Conforme notícia veiculada pelo Migalhas, em 22 de junho de 2011, o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, reconheceu ao locador o direito de desistência de venda de imóvel locado após regular oferta ao locatário, seguida de aceitação. Com isso, reformou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (REsp 1193992). Sobre o tema, seguem algumas considerações de caráter geral.
1) O contrato, uma vez celebrado, torna-se obrigatório para as partes. Não sendo personalíssimo, o contrato obriga, além das partes contratantes, também os seus herdeiros, em caso de óbito das partes originais. O princípio da obrigatoriedade (pacta sunt servanda) é um dos principais alicerces do Direito Contratual.
2) Tal princípio, no entanto, não é absoluto. Há situações que a própria lei admite a sua mitigação, como ocorre nas relações de consumo, nos casos de resolução do contrato por onerosidade excessiva (cláusula rebus sic stantibus), entre outras.
3) A regra, portanto, determina que o contrato faz lei entre os contratantes e, como tal, deve ser cumprido. Não é possível a desistência unilateral. Em circunstâncias especiais, dada a natureza de alguns contratos, a lei permite a resilição unilateral por uma das partes (ex: no mandato, o mandante pode a qualquer tempo revogar os poderes outorgados ao mandatário, independentemente de justificativa, porque a confiança, que é elemento subjetivo, pode a qualquer momento cessar).
4) A redação do art. 29 da lei 8.245/91 é a seguinte: "Ocorrendo aceitação da proposta, pelo locatário, a posterior desistência do negócio pelo locador acarreta, a este, responsabilidade pelos prejuízos ocasionados, inclusive lucros cessantes". Referido texto legal enseja a seguinte dúvida: o artigo visa apenas a ratificar a responsabilidade civil daquele que descumpre a palavra empenhada, conforme a regra geral de todos conhecida, ou cria o direito de desistência ao locador que oferta o imóvel locado à venda e tem a oferta aceita? A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no referido julgamento, entendeu que o artigo 29 da lei 8.245/91 confere ao locador o direito de desistência, porém, sem isentá-lo da responsabilidade civil decorrente de seu ato. Não nos parece ser essa a interpretação mais adequada.
5) A partir do momento em que o inquilino aceita a proposta formulada pelo locador, embora o contrato ainda não tenha sido formalmente celebrado (por ausência da escritura pública de venda e compra), todos os seus elementos já se encontram presentes e definidos (consenso, "res" e "pretium"). Isso porque o locador, ao conceder o direito de preferência ao inquilino, informa todos os dados necessários para a avaliação da proposta e concretização do negócio, tais como identificação precisa do objeto, preço, condições de pagamento. etc. Se o inquilino aceita, é porque aderiu por completo aos termos da proposta, não havendo espaço para ajustes que podem, eventualmente, justificar o refugo do locador.
6) Não existe absolutamente nenhuma razão para conferir o direito de desistência ao locador que oferta seu imóvel a venda e depois recua. Ainda que, de qualquer modo, lhe sejam impostas as consequências da responsabilidade civil. Isso vale para as situações em que não há locação e, por maior razão, se houver locação. Por maior razão porque, normalmente, a expectativa do locatário de comprar o imóvel locado é ainda maior do que a de um estranho. Tal expectativa pode se dar por diversas razões, principalmente as de ordem econômica, uma vez que o inquilino já tem a posse direta do imóvel que lhe é ofertado para compra.
7) Ninguém é obrigado a vender, ninguém é obrigado a ofertar. Mas uma vez feita a proposta e sendo ela aceita, não existe espaço para desistência, exceto se o contrário resultar dos termos dela ou das demais exceções previstas na lei. Do contrário, a proposta vincula o proponente. A recusa do locador em celebrar a escritura pode até fazer com que o locatário perca o interesse no negócio, por inúmeras razões. Mas a prerrogativa sobre a consequência do descumprimento da obrigação deve ser da parte inocente, no caso o inquilino. Portanto, o locatário deve escolher entre exigir o cumprimento do contrato ou conformar-se com a atitude do locador; em qualquer caso tendo direito às perdas e danos, desde que demonstrados.
8) Por razões externas, é possível que o inquilino não tenha, na prática, tal prerrogativa. Por exemplo, se o locador, após a oferta ao inquilino, vende o imóvel a terceiro, prevalece o interesse do terceiro adquirente, desde que ele esteja de boa-fé. O contrato, no Direito brasileiro não transfere o domínio. Apenas a tradição o faz. E a tradição de bens imóveis opera-se com o registro do título aquisitivo à margem da matrícula do imóvel.
9) O art. 29 da lei 8.245/91 apenas realça, como de resto o legislador o faz em tantas outras leis e artigos de lei, regra de caráter geral; no caso a de que o descumprimento do contrato ou da proposta gera o dever de reparar o dano. Mas não é só essa a consequência.
10) Tal interpretação, a nosso ver, encontra harmonia com os modernos princípios contratuais, tais como a boa-fé objetiva e a função social do contrato.