Constituição na Escola

Os objetivos para o desenvolvimento sustentável e a Constituição Federal de 1988

Os objetivos para o desenvolvimento sustentável e a Constituição Federal de 1988.

4/5/2018

Felipe Costa Rodrigues Neves e Maria Clara Seixas

Em setembro de 2015, os representantes de 193 Estados Membros das Nações Unidas ("ONU"), entre eles o Brasil, se reuniram na sede das ONU em Nova York e decidiram por estabelecer e se comprometer com os Objetivos para o desenvolvimento sustentável global, os famosos ODSs que você já deve ter ouvido falar. Esta Agenda, composta por 17 objetivos e 169 metas, é considerada a mais ambiciosa em termos de diplomacia internacional e já se encontra em vigor, servindo para os governos, iniciativa privada e toda a população daquelas nações.

Em nome dos povos espalhados em diversos países do mundo, os seus representantes estabeleceram uma Agenda com objetivos humanitários considerados essenciais e desdobraram estes em centenas de outras metas. Todas as nações ali presentes, nesta aliança, estão comprometidas no cumprimento e engajamento para alcançarem juntos, globalmente, um desenvolvimento sustentável com foco em três pilares: social, econômico e ambiental.

Dentre os assuntos tratados, o principais são: educação, agricultura, igualdade de gênero, redução das desigualdades, o uso sustentável dos oceanos e ecossistemas, a água, o saneamento, o combate à discriminação, o consumo e produção sustentáveis, energias renováveis, entre outros.

Estes objetivos são uma visão comum para toda a humanidade e uma espécie de contrato social entre os povos e os líderes mundiais. Eles surgiram em razão da crença de que para que se tenha um real desenvolvimento sustentável no mundo, este precisa ser equilibrado e integrado.

Apesar dos ODSs serem ainda uma novidade, este tipo de acordo diplomático e a ideia de um contrato social entre diferentes povos não é nova, diversos pensadores e filósofos já se debruçaram sobre este assunto nos últimos séculos e temos já na prática diversos exemplos deste empenho.

Mas o que seria um contrato social?

De forma geral, seria uma espécie de associação que projeta ou defenda objetivos comuns. Estes objetivos devem refletir a "vontade geral", tendo como objteivo a organização da vida em comunidade.

Desta forma, ao se falar em ODS estamos falando em uma união de esforços, dentre as nações associadas, para o fortalecimento da paz universal, para a concretização de direitos humanos, para a proteção do planeta de uma degradação, para assegurar progresso econômico, entre outras metas.

De forma análoga, a nossa Constituição Federal de 1988 ("CF/88") igualmente parte da concepção de se criar um pacto social no nosso país para regular e disciplinar como a vida em comunidade será regida aqui no Brasil.

É assim que no preâmbulo da nossa CF/88 apresenta-se como objetivo, estabelecido pelo povo brasileiro, que se fez representar pela Assembleia Nacional Constituinte, a instituição do nosso Estado Democrático de Direito e coloca-se como objetivo deste Estado assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a Justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias.

Mas não é apenas neste prisma que os ODSs da ONU e a nossa Constituição se aproximam, os ODSs guardam íntima relação com diversas disposições constitucionais e demonstram o quanto a Constituição Federal de 1988 e as Nações Unidas estão alinhadas em termos de objetivos para o nosso país e para as diversas nações do mundo, respectivamente.

Ao tempo em que o 1º ODS é "Erradicar a pobreza: acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares" e o 10º é "Reduzir as desigualdades: reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles", encontramos no inciso iii, art. 3º da CF/88, como objetivos fundamentais da nossa República, "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".

Na mesma linha em que o 8º ODS é "Trabalho Decente e Crescimento Econômico: promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos", a nossa Constituição Federal estabelece que um dos Fundamentos da República Federativa do Brasil são os "valores sociais do trabalho e da livre iniciativa", art. 1º da CF/88, que não haverá penas de trabalhos forçados, art. 5º da CF/88 e ainda disciplina o Tribunal Superior do Trabalho, que tem como objetivo garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores, art. 111 da CF/88.

E igualmente, de forma similar, enquanto o 5º ODS trata da "Igualdade de gênero: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas", outro objetivo fundamental da nossa República é "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação", um dos Direitos e Garantias Fundamentais é que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações" e um dos Direitos Sociais garantidos pela nossa Constituição é a "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos", Arts. 5º e 7º da CF/88, respectivamente.

Da leitura completa dos ODS se percebe que não apenas estes objetivos apresentados acima, como também muitos outros estão refletivos no nosso texto constitucional e muitos já foram desdobrados por meio de leis ordinárias, decretos e demais instrumentos normativos. O que faria, teoricamente, com que a adesão do Brasil, em muitos aspectos, figurasse apenas como mais um comprometimento do nosso Estado com esses direitos, garantias e objetivos protegidos constitucionalmente, além de um novo compromisso de outras nações em colaborar conosco.

Ocorre que, em termos práticos, sabemos que não é possível parar por aí, é preciso que o que está posto nos textos seja igualmente refletido na prática. Para a consecução desses objetivos, internacionais e constitucionais, são necessários a implementação de políticas públicas, a adoção de ações por parte da iniciativa privada e a mobilização social. É necessário, desta forma, que todos conheçam este pacto social, este contrato que deve refletir a "vontade geral", para que as ações e os esforços reflitam igualmente o engajamento de todos.

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Colunista

Felipe Costa Rodrigues Neves é advogado formado pela PUC-SP, Mestre em Direito pela Stanford University, nos Estados Unidos. Felipe e fundador da ONG "Projeto Constituição na Escola", a maior ONG de educação cívica do Brasil, que promove aulas presenciais sobre Direito Constitucional para milhares de alunos da rede pública todo ano. Felipe já foi eleito como uma das pessoas mais influentes pela Forbes 30 Under 30 (2018), escolhido como um dos 11 jovens lideres brasileiros pela Fundação Obama (2017) e nomeado Young Leader of America, pelo Governo dos Estados Unidos (2016). Felipe ainda é o advogado mais jovem a ter recebido o Prêmio Innovare, do Ministério da Justiça (2017)".