Dia desses um articulista de jornal discorria a respeito das palavras "peido" e "flatulência", pois alguém teria utilizado a primeira para ilustrar as inúmeras causas do aquecimento terrestre. Falar em "flatus bovino" teria sido mais delicado? E talvez menos inteligível.
Certa ocasião, já nem me lembro a que pretexto, escrevi no quadro-negro uma frase e pedi aos meus alunos que lessem em voz alta. A frase era esta: "José é filho da prostituta Tereza". Como a Tereza é conhecida por Terê e o José é conhecido por Zé, reescrevi a frase, usando agora os apelidos deles. Como os norte-americanos, para não perderem tempo, abreviam tanta coisa, lá um "professor" é um "pro", propus que fizéssemos o mesmo com a profissão da Terê. Assim, a frase ficou: "O Zé é filho da puta Terê". Agora pouquíssimos alunos se dispuseram a colaborar comigo. Por que? Porque certas palavras nos mostram os dentes e, se nos distrairmos, nos mordem.
Quando o Chico Buarque disse que a bailarina não tinha pentelhos, a censura implicou com os pelos da moça. Ou talvez com o Chico. Mas quando ele nos mandou jogarmos bosta na Geny, isso constou do disco, para escândalo de muitas matronas. "Um rapaz tão bonito, aqueles olhos verdes, dizendo uma coisa dessas. Que pecado!" Era uma mulher que havia sido mordida.
Não sintonizo rádio AM há muitos anos, pois aquela voz esganiçada dos gritantes locutores me foi proibida por meu médico. Mas dia desses, como carona educado, tive de ouvir uma dessas músicas da moda, cantada sei lá por quem. O que eu ouvi só se dizia, no meu tempo, atrás do muro do cemitério. E em voz baixa, para os defuntos não ouvirem. O baixo calão foi promovido a médio calão. Ou alto calão, sei lá. O mordido dessa vez fui eu.
Como sabemos, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida em Portugal – mania que eles têm de complicar as coisas, pá - é conhecida por SIDA. No Brasil, porém, leva o pitoresco nome de AIDS, talvez por pressão das Marias Aparessidas. Ainda se o nome da doença por aqui fosse Acquired Immunodeficiency Syndrome ... Os homossexuais masculinos estão, com ou sem razão, incluídos no rol dos chamados "grupos de risco" no que diz com tal doença. Entre eles, no entanto, a tal doença não se chama nem um coisa nem outra. É "a maldita". Por que? Medo da mordida.
Com o câncer ocorre o mesmo. O indivíduo chega à casa abatido e a esposa pergunta: "O médico lhe disse se você tem alguma doença?" E ele: "Vá dizendo os nomes dos signos do horóscopo até eu mandar parar."
Eu trocava mensagens de apoio recíproco com um amigo italiano, que extraiu um câncer e submeteu-se também à quimioterapia, que, por pior que seja, é nada perto dos estragos que a doença pode fazer. Ele concordou comigo: "Realmente, aquilo é bem pior."
Penso que a primeira coisa que devemos fazer quando temos um inimigo é conhecê-lo bem, para melhor enfrentá-lo e talvez derrotá-lo. O primeiro passo é conhecer seu nome e repeti-lo várias vezes, para mostrar que não nos intimidamos com sua presença. Se eu disser aquilo, aquilo, aquilo, em lugar de câncer, câncer, câncer eu estarei fazendo exatamente o contrário: estarei exibindo meu pavor diante da presença dele nas imediações. Ponto para o inimigo.
Tenho algo que muitos acham um grave defeito: o bom humor. Cumprimento homens e mulheres com palavras carinhosas. "Obrigado, minha querida" digo a pessoas do sexo feminino, moças ou velhas. Já houve uma senhora problemática que veio tirar satisfações: "Como um homem da minha idade se permitia tomar essas liberdade com a filha dela?" Dizer que a moça tinha idade para ser minha neta não resolveria, pois sempre há o rótulo de pedófilo pronto para vir à tona. Preferi responder com ironia: "Se o problema é esse, da próxima vez me dirigirei a ela chamando-a de minha odiada".
Embora a velhice não seja, só por só uma doença, acho que nem todos pensam como eu, a julgar pelos apelidos que lhe dão. Eu não devo dizer que sou velho nos meus setenta anos, mas apenas idoso. Ou devo dizer que estou na terceira idade. Qual é a primeira idade? E a segunda? E a quarta idade? Alguém, mais cínico, diz que o certo será dizermos que estamos na "melhor idade". Melhor para quem? Só se for para os meus médicos.
Cito o exemplo de um homem velho simplesmente exemplar, que jamais se ofendeu com esse título. Com mais de cem anos de idade, já deixou a terceira idade para os filhos dele, ainda fuma seu cigarrinho, toma seu vinho e trabalha como poucos. E, até onde me consta, é um exemplo de honradez e coerência. Falo, é claro do Oscar Niemeyer. "Mas você foi citar logo um comunista?" repreende-me meu indignado interlocutor, usando uma palavra que, hoje em dia, já não morde mais.