Constituição na Escola

Projeto Constituição na Escola: A história e a necessidade do ensino

Projeto Constituição na Escola: A história e a necessidade do ensino.

23/3/2018

Como primeiro artigo da coluna Constituição na Escola, acredito que seja importante contar um pouco da história do projeto Constituição na Escola e um pouco dos dados que mostram a importância dessa matéria nas escolas púbicas do Brasil.

Eu nunca quis criar um projeto social com abrangência nacional, foi apenas uma pequena iniciativa que teve consequências que eu jamais poderia imaginar.

Em 2014 fiquei sabendo de uma escola pública que não tinha professores suficientes para manter os alunos nas salas de aula e os pais desses alunos ficavam com medo que, por causa disso, seus filhos ficassem nas ruas e se envolvessem com drogas e com a criminalidade.

Sempre digo que, olhando esse cenário, eu tinha duas opções: (i) escrever algo nas redes sociais, afinal é muito comum as pessoas acharem que apenas falar sobre um problema social ajuda a resolvê-lo; (ii) tomar uma iniciativa e fazer algo a respeito. Decidi escolher a segunda opção.

Peguei o telefone, liguei para a escola pública em questão e me ofereci para dar uma aula como voluntário, no horário em que precisassem. A direção da escola aceitou e lá fui eu, decidi dar uma aula sobre como funcionavam as leis do nosso país, focando na nossa Constituição Federal, que serve como base para todas as outras leis e que quase sempre é foco de discussão nos jornais e na TV.

O desconhecimento e o interesse dos alunos nessa primeira aula fizeram com que eu decidisse criar um projeto social, o projeto Constituição na Escola, que iria de escola em escola passando noções básicas sobre a nossa Constituição Federal, política e civilidade, sempre sem qualquer influência ideológica ou de partido político, dando ao aluno a "informação pura" para que ele pudesse desenvolver seu pensamento crítico, seja ela qual for.

De acordo com a pesquisa que fizemos em 2017, consultando mais de 2.000 alunos da rede pública, esse é atual cenário do conhecimento dos alunos sobre a nossa Constituição Federal:

- Apenas 4% dos alunos conhecem mais de 10 artigos da Constituição Federal;

- 83% dos alunos não sabem quantos artigos tem a Constituição Federal;

- 91% dos alunos não sabem o que são cláusulas pétreas;

- mais de 70% dos alunos não sabem o que é uma PEC.

Hoje em dia, mais de que nunca, os direitos e garantias individuais estão em evidência no cenário nacional.

O princípio da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII da nossa Constituição Federal, hoje é uma das grandes discussões jurídicas e aparece em todos noticiários quando falamos da prisão de condenados em 2ª instância, como a do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, por exemplo.

O direito a manifestação, também previsto na Constituição, que tanto foi comentado nos últimos anos, nas manifestações contra e a favor do governo Federal, em favor da investigação da Lava Jato e demais manifestações de sindicatos, professores e movimentos sociais, representou um marco na história do nosso país, tendo em vista a Ditadura Militar que vivíamos.

Finalmente, quando falamos de escolas públicas, não podemos esquecer das inúmeras ocupações que aconteceram em São Paulo, em que escolas foram ocupadas por alunos e membros da comunidade como forma de protesto à PEC do Teto dos Gastos, por exemplo. Não entramos no mérito da causa defendida, mas se os alunos estão se manifestando contra uma PEC, não seria necessário, ao menos, saber o que significa a sigla "PEC"?

Por mais que seja necessário e interessante o tema, o início não foi fácil, a maioria das escolas públicas que eu ligava não me conhecia e era difícil achar horários vagos para que eu pudesse dar minhas aulas. Mas algumas disseram sim e eu decidi tentar, mesmo que fosse só com poucas escolas. Segui dando aula em seis escolas por dois anos, até que em 2016 tudo mudou. Me inscrevi para a premiação "Young Leader of América" do governo dos EUA.

Depois de um processo seletivo extenso e inúmeras entrevistas sobre o projeto e o impacto que poderia ter, fui um dos 250 jovens da América Latina e do Caribe selecionados para viajar para os EUA e receber a premiação. Como parte da premiação, fiquei quatro semanas fazendo um estágio na casa do 4º presidente dos EUA, James Madison Jr., que escreveu a Constituição americana em 1788 e que hoje funciona com um centro de ensino de Direito Constitucional que capacita professores para que eles possam dar aulas sobre a Constituição americana aos seus alunos. Depois fui para Washington receber o prêmio das autoridades do Departamento de Estado dos EUA e voltei ao Brasil.

De volta ao Brasil decidi aumentar o projeto, recrutei novos voluntários e aumentei nosso alcance para mais escolas. Além disso, criamos a 1ª Olimpíada Constitucional do Brasil, que seria uma competição entre os jovens da rede pública, com perguntas e respostas sobre a Constituição Federal, política e civilidade, premiando os participantes com laptops e bolsas de estudos para cursos pré-vestibular. Assim, alinhamos o ensino da Constituição Federal com prêmios e oportunidades de estudo aos alunos, fazendo-os entender que a educação pode, sim, ser uma válvula de escape para mudar a realidade em que vivem. A repercussão na mídia foi grande, então decidimos aumentar ainda mais nosso alcance.

Hoje contamos com mais de 60 advogados voluntários e promovemos aulas presenciais para mais de 25.000 alunos de mais de 100 escolas públicas em três Estados brasileiros e crescemos a cada semestre. Utilizamos uma metodologia própria que desenvolvemos com professores da PUC/SP e que foi consolidada após quatro anos de experiências dentro das salas de aula, que estimula o ensino e a participação dos alunos, o que aumenta a atenção e a absorção do conteúdo ensinado nas aulas.

Além disso, focamos em ensinar a importância do exercício do voto: na época da Ditadura Militar jovens lutavam pelo direito do voto, hoje apenas cerca de 10% dos jovens das escolas públicas que visitamos têm título de eleitor.

Os reconhecimentos que tivemos do Ministério da Justiça e do próprio ex-presidente Barack Obama são resultado da necessidade do ensinamento da Constituição Federal nas escolas públicas, alinhada a uma metodologia de ensino inovadora, que tem como único objetivo passar a informação correta e imparcial aos alunos para que eles possam entender seu papel na sociedade e se tornarem cidadãos conscientes que vão contribuir o desenvolvimento do Brasil.

A coluna Constituição na Escola terá como principal objetivo tratar de temas atuais que estão diretamente relacionados com a Constituição Federal brasileira. Utilizando uma linguagem simples e objetiva, trataremos de questões do nosso texto constitucional que tenham impacto tanto no cenário político nacional como em questões que vivenciamos no nosso dia a dia.

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Colunista

Felipe Costa Rodrigues Neves é advogado formado pela PUC-SP, Mestre em Direito pela Stanford University, nos Estados Unidos. Felipe e fundador da ONG "Projeto Constituição na Escola", a maior ONG de educação cívica do Brasil, que promove aulas presenciais sobre Direito Constitucional para milhares de alunos da rede pública todo ano. Felipe já foi eleito como uma das pessoas mais influentes pela Forbes 30 Under 30 (2018), escolhido como um dos 11 jovens lideres brasileiros pela Fundação Obama (2017) e nomeado Young Leader of America, pelo Governo dos Estados Unidos (2016). Felipe ainda é o advogado mais jovem a ter recebido o Prêmio Innovare, do Ministério da Justiça (2017)".