Constituição na Escola

Casa: asilo (in) violável do indivíduo? Art. 5º, inciso XI da Constituição Federal e a sua relação com a intervenção Federal

Casa: asilo (in) violável do indivíduo? Art. 5º, inciso XI da Constituição Federal e a sua relação com a intervenção Federal

15/3/2019

Felipe Costa Rodrigues Neves, Isabela Cruz Sanchez e Maria Fernanda Saad

A casa de um indivíduo deve ser respeitada tanto pelos particulares como pelo Estado, nos termos da nossa Constituição Federal ("CF"), a qual, em seu art. 5º, caput, prevê o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O inciso XI de referido artigo traz expressamente que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

Como toda regra, no entanto, essa também comporta exceções. Isso porque, a inviolabilidade da casa do indivíduo poderá ser quebrada em quatro situações: (i) em caso de flagrante delito; (ii) em caso de desastres; (iii) para prestação de socorro às vítimas; e/ou (iv) por determinação judicial, apenas durante o dia, o que remete ao mandado de busca e apreensão, disciplinado no art. 243 do Código de Processo Penal ("CPP").

Considerando que a CF e o ordenamento jurídico como um todo devem zelar pelos direitos individuais de cada um, as exceções devem ser entendidas e interpretadas sempre de forma restritiva, ou seja, aplicáveis a um menor número de situações possível.

Apesar de as exceções previstas nos art. 5º, inciso XI da CF parecerem óbvias, a discussão é bastante recorrente, principalmente sob o enfoque específico da violação do lar do indivíduo por ordem judicial. Para fins de exemplificação, cabe mencionar uma situação polêmica nesse sentido que teve ampla repercussão nas mídias: a recente intervenção Federal no Rio de Janeiro.

Você sabe qual foi o objeto desta medida ou quais foram os direitos básicos do indivíduo supostamente afetados?

A intervenção federal do Rio de Janeiro foi uma medida tomada pelo então Presidente da República Michel Temer, por meio do decreto 9.288 de 16/2/2018, em caráter de urgência, com o objetivo de manter a segurança pública daquela cidade, diminuir os índices da violência e combater o crime organizado, os quais estavam fora do controle do governo estadual e da polícia civil.

A intervenção federal, inclusive, também tem previsão constitucional (art. 34, CF) e permite que haja substituição da autoridade política estadual pela federal nas situações listadas no rol taxativo ali previsto. No caso em tela, a intervenção se deu com intuito de "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública" (inc. III, art. 34, CF c/c art. 1º do decreto 9.288/2018).

Dentre as diversas medidas intervencionistas que foram tomadas pelo governo federal na época, podemos citar a expedição de mandados de busca e apreensão coletivos, genéricos e sem individualização dos alvos ou endereços a serem buscados, o que beneficiaria a eficácia do combate à situação caótica da violência e do crime organizado, mas violaria, em tese, (i) o artigo 5º, inciso XI, CF – diante da expedição de ordens judiciais para a entrada generalizada em toda e qualquer residência privada de determinadas localidades; e (ii) o art. 283, do CPP – que dispõe que o mandado deve "indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador" e "mencionar o motivo e os fins da diligência".

Os instrumentos de mandado coletivo utilizados na intervenção federal no Rio de Janeiro englobavam a procura por bens e suspeitos não apenas em um local certo e conhecido – determinado endereço ou residência de um indivíduo suspeito – mas em uma área maior, uma região, como um bairro e/ou uma favela.

Este motivo levou à resistência de parcela da sociedade, e principalmente da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, sob o argumento de que o CPP é claro ao dispor que a busca e apreensão proposta pela intervenção federal somente seria legítima se específica com relação ao indivíduo, ao objeto, às razões a que se refeririam e à localidade. Por outro lado, defensores desta medida alegaram que, nos termos do Diploma Legal que a autorizou, a intervenção estaria sim limitada – limitação esta à área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, conforme previsão expressa do § 1º, do art. 1º do decreto 9.288/2018, que por sua vez faz referência ao Capítulo III, Título V, da CF (o qual legitima a intervenção da polícia federal como órgão responsável pela ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio).

Portanto, mediante a homologação de quaisquer medidas provisórias, de urgência ou intervencionistas, é imprescindível que a CF – lei maior do nosso ordenamento jurídico – seja sempre observada e respeitada, aplicando-se eventuais exceções ao texto constitucional de forma restritiva. Isso permite que os direitos individuais dos cidadãos possam ser mantidos e protegidos de forma que em harmonia com demais direitos coletivos e atuações políticas do governo. A intervenção Federal – assim como ocorreu no Rio de Janeiro – tem razões legítimas e importantes para a reversão de eventual cenário desfavorável e incontrolável de uma cidade ou Estado; no entanto, não se pode esquecer que a nossa regra constitucional é a inviolabilidade do domicílio, devendo suas exceções serem aplicadas com máxima cautela ao longo das ações intervencionistas.

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Colunista

Felipe Costa Rodrigues Neves é advogado formado pela PUC-SP, Mestre em Direito pela Stanford University, nos Estados Unidos. Felipe e fundador da ONG "Projeto Constituição na Escola", a maior ONG de educação cívica do Brasil, que promove aulas presenciais sobre Direito Constitucional para milhares de alunos da rede pública todo ano. Felipe já foi eleito como uma das pessoas mais influentes pela Forbes 30 Under 30 (2018), escolhido como um dos 11 jovens lideres brasileiros pela Fundação Obama (2017) e nomeado Young Leader of America, pelo Governo dos Estados Unidos (2016). Felipe ainda é o advogado mais jovem a ter recebido o Prêmio Innovare, do Ministério da Justiça (2017)".