Circus

Teste

Teste

15/6/2007

Certa ocasião, quando convidado a dar uma palestra sobre um tema cujo conteúdo pretendo omitir, para não influir no resultado do teste que irei propor-lhe, em lugar de falar eu contei à platéia uma historieta, finda a qual recolhi alguns depoimentos e, a partir deles, discorri, só então, sobre o tema que me havia sido encomendado. O resultado foi surpreendente tanto para os ouvintes como para o palestrante. Animado, repeti a experiência outras vezes com outras platéias e o resultado sempre foi excelente. Para eles e para mim.

Resultado esse muito diferente daquele que obtive depois de outra palestra que, juntamente com o José Carlos Dias, na época Secretário da Justiça, demos numa faculdade da USP a respeito de violência, até porque eu havia sido co-autor de um livrinho chamado Violência no Esporte, no qual distingui violência de agressividade. Falo disso outro dia.

O que quero dizer agora é que, quando perguntaram ao Zé o que ele faria se alguém lhe estuprasse a filha, ele, com muito equilíbrio, esclareceu que seu primeiro impulso seria pegar uma arma e ir atrás do estuprador. Entretanto, ele estava convencido de que faria de tudo para esfriar a cabeça e entregar o caso às autoridades constituídas. Minha intervenção bateu na mesma tecla, como não poderia deixar de ser. Um dos alunos, com evidente apoio de toda a classe: "O senhor que é Secretário de Estado e o seu companheiro que é desembargador podem matar o estuprador. E nós ?" Eu e o Zé quase caímos da cadeira. Tentamos dizer que não havíamos dito aquilo, mas, quem ali nos queria ouvir ?

Digo isso porque, antes de ler o tal teste, é necessário que o leitor se capacite da necessidade de fazer aquilo que atores e atrizes fazem antes de entrar em cena : assumir o personagem. Isto é, à medida que os elementos do teste forem sendo expostos, o leitor procurará deixar de ser um mero leitor para assumir aquela pessoa a que o teste se refere. A Meryl Streep dizem que fica no camarote por mais de uma hora antes de iniciar a filmagem de uma cena. Quando ela sai para filmar, dizem os colegas, ela não é mais ela, mas o personagem que ela interpretará. A interpretação de Helen Mirren, no filme A Rainha, que, para os críticos, havia ganho antecipadamente o Oscar de melhor atriz, é tão surpreendente que, doravante, quando virmos a Elizabeth II, teremos a impressão de que ela está interpretando a Helen Mirren. O que muitos não sabem é que a atriz ficou mais de um ano estudando sua personagem, em seus mínimos pormenores.

Exageros à parte, assuma o seu personagem. Combinado ? Então, lápis e papel na mão, respire fundo e vamos lá.

Imagine que você trabalha numa empresa, como funcionário (a), numa sala onde trabalham mais dois (duas) colegas seus (suas). Faça mentalmente um retrato desse ambiente, incluindo os móveis, a cor das paredes, o conteúdo das estantes, cor da persiana etc. Por hipótese, todos (todas) vocês têm as mesmas características: mesmo sexo, mesma idade, mesmas condições físicas e intelectuais, mesmas atribuições, mesmo estado civil e mesmos encargos familiares. E, claro, mesma produtividade. Assumiu ?

Veja-se trabalhando como habitualmente você faz, quando toca o interfone. É o chefe de vocês chamando um (uma) de seus (suas) dois (duas) colegas. Ele (ela) vai à sala do chefe e volta depois de uns 15 minutos, com um envelope na mão. Ela (ele) nada diz sobre o conteúdo do envelope, que está lacrado, nem sobre a conversa que tivera com o chefe, mas informa à (ao) colega de vocês duas (dois) que o chefe quer agora falar com ele (ela).

Ele (a) vai e volta com um envelope na mão, dizendo-lhe que agora é tua vez. Respire fundo e vá enfrentar a fera.

O seu chefe a (o) recebe amavelmente, fala com entusiasmo do teu trabalho e lhe entrega um envelope fechado, tal como havia feito com teus (tuas) colegas. E diz que, agora, depois do expediente, vocês três vão jantar e abrir, após o jantar, os envelopes, tomando, só então, conhecimento daquilo que há lá dentro. Se você assumiu o seu personagem, seu coração está batendo mais forte. Essa taquicardia é normal, não se assuste. Se ela não estiver presente, desista do Oscar.

Após o tal jantar, vem o grande momento. O (a) primeiro (a) colega abre o envelope que coube a ele (ela) e descobre que ali dentro o chefe havia posto três notas, cem dólares cada uma. A (o) segunda (o) colega abre o envelope dela (dele) e descobre que ali estão duas notas de cem dólares cada uma. Você abre o seu envelope e descobre que o teu chefe ali pusera apenas uma nota de cem dólares.

A pergunta é esta: com toda sinceridade, escreva no papel que você tem na mão a primeira palavra que lhe veio à mente, se é que não veio à sua boca. Use de toda sinceridade, mesmo porque você está só em sua casa neste momento e ninguém mais vai ler o que você escrever. Escreveu ?

Agora, assuma o (a) segundo (a) personagem, aquele (aquela) das duas cédulas, e escreva a palavra que corresponde àquilo que você, agora como a segunda personagem da história, sentiu quando viu aquelas duas cédulas.

Por fim, assuma o personagem restante e faça o mesmo: os teus dois colegas (as tuas duas colegas) estão ali te olhando e você sentiu algo ao dar com aquelas três notas. Que foi que você sentiu ? Escreva no mesmo papel.

Agora guarde o papel escrito por 24 horas. As idéias vão ficar a ruminar em teu cérebro. Amanhã você retoma o mesmo papel e acrescenta aquilo que você estará sentido depois dessas 24 horas, como primeiro (primeira), como segundo (segunda) e como terceiro (terceira) personagem.

Se quiser escrever-me, remetendo cópia de sua folha de papel, garanto que não divulgarei o nome dos que assim agirem. Simplesmente levarei em conta o conteúdo, para meros efeitos estatísticos, se for o caso disso.

Aí vai meu endereço: clique aqui.

Voltarei ao tema futuramente, se disso for o caso.

 

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Colunista

Adauto Suannes foi desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, membro fundador do IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, da Associação Juízes para a Democracia e do Instituto Interdisciplinar de Direito de Família.