Arbitragem Legal

As declarações testemunhais escritas na arbitragem e o momento de sua apresentação

Professor Thiago Marinho Nunes discorre sobre o uso de declarações testemunhais escritas na arbitragem e o momento correto de sua apresentação no processo.

28/5/2024

Tema que tem sido objeto de recentes debates na comunidade arbitral brasileiro diz respeito ao uso de declarações testemunhais escritas nas arbitragens. Tal prática, classicamente adotada em arbitragens internacionais tem alimentado os debates no Brasil a respeito da eficiência ou não desta técnica. Em particular, o Chartered Institute of Arbitrators, em sua divisão brasileira (“CIArb Brazil”) tem procurado elementos para desenvolver diretrizes sobre o uso desta técnica nas arbitragens domésticas. 

Os depoimentos testemunhas escritos, em sua essência, nada mais são do que uma técnica criada no mundo da arbitragem internacional de modo a garantir mais eficiência à coleta da prova, em especial a prova oral. Além de facilitar a coleta da prova, o mecanismo também possibilita que as partes adiantem ao tribunal arbitral questões de fato que considerem essenciais para a comprovação do direito alegado. Por sua vez, isso permite que os árbitros adquiram conhecimento de questões que, se o mecanismo não fosse implementado, seriam expostos apenas em futura audiência de instrução do caso. 

Segundo Leonardo Ohlrogge e Rodrigo Salton Roturno Saydelles: “Nesse sentido, o witness statement pode ser considerado como o documento formal que contém o relato de uma testemunha sobre fatos pertinentes às questões debatidas no procedimento”1. Já para Maurício Gomm F. dos Santos e Ana Carolina Martins Santoro, “são declarações escritas que as testemunhas, em processo adjudicatório, submetem aos autos em momento anterior à audiência de mérito. Denominam-se Witness Statements as Declarações Escritas feitas pelas testemunhas fáticas enquanto Expert Reports são chamados os trabalhos apresentados por testemunhas técnicas. Independentemente do método de produção da prova testemunhal acordado entre as Partes – se Regras da IBA, Regras de Praga, combinação das duas ou nenhuma – a diferença entre a testemunha fática da técnica pode ser assim resumida: aquela fala do que sabe enquanto esta sabe o que fala. Ambas servem para auxiliar o livre convencimento do árbitro, sempre respeitando-se a igualdade das partes, contraditório e a discricionariedade do árbitro, como destinatário final da prova2. 

Assim, ao invés de a testemunha ser apenas intimada a depor sobre fatos em eventual audiência de instrução, a parte que a arrola apresenta nos autos uma declaração escrita da testemunha. Em respeito ao contraditório e à ampla defesa, a validade de tal testemunho estará condicionada à efetiva oitiva da testemunha em audiência, de modo que a parte contrária possa realizar a chamada contra inquirição (“cross examination”), momento em que procurará identificar as deficiências do depoimento testemunhal. 

Tal tema, apesar de muito estudado pela doutrina estrangeira permanece pouco debatido na arbitragem brasileira. Quando muito, discutiu-se sobre o conceito das declarações testemunhais escritas bem como a admissibilidade de seu uso nas arbitragens regidas pelo direito brasileiro3. No entanto, os precitados e recentíssimos estudos procuram demonstrar um maior detalhamento do uso desse mecanismo e suas vantagens na arbitragem. 

Contudo, a riqueza de tal tema faz com que diversos pontos relacionados ao uso da declaração testemunhal escrita sejam desenvolvidos. A esse respeito, é digno de citação algum desses pontos, elencados em recente pesquisa realizada pelo departamento de educação do CIArb Brazil4: 

Nessas breves linhas, objetiva-se discutir sobre o momento da juntada nos autos do processo arbitral das declarações escritas. Dessarte, não se vislumbra qualquer regramento que especifique o momento dessa apresentação. As Regras da IBA sobre Produção de Provas, por exemplo, apenas afirmam em seus arts. 4.4 a 4.8, aspectos relativos à forma de produção e conteúdo das declarações escritas. Mas, indaga-se, qual a razão de se preocupar com o momento da juntada aos autos dessas declarações? A resposta é uma só: higidez da prova produzida e eficiência procedimental. 

Quanto a esse tema, Leonardo Ohlrogge e Rodrigo Salton Roturno Saydelles expressam: “Quanto ao momento de produção, percebe-se que, em regra, os depoimentos escritos são apresentados com as petições das partes conforme estabelecido no calendário procedimental. Contudo, há situações nas quais o tribunal arbitral solicita a submissão dos depoimentos escritos em outros momentos, a depender das peculiaridades do caso concreto”5. A primeira parte do quanto exposto pelos referidos autores, se afigura correta. Ainda que não teçam uma opinião sobre o que seria ou não correto, os autores afirmam que, em regra, os depoimentos escritos são apresentados com as petições das partes. Além de ser a hipótese mais comum em arbitragens internacionais6, tal modalidade gera maior eficiência ao processo, permitindo que a contraparte produza suas eventuais declarações testemunhais escritas, garantindo-se a sua ampla defesa. Essa é, por exemplo, a opinião de Dieter Hofmann e Tobias Zuberbuhler: 

"33. If the witness statements are submitted together with the briefs, the arbitral tribunal and the opposing party come to know the content of the witnesses' testimony immediately. This can lead to an acceleration of the proceedings, in particular since the opposing party can comment on the content of the witness statements in its next brief and can have its witnesses deal with issues raised in the witness statements of the opposing party. However, the claimant will often deem it as a disadvantage if it must disclose its witness testimony first. In addition, the claimant will usually want to submit supplementary witness statements in response to the respondent's factual allegations and witness statements, because it does not know, at least not definitively, the respondent's assertions of fact at the time when it must submit its own witness statements"7. 

Gary Born igualmente parece opinar no mesmo sentido, aduzindo que eventuais declarações testemunhais escritas juntadas a posteriori, poderiam gerar uma espécie de efeito surpresa no processo arbitral: 

"In dealing with witness testimony, care must be exercised to avoid “surprise” witnesses or “ambush” testimony. In principle, parties should be required to provide written witness statements or to identify witnesses who will testify and the substance of their testimony. Parties should not be permitted, save in exceptional circumstances, to adduce testimony from a new, previously-unidentified witness, during the evidentiary hearing. Relatedly, significant direct testimony, not mentioned in a witness’s written witness statement, should presumptively be viewed with caution. New issues or controversies may develop in the course of the arbitration, explaining the “late” testimony, or a witness may genuinely have failed to recall particular facts, but tribunals are often cautious in crediting such evidence"8. 

Apesar de não ser proibida a juntada aos autos de declarações testemunhais escritas após a fase postulatória, tal método não se afiguraria o ideal, uma vez que a prova seria produzida de trás para a frente, com as testemunhas tendo tido prévio acesso às alegações das partes e com o risco de testemunharem além do que tenha sido objeto de debates nos autos. O autor Ragnar Harbst descreve bem essa situação: 

"But there are also disadvantages to consider. First, it can be risky to put off the preparation of witness statements until a point in time when the written submissions have been filed. The allegations that are to be proved by way of witness statements have already become part of the written submissions. It may therefore turn out that the witnesses will not be able to confirm the allegations presented in the submissions. In order to prevent such a situation, it is axiomatic to interview the witnesses at an earlier stage even if witness statements will be kept for a separate stage; but if so, it is usually more economic to take the witness’ written statement straightaway. There is a further downside of keeping witness statements for a separate phase after the exchange of written submissions: There is an increased risk that new factual statements will appear in the witness statements that were not raised in the written submissions. In most international arbitrations, it is common practice for the parties to present their complete factual allegations already in the submissions; the purpose of offering witnesses, and accordingly, the purpose of witness statements, is to show that the alleged facts are correct"9. 

A não ser que o uso posterior à fase postulatória das declarações escritas sirva para tentar reduzir um eventual alto número de testemunhas que tenham sido arroladas, otimizando a prova com a obtenção de declarações de testemunhais que deponham sobre fatos diversos. Mas, ainda assim tal método pode gerar o risco anteriormente exposto, de realizar a prova de trás para a frente e, ainda, de que novos fatos (não discutidos nas alegações) sejam trazidos nos depoimentos. 

O objetivo dessas linhas é, portanto, situar os operadores da arbitragem acerca da correta metodologia na produção de provas, quando houver a intenção do uso de declarações testemunhais escritas. É preciso que as partes, verdadeiras comandantes do processo arbitral10, procurem se organizar, de forma conjunta e cooperativa desde cedo, de modo a fazer constar em eventual termo de arbitragem ou uso das declarações testemunhais escritas e sua juntada com as respectivas alegações, preservando-se assim, não só a higidez da prova, mas como a eficiência do procedimento.

__________

1 OHLROGGE, Leonardo e SAYDELLES, Rodrigo Salton Rotunno. Depoimento escrito (witness statement) na arbitragem internacional in Provas e Arbitragem. Teoria, cultura e prática (org. LESSA NETO, João Luiz e GUANDALINI, Bruno). São Paulo: Thomson Reuters-Revista dos Tribunais, 2023, p. 333.

2 SANTOS, Mauricio Gomm F. dos e SANTORO, Ana Carolina Martins. Declaração escrita de testemunha. Quem tem medo de Virginia Woolf? In Práticas de Arbitragem. Técnicas, agentes e mercados (coord. MUNIZ, Joaquim de Paiva e MENDES, Lucas V. R. da Costa). Rio de Janeiro: Curso Prático de Arbitragem, 2ª ed., 2020, p. 168.

3 A esse respeito ver CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à lei 9.307/96. São Paulo: Atlas, 3ª edição, 2009, p. 320-322.

4 Tal pesquisa foi objeto de relatório oficial. Acesso em 25 mai. 2024.

5 OHLROGGE, Leonardo e SAYDELLES, Rodrigo Salton Rotunno. Depoimento escrito (witness statement) na arbitragem internacional in Provas e Arbitragem. Teoria, cultura e prática (org. LESSA NETO, João Luiz e GUANDALINI, Bruno). São Paulo: Thomson Reuters-Revista dos Tribunais, 2023, p.338-339.

6 Dieter Hofmann e Tobias Zuberbuhler: “32. The question at what point in time the witness statements must be submitted is of great practical relevance. There are two main alternatives: (i) submission of the witness statements together with the corresponding brief (simultaneously with the documentary evidence), or (ii) simultaneous submission of all witness statements by both parties after conclusion of the exchange of briefs and before the witness hearing. The first option is much more common in international arbitration”.

7 ZUBERBÜHLER, Tobias; HOFMANN, Dieter, et al. IBA Rules of Evidence: Commentary on the IBA Rules on the Taking of Evidence in International Arbitration. 2nd Ed. Zurich: Schulthess, 2022.

8 BORN, Gary. International Commercial Arbitration. Third Edition. The Hague: Kluwer Law International, 2021, p. 2447-2448.

9 HARBST, Ragnar. A Counsel's Guide to Examining and Preparing Witnesses in International Arbitration. Kluwer Law International; Kluwer Law International, 2015, p. 86.

10 A esse respeito, dispõe o art. 21, caput, da Lei nº 9.307/1996: “A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento”.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Thiago Marinho Nunes é doutor em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Mestre em Contencioso, Arbitragem e Modos Alternativos de Resolução de Conflitos pela Universidade de Paris II – Panthéon-Assas; Vice-Presidente da CAMARB; Fellow do Chartered Institute of Arbitrators; Professor Titular de Arbitragem e Mediação do IBMEC-SP; árbitro independente.