Constituição na Escola

Você sabe o que é feminicídio e qual sua importância?

Você sabe o que é feminicídio e qual sua importância?

10/8/2018

Felipe Costa Rodrigues Neves e Maria Paes Barreto de Araujo

Na última terça-feira, dia 7/8, a Lei Maria da Penha (lei 11.340) completou 12 (doze) anos. Esta lei foi criada em 2006 para trazer ao nosso ordenamento jurídico mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do artigo 226, § 8º, da Constituição Federal.

Visando, então, solidificar ainda mais o resguardo da mulher e tendo em vista uma crescente violência em razão de gênero, em 9/3/2015 foi aprovada a Lei Federal 13.104 que introduziu no nosso Código Penal a figura do feminicídio. A proposta de alteração legislativa foi apresentada pela CPMI da violência doméstica criada "com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência".

Esse termo feminicídio tem sido largamente veiculado na mídia nos últimos dias, tendo em vista o triste episódio ocorrido com Tatiane Spitzner. Após sofrer diversas agressões do marido Luís Felipe Mainvailer, ela aparentemente foi por ele jogada da sacada do apartamento em que o casal residia, no 4º andar de um prédio em Guarapuava/PR – o que resultou no seu falecimento. A morte de Tatiana, como tem sido apontado, seria um exemplo de feminicídio.

Mas afinal, você sabe o que é Feminicídio e qual sua importância?

Feminicídio é uma hipótese de qualificadora do crime de homicídio doloso descrito no artigo 121, §2º, da Código Penal. Esta hipótese se caracteriza quando o homicídio é praticado contra a mulher, por "razões da condição de sexo feminino". Segundo a lei que introduziu esse novo tipo penal, "considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: violência doméstica e familiar" ou "menosprezo ou discriminação à condição de mulher". E os parâmetros conceituais do que é violência doméstica, por sua vez, estão previstos na supracitada Lei Maria da Penha desde 2006.

Basicamente, o feminicídio traz um maior grau de proteção às mulheres, pois prevê uma repressão mais acentuada para aqueles que praticarem violência tamanha que gere a morte de uma mulher, por conta da sua condição de sexo feminino.

No caso do feminicídio, a pena é de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, enquanto a sanção do homicídio simples limita-se à reclusão de 06 (seis) a 20 (vinte) anos.

Além disso, a supracitada pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o delito for praticado: (i) durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (ii) contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; e (iii) na presença de descendente ou de ascendente da vítima (§ 7º, do art. 121, CP).

E, uma vez que a conduta passou a ser classificada como homicídio qualificado, passou também a ser incluída no rol de crimes hediondos, tratados pela Lei 8.072/90. Isso é relevante pois diversas sanções/consequências da prática criminosa – como a progressão de regime para o cumprimento da pena – são muito mais severas quando se trata de delito hediondo.

A Constituição Federal traz como um dos fundamentos na nossa República Federativa do Brasil a dignidade humana, além disso assegura o direito à vida (art. 5º, caput) e a igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I), bem como dedica um capítulo inteiro aos direitos/deveres da família, dentre outros (Capítulo VII, artigos 226 e seguintes).

Assim, vemos que a proteção da mulher, o combate à violência de gênero e doméstica – aprofundada com a introdução do feminicídio em nosso Código Penal – vai ao encontro dos parâmetros constitucionais pregados pela Carta Magna.

Apesar de tudo isso, no entanto, não podemos fechar os olhos para as críticas existentes em relação ao feminicídio. Somente a título exemplificativo: (i) a lei foi aprovada por um Congresso Nacional majoritariamente composto por homens e que, portanto, não apresenta uma representatividade feminina tão acentuada; e (ii) o texto legal apresenta incongruências e imprecisões técnicas, especialmente quando analisado em conjunto com as demais hipóteses legais anteriores existentes para o crime de homicídio – o que acaba gerando menor efetividade à hipótese e insegurança jurídica.

Para finalizar, curioso destacar que no Brasil, a cada dia, 13 (treze) mulheres são assassinadas. Há diversas pesquisas, relatórios e estudos demonstrando que esse comportamento sistêmico não acontece só aqui, mas em diversos outros países. O Brasil apresenta a quinta maior taxa mundial de feminicídio: 4,8 homicídios para cada 100.000 (cem mil) mulheres – de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

Diante de tal realidade chocante, é claro que devemos comemorar o fato de que, com a criação do feminicídio, as discussões sobre a importância da proteção da mulher e do combate à violência de gênero cresceram e atingiram patamares nunca antes vistos. Não obstante, não podemos fechar os olhos para as críticas em relação ao texto legal e nem acreditarmos que essa é a solução final do problema – que ainda tem um longo caminho a ser percorrido.

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Colunista

Felipe Costa Rodrigues Neves é advogado formado pela PUC-SP, Mestre em Direito pela Stanford University, nos Estados Unidos. Felipe e fundador da ONG "Projeto Constituição na Escola", a maior ONG de educação cívica do Brasil, que promove aulas presenciais sobre Direito Constitucional para milhares de alunos da rede pública todo ano. Felipe já foi eleito como uma das pessoas mais influentes pela Forbes 30 Under 30 (2018), escolhido como um dos 11 jovens lideres brasileiros pela Fundação Obama (2017) e nomeado Young Leader of America, pelo Governo dos Estados Unidos (2016). Felipe ainda é o advogado mais jovem a ter recebido o Prêmio Innovare, do Ministério da Justiça (2017)".