O Código Civil vigente impõe o casamento sob o regime da separação obrigatória de bens às pessoas com mais de 70 anos (art. 1641). Constava da redação original desse artigo do CC/2002 a idade de 60 anos. A modificação para 70 anos adveio da lei 12.344, de 9/12/2010. À época, a autora do PL correspondente, deputada Federal Solange Amaral, apenas justificou a alteração com o aumento da expectativa de vida do brasileiro.
O Código Civil revogado, de 1916, por sua vez, imprimia a mesma restrição aos homens com mais de 60 e às mulheres com mais de 50. Clóvis Beviláqua justificou a regra partindo da premissa segundo a qual pessoas mais velhas podem ser vítimas de casamentos interesseiros.
O regime da separação de bens importa na incomunicabilidade dos bens que cada um possuía ao se casar e também dos bens que se adquirem na constância do casamento. Há, portanto, dois patrimônios distintos: o do marido e o da mulher. Não só o ativo de cada um é separado, como também o passivo (dívidas).
O regime da separação de bens não significa que cada consorte deva contribuir em igual quantia para as despesas do casal. Tal contribuição deve ser feita proporcionalmente, considerando-se os rendimentos de cada um, incluindo-se aqueles provenientes do trabalho e também os que decorrem dos bens particulares.
A presunção de desorganização mental das pessoas com mais de 70 anos é absolutamente descabida. É preconceituosa. A associação da velhice à debilidade intelectual é equivocada e não pode ser presumida de forma absoluta, como prescreve a lei. Ninguém se torna incapaz exclusivamente por causa da idade avançada. Casamentos por interesses patrimoniais podem existir em todas as idades. Deslumbramentos e paixões descontroladas podem atingir a todos. Porém, a vulnerabilidade emocional decorre muito mais do temperamento, da personalidade e da história de vida da pessoa do que propriamente da idade. Por isso, o Código Civil precisa ser modificado quanto a esse aspecto.
Alguns civilistas sustentam até mesmo a inconstitucionalidade do dispositivo porque a Constituição Federal não admite discriminação por causa da idade. Se por um lado não é pacífica a afirmação de desrespeito ao princípio da isonomia, por outro lado, parece não ser possível negar que a norma flagrantemente fere os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade. Principalmente por não admitir sequer pacto antenupcial prevendo outro regime de bens, tampouco alteração do regime após o casamento, ainda que justificado.
Além disso tudo, o regime da separação obrigatória não impede o casamento por interesse, ou o chamado "golpe do baú". A presumível vítima poder gerar uma série de outros benefícios a seu cônjuge, inclusive o de contemplá-lo em testamento com o disponível.
Outra injustiça que decorre da referida norma é facilmente detectada quando ambos os nubentes têm mais de 70 anos. A situação etária de ambos nessa situação é a mesma e não se pode presumir necessariamente o interesse de um no patrimônio do outro. Por que então lhes impor o regime da separação obrigatória? Não seria mais justo o regime legal da comunhão parcial?
Se o mais velho for mais pobre (ou menos rico) que o mais novo, a injustiça é ainda mais evidente. O mais velho deixa de ter direito aos bens adquiridos onerosamente pelo mais novo, presumivelmente situado em faixa de idade mais produtiva, prejudicando-o em momentos mais difíceis.
Há pessoas idosas que realmente não têm discernimento. Para isso existe a interdição. A senilidade não pode ser presumida, principalmente sem admitir prova em sentido contrário.
O Estatuto do Idoso, no art. 2º, prescreve que o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Assim, tratá-lo como um imbecillitas fere também a lei 10.741/03.
Por todas essas razões, impõe-se a imediata modificação do texto legal sob comento.