Circus

Sim, nós podemos

Sim, nós podemos

7/10/2010

 

O ser humano tem medo do futuro, o que o leva a inventar os mais diferentes artifícios para não ter surpresas, seja do lado de cá, seja do lado de lá. Estão aí os horoscopistas, com suas afirmações ambíguas, que me não deixam mentir. No limite, temos os comentaristas esportivos, com suas previsões e suas quebradas de cara, como o Geraldo Bretas, que o teu avô certamente conheceu. Ele era um crítico acerbo da seleção brasileira dos anos cinquenta, embora ele mesmo não soubesse que sua crítica fosse acerba, e garantiu, com aquela voz anasalada lá dele, que deixaria de ser comentarista esportivo se aquele time de merda ganhasse de alguém. Ele não disse merda mas pelo modo como ele se expressou pouco faltou para ter dito a palavra inadequada a programas radiofônicos, que locutor de rádio prefere chamar bunda de bumbum, coisa mais feia, em lugar de nádegas, coisa mais elegante.

E o tal comentarista garantiu que nunca mais, nunca mesmo, ele faria comentários esportivos se aquela seleçãozinha ali ganhasse a copa do mundo. Como Deus e o eleitor costumam escrever direito por tortas linhas, lá está o capitão da seleção brasileira, Hideraldo Luiz Bellini, levantando o caneco, como dizem os tais comentaristas referindo-se à taça, para desgosto do tal Bretas, que prefere passar umas longas férias na Europa, voltando depois de meses à mesma rádio Tupi com uma cara não sei bem de quê, a fazer comentários esportivos como se nada tivesse ele dito antes. Verba volant diria o Mário Moraes, que era o príncipe dos comentaristas esportivos naqueles idos, fazendo dupla com o Pedro Luís, o príncipe dos narradores, mesmo porque nunca eu soube quem seria o rei, talvez o Ari Barroso e aquela sua gaitinha fluri flurá fluri flurá quando o Flamengo marcava gols, que flamenguista ele era até a medula, mesmo porque banha ele tinha era nenhuma, Juca Kfouri perto dele é um Jô Soares. E vem o Juca para corrigir-me: o homem era, de fato, torcedor do América F.C., clube que, segundo sempre me pareceu, só tinha como torcedor o José Trajano. Como a gente se engana!

Ou a Conceição Tavares, ilustre economista portuguesa que jurou que voltaria para Portugal se o plano Collor não desse certo e o plano foi por água abaixo, com PC Faria et caterva e ela está até hoje dando aulas e mais aulas na televisão brasileira aos que nela ainda acreditam, ela com sua cara de peixeira do Algarve e aquele seu sotaque de quem entende tudo de economia mas palavra de honra mesmo é nenhuma.

Pois inda agora os comentaristas políticos começaram a semana dizendo que não disseram o que haviam dito e que urna e barriga de grávida só depois de abertas é que mostram o que lá elas têm dentro. Coisa mais antiquada isso!

Ou saindo-se com algo em que eles mesmos não haviam reparado: a pesquisa de opinião pública mostra apenas e tão somente a tendência dos eleitores consultados no momento da consulta, coisa que até meu neto mais novo já sabia. Aliás, consultar 1.000 ou 2.000 eleitores e, com base nisso, projetar o que pensam milhões de eleitores será o mesmo que examinar os dentes de 1.000 ou 2.000 pessoas e, a partir daí, diagnosticar a saúde bucal dos brasileiros. Até porque se isso de amostragem tivesse alguma base científica, o IBGE não precisaria gastar o que gasta para entrevistar pessoa a pessoa em todas as cidades do país.

Verdade que muitos de nós já estávamos meio que esquecidos de que as grandes caminhadas começam num primeiro passo, trôpego que seja. Dizer que uma mulher que se alfabetizou quando a infância já ia embora e chegou aonde ela chegou iria arrebatar 20 milhões de votos era coisa de algum otimista maluco. A hipótese de fazermos dela um Barack Obama de saias igualmente não nos teria motivado tanto. Felizmente, graças principalmente à imprensa, eis que muita gente que andava meio cega acabou vendo que, hoje como ontem, vale o ditado: "Dize-me com quem andas e eu lhes direi quem és". Se não é isso é por aí.

O fato é que a pacífica guerra à corrupção, que redundou na impensável Lei da Ficha Limpa, teve seu desdobramento e os eleitores, graças aos auspiciosos fatos novos, terão a oportunidade de rever seu voto. Não se tratará de votar neste ou naquele candidato mas de votar contra este ou aquele, em razão da convicção de que só assim extirparemos de nossa vida pública pessoas que são postas em postos chave para aí instalarem quadrilhas de vendilhões. Que vão guerrear em outra freguesia, eis o que desejamos.

Isso de ganhar na véspera, com chope e fogos já comprados, já fez muito torcedor ter de enrolar a bandeira e enfiá-la onde coubesse. O time do presidente da República dia desses não empatou o jogo aos 45 minutos do segundo tempo? E não perdeu esse mesmo jogo aos 47?

 

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Colunista

Adauto Suannes foi desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, membro fundador do IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, da Associação Juízes para a Democracia e do Instituto Interdisciplinar de Direito de Família.