Maria Paes Barreto de Araujo, Mariana Quintanilha e Felipe Costa Rodrigues Neves
Nas últimas semanas o Brasil viveu uma situação diferente. Para muitos brasileiros as circunstâncias eram inéditas e, para grande parte da população, a situação se tornou caótica: Trata-se da greve dos caminhoneiro.
Segundo o documento oficial do chamamento de greve divulgado pela Associação Brasileira de Caminhoneiros ("Abcam"), a principal reinvindicação da classe era a concessão de isenção de tributos incidentes sobre óleo diesel – a fim de tornar o combustível mais barato.
Caminhoneiros espalhados por todo Brasil bloquearam estradas e impediram a passagem de diversos veículos que faziam o transporte das mais diversas mercadorias. O efeito imediato e mais visível foi a escassez de produtos em estabelecimentos comerciais, principalmente postos de gasolina, cuja falta de estoque de combustível foi sentida logo nos primeiros dias de paralização.
O que é, afinal, esse tão aclamado direito de greve e como a questão é tratada pela Constituição Federal de 1988 ("CF")?
O termo greve surgiu na França no final do século XVIII e, originalmente, era utilizado para descrever margens de rios. Nesse período, os franceses que se encontravam desempregados ou insatisfeitos com os seus respectivos trabalhos paralisavam suas atividades e reuniam-se nas "greves" do rio Sena – o que deu origem ao termo.
Atualmente, nos termos do Dicionário Aurélio1, define-se greve como a "Interrupção voluntária e coletiva de atividades ou funções, por parte de trabalhadores ou estudantes, como forma de protesto ou de reivindicação".
Levando o conceito à esfera constitucional, destaca-se que a CF – apelidada de "Constituição Cidadã" por prever uma série de direitos e garantias individuais/políticos, sociais/econômicos/culturais, difusos/coletivos – expressou em seu artigo 9º o direito de greve aos trabalhadores brasileiros2:
"É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender".
Além disso, a Magna Carta também assegurou outros benefícios aos trabalhadores como, por exemplo: (i) diminuição da jornada de trabalho de 48 (quarenta e oito) para 44 (quarenta e quatro) horas semanais; (ii) aumento da licença-maternidade de 90 (noventa) para 120 (cento e vinte) dias; (iii) férias remuneradas com acréscimo de 1/3 (um terço) do salário, dentre outros.
Ademais, a redação do artigo 8º, CF, previu a possibilidade e a liberdade de associação profissional ou sindical, independentemente de autorização do Estado, "ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical". Diante disso, a criação de sindicatos passou a ser constitucionalmente autorizada.
Com base nas garantias constitucionais mencionadas acima e à luz de tudo o que vivenciamos nas últimas semanas com a paralização dos caminhoneiros, surge uma nova questão referente ao direito de greve. Pode este direito, ainda que expressamente previsto na CF, sofrer restrições ou ele deve ser tido como absoluto?
O próprio artigo 9º da CF, ao garantir o direito de greve, regula que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais, bem como as necessidades inadiáveis da população brasileira que deverão ser preservados mesmo nas situações de paralizações – o que é reiterado no artigo 37, VII, CF.
Vê-se, portanto, uma preocupação do constituinte em garantir minimamente o atendimento aos serviços definidos como essenciais – dentre eles: o atendimento médico, coleta de lixo e transporte coletivo – a fim de possibilitar que as necessidades básicas da população sejam atendidas.
Na greve dos caminhoneiros, um exemplo nesse sentido foi a liberação de passagem de ambulâncias ou veículos responsáveis pelo transporte de material hospitalar, nos bloqueios realizados nas estradas brasileiras pelos os grevistas. Não obstante, há quem entenda e alegue que mesmo assim a greve afetou negativamente o funcionamento de hospitais – o que prejudicaria a saúde e, portanto, estaria em desacordo com a CF.
Por sua vez, nos termos do parágrafo segundo do mesmo artigo 9º, §2º "os abusos cometidos [no exercício do direito de greve] sujeitam os responsáveis às penas da lei". A definição do que seriam esses abusos, no entanto, é tarefa difícil, pois o conceito é vago e subjetivo.
Há quem defenda que o abuso ocorre quando a greve ultrapassa os limites normais de cuidado com o patrimônio público ou gera outras formas de desrespeito, entre as quais podem ser citadas a depredação ou sabotagem de instalações e/ou serviços de empresa/entidade empregadora; agressão física praticada contra outros – sejam eles trabalhadores, grevistas ou empregadores.
Também se entende por prática abusiva a continuação da greve após a celebração de acordo entre as partes envolvidas – motivo pelo qual alguns dizem que a atual greve dos caminhoneiros se tornou abusiva, uma vez que acordos referentes ao valor dos combustíveis foram firmados, mas, mesmo assim, os grevistas relutaram em normalizar a situação.
Por sua vez, quem defendia a manutenção da greve e ausência de abusos, argumentava que os caminhoneiros trabalham em condições degradantes, sendo frequentemente expostos a condições adversas de trabalho ao enfrentarem estradas em péssimas condições e sem receber proporcionalmente por isso. Ademais, em contrapartida, têm que pagar cada vez mais pelo transporte de mercadorias e pelo combustível necessário para realizar as atividades.
Como se vê, o tema não é pacífico e diante de situações concretas acaba gerando polêmica. Não obstante, o que se pode afirmar com maior certeza é que (i) de um lado fazer greve é um direito fundamental do trabalhador brasileiro assegurado por nossa CF – não podendo mais ser considerado um ato nocivo ou anti-social; mas (ii) de outro, tal direito não é absoluto, uma vez que mesmo sendo assegurado pelo texto constitucional, há proibição da suspensão total dos serviços essenciais e do uso de meios abusivos quando da sua prática.
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1 Dicionário Aurélio. Acesso em 29/5/2018, às 14h50.
2 O direito de greve se estende aos servidores públicos, nos termos e limites estabelecidos em lei específica (art. 37, VI e VII, CF), mas não aos militares aos quais "são proibidas a sindicalização e a greve" (art. 142, IV, CF).