Arbitragem Legal

O Brasil como local seguro para o processamento de arbitragens internas e internacionais

Professor Thiago Marinho Nunes discorre sobre a escolha do Brasil como local seguro para o processamento de arbitragens internas e internacionais, notadamente após o resultado de recente pesquisa realizada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem e Associação Brasileira de Jurimetria.

28/11/2023

A arbitragem, como meio extrajudicial e adequado de resolução de conflitos empresariais, para que tenha plena efetividade, deve oferecer segurança a seus usuários. Com efeito, as partes, ao inserirem cláusula de compromissória em seus contratos, procuram, não apenas excluir da apreciação do Poder Judiciário o mérito de determinada controvérsia, mas, de forma consciente, optam por um sistema fechado, autônomo, decidido por julgadores que as próprias partes escolhem, e concentrado em fases pré-definidas com bastante antecedência e que possui início, meio e fim1.

Apesar da aludida derrogação do Poder Judiciário, a arbitragem não sobrevive só. Com efeito, somente com atuação cooperativa entre os usuários da arbitragem (incluindo partes, advogados, árbitros, representantes das câmaras arbitrais e membros do Poder Judiciário) é que se efetiva, com sucesso, um processo arbitral. Nessa linha de entendimento, a tão discutida “sede” ou “local” da arbitragem, se destaca não só pelo local físico onde se processa a arbitragem, mas também pelo juízo da sede, conhecido na doutrina arbitral internacional como “juge d’appui”, traduzido livremente como juízo de apoio, assistência ou cooperação com a arbitragem2.

Todo processo arbitral possui uma sede. O chamado lugar da arbitragem é aquele em que, normalmente, o processo se desenvolve, onde as audiências são realizadas e, finalmente, onde a sentença arbitral é proferida, inter alia.3 Trata-se de um elemento operacional da arbitragem, em que a sede se torna de suma importância, sobretudo para os efeitos práticos do processo arbitral.4

E não só apenas para efeitos de operacionalidade funciona a sede da arbitragem. Com efeito, a lei da sede da arbitragem possui vocação para reger, de forma subsidiária, o processo arbitral. Isto é, na ausência de regras escolhidas pelas partes para reger o mérito da controvérsia ou mesmo questões de caráter processual, a lei da sede pode fornecer importantes subsídios para a resolução de determinadas questões.5 E não somente a lei, mas o Poder Judiciário da sede exerce relevante função no sentido de dar assistência ao processo arbitral que se desenvolve sob o seu território, proferindo medidas de urgência, auxiliando na composição do tribunal arbitral, intimando testemunhas renitentes, inter alia. Conforme lição de Carlos Alberto Carmona, trata-se de uma relação (entre o Poder Judiciário e a arbitragem) vista sob o prisma cooperativo (ou de “coordenação”) e jamais de supremacia ou hierarquia (ou “subordinação”).6

Seja no plano doméstico, seja no internacional, o Brasil, após vinte e sete anos de prática intensa, consolidou-se no mercado como importante player e como país confiável para sediar arbitragens. No plano internacional, a adoção da sede brasileira já é, de há muito, discutida, tendo sido o Brasil elencado à verdadeira sede segura de arbitragens internacionais quando da ratificação da Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de 1958 (“CNY”)7.

Já no plano interno, apesar de ser juridicamente possível da escolha de uma sede estrangeira ou mesmo de uma legislação estrangeira para reger o mérito da controvérsia8, é usual, prático, natural, racionalmente lógico e juridicamente seguro que a arbitragem doméstica se desenvolva no país em que as partes estão sediadas, ou no país em que o contrato que contém a cláusula compromissória é executado. Em outras palavras: em casos com partes brasileiras, discutindo um contrato celebrado e executado no Brasil, e com cláusula compromissória para resolução de disputas, é natural que a sede da arbitragem seja fixada em alguma localidade brasileira.

Tais pontos são úteis para que se responda à seguinte questão: existe alguma razão de ser para que uma arbitragem doméstica seja sediada fora do Brasil? A eleição de sede estrangeira imunizaria o processo de eventuais solavancos institucionais? A resposta é evidentemente negativa.

Além de tecnicamente deficiente e moralmente injusta, tal ideia é irracional do ponto de vista econômico. Transferir a sede de uma arbitragem doméstica para outro país é um contrassenso ao próprio uso do mecanismo arbitral como forma eficiente de resolução de disputas9. Haveria a necessidade de contratação de advogados estrangeiros conhecedores da legislação da sede da arbitragem, dispêndio de recursos financeiros com deslocamentos de advogados, peritos, testemunhas, árbitros, dentre outros. Além do que, em razão de ser proferida no exterior10, a sentença, para ser homologada no Brasil ainda precisaria passar pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”). A redução dos custos de transação proporcionada pela arbitragem como mecanismo eficiente de resolução de disputas seria colocada em xeque, trazendo clara ineficiência aos contratos e aos negócios.

Como dito no início dessas linhas, o Brasil é sede segura para qualquer arbitragem. Não apenas pela qualidade de sua legislação, pela qualidade da jurisprudência dos tribunais nacionais a respeito de temas ligados à arbitragem, pela qualidade do resultado das arbitragens realizadas no Brasil e, por fim, pelo intenso trabalho coordenado e cooperativo realizado entre juízes estatais e tribunais arbitrais.

Tais qualidades foram recentemente corroboradas por alentada e tecnicamente impecável pesquisa realizada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (“CBAr”) e Associação Brasileira de Jurimetria (“ABJ”), que dispôs sobre um rico levantamento no banco de decisões relacionadas à arbitragem, emanadas do Tribunal e Justiça do Estado de São Paulo. Dentre diversos pontos alcançados pela referida pesquisa destacam-se (para fins do que se dispõem as presentes linhas): (i) um ínfimo percentual de probabilidade de anulação de sentenças arbitrais11; (ii) o caráter colaborativo e coordenado entre as varas especializadas da Comarca de São Paulo e jurisdição arbitral12. Tais pontos, dentre outros diversos alcançados, levam à conclusão lógica de que a maioria esmagadora das sentenças arbitrais proferidas em território brasileiro é válida e que o Poder Judiciário atua no sentido colaborativo e não intervencionista.

Não há dúvidas de que problemas, percalços ou solavancos sempre existirão, em qualquer jurisdição. O que não pode ser crível é imputar a um projeto de lei altamente controverso13 e que não teve qualquer avanço legislativo bem como uma ação judicial isolada que procura discutir a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei de Arbitragem14 como exemplos de insegurança institucional da arbitragem brasileira.

Isso sem contar com a possibilidade de intervenção dos judiciários locais de sedes estrangeiras na arbitragem, o que não pode ser descartado pelas partes no momento da celebração de contrato que contenha cláusula compromissória. Não há dúvida de que Londres, Singapura, Hong Kong, Paris, Genebra e Nova York são sedes mundialmente conhecidas e adotadas com frequência no âmbito internacional. No entanto, nenhuma dessas jurisdições está imune a interferências judiciais ou mesmo governamentais que causem algum empecilho ao desenvolvimento da arbitragem. Um exemplo recente, advindo das cortes inglesas, retrata tal situação, em que o juiz Mr. Robin Knowles, da Commercial Court de Londres, proferiu sentença anulando decisão arbitral que havia condenado o Estado nigeriano a pagar uma indenização de US$ 11 bilhões à Process & Industrial Developments Limited (P&ID) por concluir que a sentença arbitral foi obtida de forma fraudulenta mediante suborno e fraude.15

O objetivo dessas linhas é, portanto, demonstrar que, o Brasil segue na rota do crescimento e da modernidade em matéria de arbitragem. Após mais de vinte sete anos de vigência da Lei de Arbitragem, a qualidade das decisões proferidas em sede de arbitragem aliadas ao caráter coordenado e cooperativo desenvolvido pelos tribunais pátrios demonstram que o Brasil é sede segura para qualquer arbitragem. Discussões, problemas, ou solavancos sempre existirão e em qualquer jurisdição. Ainda mais no Brasil, em que a arbitragem é um case de sucesso consolidado, e que, diante de suas características sistêmicas despertará à parte sucumbente e irresignada o desejo insaciável de alterar as regras do jogo, o que já se provou, não passar despercebido pelo Poder Judiciário brasileiro, na forma da pesquisa referida nessas linhas.

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1 Ver, a esse respeito: Processo arbitral: início, meio e fim - Migalhas. Acesso em 23 nov. 2023.

2 Termo utilizado no direito francês, para caracterizar o papel dos juízes estatais perante a arbitragem (“Juiz de Apoio”). No âmbito do direito francês, Philipe Fouchard discorre como o Presidente do “Tribunal de Grande Instance” coopera com o sistema da arbitragem, como, por exemplo na formação do Tribunal Arbitral. (La coopération du Président du Tribunal de Grande Instance à l’Arbitrage. Philippe Fouchard: Écrits – Droit de l’arbitrage e droit du commerce international. Paris: Comité français de l’arbitrage, 2007. p. 5-33).

3 No direito brasileiro, a escolha da sede da arbitragem configura fator que define a nacionalidade da sentença arbitral, em virtude da redação do parágrafo único do art. 34 da Lei n.º 9.307/1996: “Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional”.

4 Nesse sentido, explica Adriana Braghetta: “A sede da arbitragem deve ter estrutura logística adequada para que os atos procedimentais, especialmente as audiências, se realizem sem percalços, apesar de não ser imprescindível que os atos procedimentais aconteçam na sede. A estrutura compreende hotéis, locomoção, tradução, possibilidade de obtenção de vistos, serviços de degravação das audiências, etc. No Brasil, por exemplo, ainda não é simples obter serviços de alta qualidade para gravação e degravação de audiências em línguas estrangeiras” (A escolha da sede da arbitragem. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, ano XXVI, p. 13, set. 2006).

5 É assim que entendia o saudoso Philippe Fouchard: “La loi du pays du territoire duquel se déroule l’arbitrage – ou du moins ou il est censé se dérouler – donne à celui-ci un cadre juridique, ou plus exactement le lui propose, car sa vocation à le régir est subsidiaire. C’est seulement en l’absence de règles autonomes tirées de la convention des parties et de la pratique, et à condition des parties et de la pratique, et à condition que les parties n’aient pas choisi une autre loi, que la loi du siège fournit à l’arbitrage les règles techniques qui lui permettent de se dérouler normalement. Telle est moins da tendance moderne des lois et des jurisprudences” (Suggestions pour accroître l’efficacité international des sentences arbitrales. Revue de l’Arbitrage, Paris: Comité français de l’arbitrage, n. 4. p. 667, 1998).

6 CARMONA. Carlos Alberto. Das Boas Relações entre os Juízes e os Árbitros. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, n.º 51, pp. 17-24, out. 1997.

7 Ver, a esse respeito: NUNES, Thiago Marinho, SILVA, Eduardo Silva da e GUERRERO, Luis Fernando. O Brasil como Sede de Arbitragens Internacionais – a capacitação técnica das câmaras arbitrais brasileiras" Revista de Arbitragem e Mediação, nº 34, São Paulo: RT, 2012, pp. 120-158

9 A esse respeito, a doutrina se posiciona: “O princípio da eficiência está ligado a essa ideia de rapidez, presteza, utilidade, economicidade e acertamento de situações, devendo tudo isto nortear a condução dos processos. Assim, o princípio constitucional da eficiência no processo civil é um gênero que se subdivide em quatro aspectos, ou quatro subprincípios, cada qual revelando uma das facetas do valor eficiência no processo civil; são eles: o princípio da celeridade, o princípio da efetividade, o princípio da economicidade (ou economia processual) e o princípio da segurança jurídica”. GONÇALVES FILHO, João Gilberto. O Princípio Constitucional da Eficiência no Processo Civil. Tese (Direito Processual), Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010, p. 37-38.

10 Nesse sentido, art. 34, parágrafo único da Lei de Arbitragem dispõe: “Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional”.

11 Segundo a pesquisa: “10. Para os contratos em geral, pode-se dizer que a probabilidade de anulação de uma sentença arbitral hoje nas principais câmaras arbitrais da cidade de São Paulo é de 1,5%”. Fonte: Processos relacionados à Arbitragem (cbar.org.br). Acesso em 23 nov. 2023.

12 "11. As varas especializadas da comarca de São Paulo atuam de forma complementar e oferecendo suporte à jurisdição arbitral através da análise de pedidos de medidas de urgência pré-arbitrais, da instituição de juízos arbitrais e do cumprimento de sentenças arbitrais, respeitando o mecanismo de resolução de controvérsias escolhido pelas partes e anulando sentenças arbitrais de forma excepcional". Fonte: Processos relacionados à Arbitragem (cbar.org.br). Acesso em 23 nov. 2023.

13 Faz-se referência aqui ao PL 3.293/2021, também conhecido como “PL Antiarbitragem”.

14 Faz-se referência aqui à ADPF 1050, convertida em ADI 1050. STF. ADPF 1050. Processo No 0071872-83.2023.1.00.0000. Rel. Min. Alexandre De Moraes. DJe em 29/03/2023.

15 High Court of Justice of England and Wales [2023] EWHC 2638 - 23 Oct 2023. Demais dados a respeito desse caso podem ser encontrados em: Global Arbitration Review. Acesso em 26 nov. 2023.

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Colunista

Thiago Marinho Nunes é doutor em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Mestre em Contencioso, Arbitragem e Modos Alternativos de Resolução de Conflitos pela Universidade de Paris II – Panthéon-Assas; Vice-Presidente da CAMARB; Fellow do Chartered Institute of Arbitrators; Professor Titular de Arbitragem e Mediação do IBMEC-SP; árbitro independente.