A prática da arbitragem no Brasil tem se revelado um sucesso. Sucesso na própria lei 9.307/96 (“Lei de Arbitragem”) uma das mais modernas e respeitadas no mundo. Sucesso na jurisprudência dos tribunais, maciçamente pró-arbitragem. Sucesso no desenvolvimento de instituições arbitrais, mediante a elaboração de bons regulamentos e adoção de estrutura adequada para a organização de audiências arbitrais. Sucesso no aprimoramento educacional do estudante, seja com a adoção da disciplina obrigatória da arbitragem nos cursos de graduação em Direito e, de forma especializada, em alguns cursos de pós-graduação, seja pelas competições acadêmicas realizadas por diversas instituições a cada ano. Ao fim, sucesso pela existência de um verdadeiro mercado arbitral, no qual players competem e se desenvolvem. E o eixo central desse mercado arbitral é o mercado de árbitros, o maior responsável pela boa maturação do instituto. Portanto, em breves linhas, este texto tem o condão de demonstrar que o crescimento da arbitragem se deve, em muito, ao mercado de árbitros (I), e que as recentes críticas que vem recebendo são, em sua essência, não procedem (II).
I. A famosa lição, segundo a qual a arbitragem vale o que vale o árbitro, não representa mero clichê. A arbitragem nasce de uma cláusula (convenção de arbitragem) por meio da qual as partes, de forma consciente, afastam a jurisdição estatal (optam por não serem julgadas pelo Estado – um juiz que não saberão quem é) e escolhem um sistema por meio do qual, elas – as partes – escolherão seus julgadores, isto é, os árbitros. Seja na contratação ex ante em cláusulas compromissórias, seja na contratação ex post em compromissos arbitrais, as partes, no exercício de sua autonomia, escolhem serem julgadas por árbitras e árbitros dentre a oferta disponível no mercado. Se a oferta é pouca e ruim, menor a possibilidade de redução de custos de transação pelas partes e menor será a escolha por arbitragem. Para se entender este mercado, a identificação da oferta e da demanda é essencial.
A demanda. A escolha do árbitro leva em conta uma série de critérios, de natureza jurídica, política e econômica, dentre as quais prevalece a especialidade do julgador e sua neutralidade. São elementos que podem reduzir custos de transação. Tanto o coárbitro, quanto o presidente do tribunal arbitral, são escolhidos exclusivamente pelas partes, que podem, em decorrência da autonomia da vontade, também, delegar a uma autoridade nomeadora1. Se por um lado a oferta permite o aumento da demanda por arbitragem, a demanda – as partes contratantes/litigantes – dita os rumos da oferta, independente da elasticidade deste mercado.
A oferta do mercado de árbitros é composta pelas pessoas que juridicamente podem, mas que sobretudo possuam habilidades que as partes procuram em um árbitro ou uma árbitra.
No direito brasileiro, do ponto de vista jurídico, pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes, ostente independência e imparcialidade, e seja competente, diligente e discreta2. Mas não é tudo. O candidato a árbitro necessita, também, ter disponibilidade, ser eficiente, saber trabalhar em harmonia com demais membros do tribunal arbitral, ter coragem para decidir e, acima de tudo, ser ético3. A confiança aqui referida deve ser entendida em seu sentido estrito, isto é, crença na probidade moral, na lealdade e, também, na competência técnica4 do profissional que exerce a função de árbitro. Em outras palavras, não basta ser habilitado pela lei, mas deve ter as habilidades e competências especiais e singulares reunidas em um único profissional. Isso qualifica o mercado de árbitros como um mercado de qualidade.
Nessa senda, considerando, que a prática arbitral no Brasil se desenvolve, efetivamente, desde 1996, com a promulgação da lei de arbitragem, considerando o número ainda reduzido de profissionais aptos e com experiência que se qualificam neste mercado de qualidade e, o mais importante, considerando que é direito da parte a indicação do árbitro e, entre elas – partes –, a participação na composição do tribunal arbitral, é natural que exista uma parcela restrita de profissionais a exercer esse mister. O tamanho da real oferta, portanto, decorre justamente da quantidade restrita de profissionais que detém todas as características buscadas pelas partes. É da natureza do mercado de qualidade a tendência à concentração da oferta.
A boa notícia é que o mercado de árbitros cresceu na medida em que a prática arbitral crescia no Brasil. Com a inserção de cláusulas compromissórias nos contratos empresariais e desenvolvimento das instituições arbitrais, cresceu sobremaneira a demanda por profissionais qualificados. A resposta do mercado foi muito positiva: houve um recente e expressivo aumento do número de profissionais aptos a atuar como julgadores privados, além de exercer outras funções, como a de pareceristas, advogados, dentre outras. O jurista Carlos Eduardo Stefen Elias, em elogiada tese de doutoramento, explica tal fenômeno:
“Não há dúvidas de que a prática da arbitragem ensejou a formação de um conjunto de profissionais especializados nesse método de solução de controvérsias: além do reconhecimento entre seus pares, árbitros, advogados das partes, pareceristas e outros prestadores de serviços jurídicos, estão a atuar em um campo que impõe desafios profissionais, geralmente envolve altas somas de dinheiro e pode proporcionar polpudos honorários. Assim, a procura dos agentes econômicos em situação de conflito pela prestação de serviços jurídicos ligados à arbitragem e a oferta desses mesmos serviços pelos profissionais da área possibilita a constituição de um verdadeiro mercado profissional”5.
II. E o mercado de qualidade tem algumas particularidades como o alto custo de entrada: custa caro e toma tempo para que novos profissionais adquiram toda a qualidade buscada pelas partes, o que, se entendido de forma equivocada, pode sugerir uma falsa ideia de oligopólio. É por isso que o aludido “conjunto de profissionais” tem sido objeto de injustas e infundadas críticas, por supostamente haver “barreiras de reputação e precedência, que criam “bolhas” oligopolistas e afastam novos concorrentes”.
Não há no Brasil barreira à entrada para profissionais que aspiram a exercer função de árbitro. A ideia é “bolhas oligopolistas” é falsa. O que há é uma dependência da demanda – das próprias partes e não dos candidatos a árbitros – por qualidade e confiança, algo que o novo profissional tarda a conseguir e paga um alto preço. Mas é possível notar verdadeiro incentivo econômico para que novos candidatos se especializem e ganhem confiança das partes – ainda que a um alto custo. Cada vez mais juristas e profissionais reconhecidos em suas disciplinas têm buscado especialização e atuação na função, e galgado posições como competitivos candidatos a árbitro, motivados por importante remuneração6. E o alto custo da barreira de entrada tem ainda o auxílio de outros agentes do mercado da arbitragem, já maduro o suficiente para entender que a maior oferta e concorrência no mercado de árbitros é beneficial ao instituto. As diversas e reputadas instituições arbitrais brasileiras vêm oportunizando a abertura do mercado para profissionais mais jovens, que também vêm buscando o conhecimento, aprimoramento e reputação para exercer a função de árbitro7.
Tampouco procede a crítica de que profissionais que exercem a função de árbitro e mesmo as câmaras arbitrais centralizariam as demandas, por especialidade, o que geraria necessidade de reforma e regulação, por duas razões. A primeira, e mais importante, são as partes que nomeiam os árbitros – com liberdade. Se eventualmente a demanda gera concentração de mercado de árbitros, não há, em tese, ineficiência ou necessidade de regulação.
A segunda, eventual ineficiência poderia decorrer de críticas sobre (a) alegadas listas fechadas de candidatos a árbitros que alegadamente poderia restringir a oferta ou (b) decorrentes de conflitos de agência gerado por eventuais escritórios que influenciariam partes em nomeação com tendência à concentração. Mas nenhuma, nem outra hipótese são aceitáveis. Com efeito, as principais câmaras arbitrais brasileiras contêm listas meramente sugestivas (não vinculativas) de profissionais, de toda sorte de especialidade, que podem ser escolhidos pelas partes para atuarem como árbitro. Tais listas surgiram num contexto em que a arbitragem era pouco conhecida no Brasil e à Câmara, como instituição administradora do processo arbitral, cabia prover serviços de excelência às partes (dentro do conceito de mercado de qualidade) em disputa, e, por demanda do empresariado, divulgavam listas com nome de profissionais especialistas8. Mas além de as listas terem multiplicado os nomes disponíveis na maioria das instituições nacionais, não impõe qualquer restrição.
O dito mercado de árbitros (e o seu crescimento no Brasil) representa um fato incontestável e de grande importância no desenvolvimento da arbitragem brasileira e que prescinde de qualquer tipo de regulação. Os árbitros são racionais maximizadores de sua utilidade e inegavelmente o comportamento racional tem impacto positivo na sua atuação, o que, em consequência, pode gerar mais eficiência da função de árbitro e bons incentivos a um bom julgamento.
“Bolhas oligopolistas”, repita-se, é uma falsa ideia no mercado de árbitros e não afasta novos concorrentes da arbitragem. O mercado de árbitros e a concorrência em si é ótimo para o desenvolvimento do instituto e aperfeiçoamento do mecanismo alternativo de solução de controvérsias. O que ainda falta (a determinada parcela dos players da arbitragem no Brasil) é a boa compreensão do funcionamento do mercado de árbitros, da sua natureza de mercado de qualidade. Acima de tudo, falta ainda a compreensão da mecânica do processo arbitral, entendida como um processo de início, meio e fim9, e cuja sentença possui efeito imediato e não comporta recurso10, e que, justamente por essas características, se insere no aludido mercado de qualidade e faz sucesso.
Com essa linha de pensamento, e mediante escolha consciente e informada pelo método arbitral, é possível aprender a conviver com o resultado de uma demanda, seja na vitória, seja na derrota, mas certamente resultado de um procedimento eficiente, disponível e acessível graças ao mercado de árbitros.
__________
1 Ver, a esse respeito: Disponível aqui. Acesso em 25 out. 2024.
2 Art. 13, e seus parágrafo da Lei de Arbitragem.
3 Ver, a esse respeito, GREBLER. A Ética dos Árbitros. Revista Brasileira de Arbitragem, (Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB; Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB 2013, Volume X Issue 40) p. 72 – 77.
4 Segundo Antônio Lopes de Sá: “O conhecimento, no caso, não é apenas a acumulação de teorias, teoremas e experiências, mas também o domínio pleno sobre tudo o que é abrangido pela tarefa que se encontra sob a responsabilidade direta de um profissional (...). É dever ético-profissional dominar o conhecimento, como condição originária da qualidade ou eficácia da tarefa”. (Ética Profissional. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 155).
5 ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. Imparcialidade dos Árbitros. Tese de Doutoramento. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2014, p. 101.
6 Como afirma Bruno Guandalini: “The first step is to accept that arbitrators are rational economic agents. The arbitrator’s function is susceptible to market mechanisms, because, even though in its roots the arbitrator’s contract is not onerous, it is in practice. As money is the most efficient incentive mechanism, and the function’s main objective is to render justice, the market may exert some influence on the function’s main goal: rendering justice”. (Economic Analysis of the Arbitrator’s Function, International Arbitration Law Library, v. 55, Kluwer Law International 2020, p. 5).
7 A esse respeito, citam-se o Comitê de Jovens Arbitralistas do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CJA-CBMA), New Generation do CAM-CCBC, a CAMARB Jovem, a ARBITAC Jovem, entre outros.
8 A esse respeito, ver: NUNES, Thiago Marinho. As Listas Fechadas de Árbitros das Instituições Arbitrais Brasileiras. Arbitragem: Estudos Sobre a Lei nº13.129, de 26.5.2015 (org.: Francisco José Cahali, Thiago Rodovalho e Alexandre Freire). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 543-558.
9 Ver, a esse respeito: Disponível aqui. Acesso em 25 out. 2024.
10 Art. 18 da Lei de Arbitragem: O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.