que configuram os crimes de homicídio, roubo, estupro, corrupção, dentre outros. Para cada um desses delitos, o código estabelece a sanção a ser atribuída ao autor e tal sanção pode variar entre um tempo mínimo e máximo, dependendo das peculiaridades do caso concreto. Na seara penal, a sanção é chamada de pena.

Por exemplo: para o crime de homicídio, a pena pode variar entre 06 a 20 anos de reclusão, ou seja, de prisão. Para os crime de (i) roubo, a pena pode variar entre 04 a 10 anos de reclusão; (ii) estupro: 06 a 10 anos de reclusão; (iii) corrupção passiva (aquela praticada pelo funcionário público como no caso de um político que receba propina): 02 a 12 de reclusão.

Dito isso, qual é o máximo de pena que alguém condenado por crimes graves, no Brasil, pode cumprir? 20, 30, 50 anos de prisão? Pode haver condenação à prisão perpétua, ou seja, prisão até o fim da vida do condenado? Pode haver pena de morte?

Para responder a essas questões, precisamos recorrer à nossa Constituição Federal.

Isso porque, o artigo 5º da Carta Magna assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. E, dentro desses tópicos, determina a regra geral para as penas que podem ser aqui impostas a todo e qualquer indivíduo condenado a qualquer tipo de crime.

Nessa linha, o inciso XLVII do supramencionado artigo 5º determina que não pode haver penas:

(a) "de morte, salvo em casos de guerra declarada"

(b) "de caráter perpétuo" – ou seja, ninguém pode ser condenado a prisão até o fim de sua vida;

(c) "de trabalhos forçados" – é por isso que não é possível condenar alguém à escravidão;

(d) "de banimento" – o condenado não pode ser obrigado a deixar o país;

(e) "cruéis" – motivo pelo qual ninguém pode ser condenado à tortura, chibatas, apedrejamento, linchamento, dentre outros meios cruéis.

Em relação especificamente à proibição de pena perpétua, já entendemos que é vedada a previsão legal de prisão do condenado até o fim da vida, mas ainda continua a dúvida: a quantos anos, no máximo, ele pode ser condenado?

Com intuito de regulamentar a previsão constitucional sobre o tema, o artigo 75 do Código Penal originalmente estabeleceu que "o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos". Assim, o tempo máximo de cumprimento de pena, no Brasil, era de 30 (anos).

Em 19/2/2019, porém, o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Fernando Moro, apresentou à Câmara dos Deputados projeto de lei intitulado "Projeto de Lei Anticrime" cujo propósito era estabelecer "medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa". Após tramitação perante o Congresso Nacional, parte do projeto foi aprovada e, em 24/12/2019, sancionada pelo presidente da República, Jair Messias Bolsonaro – o que originou a lei 13.964/2019 que "aperfeiçoa a legislação penal e processual penal".

Dentre as inovações trazidas pela nova lei, temos a alteração do artigo 75 do Código Penal estabelecendo não mais o limite máximo de 30 anos, mas agora de 40 anos para o cumprimento de penas privativas de liberdade impostas a condenados por crimes. Desse modo, com base na parcela aprovada do Projeto Anticrime, atualmente a pena máxima a ser cumprida no Brasil não é perpétua – pois isso é proibido pela Constituição Federal – mas aumentou para 40 anos.

A justificativa apontada para tal mudança é o aumento da expectativa de vida da população brasileira e a necessidade de que a legislação penal, observados os limites impostos pela Constituição Federal, adeque-se a tal realidade.

Importante notar que o cumprimento da pena, no Brasil, se dá em caráter de progressão, de acordo com os artigos 33 do Código Penal e 112 da Lei de Execução Penal. Em outras palavras: ainda que o autor do crime seja condenado ao cumprimento do tempo máximo de pena (40 anos), não deverá cumpri-lo por completo no regime fechado – que significa passar o tempo todo preso, dentro do estabelecimento prisional –, podendo progredir para regimes mais brandos como o (i) semiaberto, no qual pode trabalhar e/ou estudar durante o dia; e (ii) o aberto, no qual pode passar a maior parte do tempo "solto", salva restrições específicas. A regra geral inicial era de progressão para o regime mais brando "quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento". Nas hipóteses de crimes hediondos – considerados os crimes mais graves – a progressão era mais severa e se dava "após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente".

Com a edição da nova lei 13.964/2019, após a sanção de parte do Projeto Anticrime, a execução da pena foi bastante endurecida, pois a progressão de regime com o cumprimento de 1/6 de pena (equivalente a 16%) poderá ocorrer somente nos casos de condenados primários por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. Por exemplo: indivíduo condenado pela primeira vez a um delito de furto. Por outro lado, na hipótese de condenado, pela primeira vez, por crime hediondo que resulte morte da vítima (por exemplo: homicídio consumado, praticado com emprego de fogo ou veneno), a progressão se dará não mais após o cumprimento de 2/5 da pena (40%), mas após o cumprimento de metade (50%). Finalmente, no exemplo anterior, se o condenado não for primário, mas sim reincidente, a progressão que antes se dava com 3/5 (60%), somente ocorrerá após cumprimento de 70% da pena.

Percebe-se, assim, que as vedações impostas pela Constituição Federal foram respeitadas, mas a parcela sancionada do Projeto Anticrime trouxe significativo endurecimento da legislação penal brasileira no que tange às penas a serem impostas a condenados e seu regime de cumprimento.

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Colunista

Felipe Costa Rodrigues Neves é advogado formado pela PUC-SP, Mestre em Direito pela Stanford University, nos Estados Unidos. Felipe e fundador da ONG "Projeto Constituição na Escola", a maior ONG de educação cívica do Brasil, que promove aulas presenciais sobre Direito Constitucional para milhares de alunos da rede pública todo ano. Felipe já foi eleito como uma das pessoas mais influentes pela Forbes 30 Under 30 (2018), escolhido como um dos 11 jovens lideres brasileiros pela Fundação Obama (2017) e nomeado Young Leader of America, pelo Governo dos Estados Unidos (2016). Felipe ainda é o advogado mais jovem a ter recebido o Prêmio Innovare, do Ministério da Justiça (2017)".