Felipe Costa Rodrigues Neves e Maria Paes Barreto de Araujo
Na última terça-feira, dia 7/8, a Lei Maria da Penha (lei 11.340) completou 12 (doze) anos. Esta lei foi criada em 2006 para trazer ao nosso ordenamento jurídico mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do artigo 226, § 8º, da Constituição Federal.
Visando, então, solidificar ainda mais o resguardo da mulher e tendo em vista uma crescente violência em razão de gênero, em 9/3/2015 foi aprovada a Lei Federal 13.104 que introduziu no nosso Código Penal a figura do feminicídio. A proposta de alteração legislativa foi apresentada pela CPMI da violência doméstica criada "com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência".
Esse termo feminicídio tem sido largamente veiculado na mídia nos últimos dias, tendo em vista o triste episódio ocorrido com Tatiane Spitzner. Após sofrer diversas agressões do marido Luís Felipe Mainvailer, ela aparentemente foi por ele jogada da sacada do apartamento em que o casal residia, no 4º andar de um prédio em Guarapuava/PR – o que resultou no seu falecimento. A morte de Tatiana, como tem sido apontado, seria um exemplo de feminicídio.
Mas afinal, você sabe o que é Feminicídio e qual sua importância?
Feminicídio é uma hipótese de qualificadora do crime de homicídio doloso descrito no artigo 121, §2º, da Código Penal. Esta hipótese se caracteriza quando o homicídio é praticado contra a mulher, por "razões da condição de sexo feminino". Segundo a lei que introduziu esse novo tipo penal, "considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: violência doméstica e familiar" ou "menosprezo ou discriminação à condição de mulher". E os parâmetros conceituais do que é violência doméstica, por sua vez, estão previstos na supracitada Lei Maria da Penha desde 2006.
Basicamente, o feminicídio traz um maior grau de proteção às mulheres, pois prevê uma repressão mais acentuada para aqueles que praticarem violência tamanha que gere a morte de uma mulher, por conta da sua condição de sexo feminino.
No caso do feminicídio, a pena é de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, enquanto a sanção do homicídio simples limita-se à reclusão de 06 (seis) a 20 (vinte) anos.
Além disso, a supracitada pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o delito for praticado: (i) durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (ii) contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; e (iii) na presença de descendente ou de ascendente da vítima (§ 7º, do art. 121, CP).
E, uma vez que a conduta passou a ser classificada como homicídio qualificado, passou também a ser incluída no rol de crimes hediondos, tratados pela Lei 8.072/90. Isso é relevante pois diversas sanções/consequências da prática criminosa – como a progressão de regime para o cumprimento da pena – são muito mais severas quando se trata de delito hediondo.
A Constituição Federal traz como um dos fundamentos na nossa República Federativa do Brasil a dignidade humana, além disso assegura o direito à vida (art. 5º, caput) e a igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I), bem como dedica um capítulo inteiro aos direitos/deveres da família, dentre outros (Capítulo VII, artigos 226 e seguintes).
Assim, vemos que a proteção da mulher, o combate à violência de gênero e doméstica – aprofundada com a introdução do feminicídio em nosso Código Penal – vai ao encontro dos parâmetros constitucionais pregados pela Carta Magna.
Apesar de tudo isso, no entanto, não podemos fechar os olhos para as críticas existentes em relação ao feminicídio. Somente a título exemplificativo: (i) a lei foi aprovada por um Congresso Nacional majoritariamente composto por homens e que, portanto, não apresenta uma representatividade feminina tão acentuada; e (ii) o texto legal apresenta incongruências e imprecisões técnicas, especialmente quando analisado em conjunto com as demais hipóteses legais anteriores existentes para o crime de homicídio – o que acaba gerando menor efetividade à hipótese e insegurança jurídica.
Para finalizar, curioso destacar que no Brasil, a cada dia, 13 (treze) mulheres são assassinadas. Há diversas pesquisas, relatórios e estudos demonstrando que esse comportamento sistêmico não acontece só aqui, mas em diversos outros países. O Brasil apresenta a quinta maior taxa mundial de feminicídio: 4,8 homicídios para cada 100.000 (cem mil) mulheres – de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
Diante de tal realidade chocante, é claro que devemos comemorar o fato de que, com a criação do feminicídio, as discussões sobre a importância da proteção da mulher e do combate à violência de gênero cresceram e atingiram patamares nunca antes vistos. Não obstante, não podemos fechar os olhos para as críticas em relação ao texto legal e nem acreditarmos que essa é a solução final do problema – que ainda tem um longo caminho a ser percorrido.