Constituição na Escola

O vazamento de imagens privadas e o direito constitucional à privacidade e à intimidade

O vazamento de imagens privadas e o direito constitucional à privacidade e à intimidade.

15/2/2019

Felipe Costa Rodrigues Neves, Isabela Gonçalves Franco e Maria Paes Barreto de Araujo

Na última semana nos deparamos com mais um caso de vazamento de imagens pessoais. Dessa vez, a vítima foi a cantora Luísa Sonza, que teve o seu celular invadido por um hacker e viu expostas na internet fotos íntimas que havia enviado ao seu marido no dia anterior. Diversas celebridades brasileiras e do mundo já se depararam com essa situação, de exposição de sua intimidade, seguida, na maioria das vezes, de chantagem do indivíduo responsável pelo vazamento dos dados privados.

No Brasil, a Constituição Federal prevê em seu artigo 5º, inciso X, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Cabe ressaltar que o artigo 5º da nossa Carta Magna é aquele que versa acerca dos direitos e deveres individuais e coletivos, sendo, portanto, um dos mais importantes do texto constitucional. Ainda, o inciso V desse mesmo artigo assegura aos indivíduos o direito de resposta, proporcional à ofensa causada, além de indenização por dano moral, material ou à imagem.

Dessa forma, percebe-se que a Constituição Federal garante ao cidadão a inviolabilidade de sua vida privada, não podendo esta sofrer qualquer tipo de atentado – seja para o público em geral ou em casos de investigação acerca de acontecimentos da vida particular.

Seguindo essa linha, a jurisprudência da nossa Corte Suprema consolidou-se no sentido de proteger o direito constitucional à privacidade, o qual tutela a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, inclusive em casos em que ocorrem o sopesamento de princípios constitucionais. Ou seja, casos em que um princípio acaba prevalecendo sobre o outro no momento em que o julgador profere a sua decisão. A proteção do direito à intimidade se tornou extremamente necessária após o surgimento das redes sociais e com a ampliação do alcance da internet.

Devemos destacar que o acesso a notícias, imagens e, em especial, a comunicação interpessoal se tornou mais veloz após a consolidação da internet como meio de comunicação. Essa nova realidade acarretou um maior acesso do público em geral às informações alheias disponíveis em meios cibernéticos, especialmente nas redes sociais – acarretando, algumas vezes, no acesso indevido e no vazamento irregular de tais dados por terceiros.

Além do recente caso envolvendo a cantora Luísa Sonza, outro episódio notório sobre o tema foi o vazamento de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, no ano de 2012. Tendo em vista a repercussão e os danos causados à imagem da celebridade, o legislador foi levado a editar a lei 12.737/12 (conhecida como "Lei Carolina Dieckmann") prevendo crimes especificamente informáticos, como, por exemplo, a inclusão do artigo 154-A do Código Penal: "Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa".

Além disso, um novo Diploma Legal (a lei 13.772/18), sancionado há quase dois meses, também trouxe inovações ao tema ao modificar (i) a lei 11.340/06, mais conhecida como a Lei Maria da Penha e (ii) o nosso Código Penal.

No primeiro caso, a redação original do artigo 7º da Lei Maria da Penha já trazia algumas hipóteses de violência doméstica contra mulher, de maneira não taxativa, incluindo-se, aqui, a violência psicológica. Essa é entendida como qualquer conduta que possa causar dano emocional, diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento feminino. Após a edição da lei 13.772/18, o texto legal foi alterado para acrescentar que a "violação da intimidade" também é considerada um meio para degradar ou controlar as ações da mulher. Assim, a violação à intimidade passou a ser considerada uma nova forma de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Por sua vez, na segunda hipótese – alteração do Código Penal – foi criado o artigo 216-B que prevê pena específica de detenção para aqueles que expõem a intimidade sexual das pessoas participantes do ato, realizando qualquer tipo de registro não autorizado: "Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo".

Isto posto, podemos perceber que o nosso ordenamento jurídico vem protegendo cada vez mais o direito constitucional à intimidade, à vida privada e à honra. A influência trazida pelo texto da nossa Constituição Federal sobre o tema – como narrado acima – levou o Poder Legislativo a editar leis que proporcionassem a tutela de bens tão preciosos para o indivíduo. Agora, portanto, cabe ao Poder Judiciário garantir a correta aplicação das normas constitucionais e infralegais diante do caso concreto que estiver posto a julgamento.

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Colunista

Felipe Costa Rodrigues Neves é advogado formado pela PUC-SP, Mestre em Direito pela Stanford University, nos Estados Unidos. Felipe e fundador da ONG "Projeto Constituição na Escola", a maior ONG de educação cívica do Brasil, que promove aulas presenciais sobre Direito Constitucional para milhares de alunos da rede pública todo ano. Felipe já foi eleito como uma das pessoas mais influentes pela Forbes 30 Under 30 (2018), escolhido como um dos 11 jovens lideres brasileiros pela Fundação Obama (2017) e nomeado Young Leader of America, pelo Governo dos Estados Unidos (2016). Felipe ainda é o advogado mais jovem a ter recebido o Prêmio Innovare, do Ministério da Justiça (2017)".