Muito embora a discussão a respeito da figura do árbitro, de seus direitos e deveres, tenha sido colocada em foco pela comunidade jurídica atuante na arbitragem nos últimos anos, pouco se discutiu a respeito da prática da composição dos tribunais arbitrais. Tal discussão ganha especial relevo quando se trata da nomeação de uma terceira pessoa – o presidente do tribunal arbitral, que juntamente com seus pares – coárbitros, merece ter a confiança das partes para que possa exercer seu mister1.
Na arbitragem, a constituição do tribunal arbitral configura momento crucial para o bom desenvolvimento do processo arbitral. A escolha do árbitro certamente se afigura como um ponto altamente estratégico da parte. Isso pode valer para os chamados coárbitros, isto é, aqueles unilateralmente indicados por cada uma das partes. Mas será que também valeria para a escolha do árbitro presidente?
Normalmente, cabe aos coárbitros a indicação da pessoa que irá presidir o tribunal arbitral. Trata-se de regra que se encontra timidamente disposta e de rara aplicação na lei 9.307/1996 ("Lei de Arbitragem")2, mas com um detalhamento maior nos regulamentos de arbitragem, especialmente aqueles mais utilizados nas arbitragens brasileiras3. Considerando que as partes, usualmente optam pelo uso da arbitragem institucional, administrada por uma câmara e regida por seu correspondente regulamento4, esse último se se ocupa de estipular as regras concernentes ao processo, incluindo, mas não se limitando, à escolha do presidente do tribunal arbitral5. A esse respeito confira-se o que dispõe o art. 11.5 do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá ("CAM-CCBC"): "Superada a etapa de indicação de coárbitros, a secretaria do CAM-CCBC, salvo estipulação contrária das partes, os notificará para que, no prazo de 10 (dez) dias, indiquem o presidente do tribunal arbitral, preferencialmente integrante da lista de árbitros do CAM-CCBC"6.
Ainda assim uma dúvida persiste. Nada obstante os regulamentos de arbitragem mais utilizados no Brasil determinarem que a escolha do árbitro presidente constitui prerrogativa dos coárbitros, a prática arbitral moderna tem revelado o uso de um método diferente, consistente na ampla participação das partes nesse processo de escolha. Como isso pode se dar na prática? Diversas são as fórmulas passíveis de serem adotadas, mas a mais comum é a elaboração de uma lista com seis nomes escolhidos de comum acordo entre os coárbitros e posterior submissão de tal lista às partes para que, em determinado prazo comum, apresentem vetos de até dois nomes constantes da aludida lista, sem a necessidade de justificativa para tais cortes7.
Nada impede, ainda, que, de forma alternativa ao método acima exposto e superando-se qualquer veto, as partes, de comum acordo, escolham, em conjunto, o nome do presidente entre um dos membros constantes da aludida lista. Ou mesmo, em casos mais raros, que as próprias partes, sem mesmo consultar os coárbitros, escolham, em conjunto, a pessoa a presidir o tribunal arbitral.
Tais métodos existem e são cultivados com frequência no âmbito da prática arbitral por um motivo muito simples: a arbitragem pertence às partes litigantes. São elas as verdadeiras comandantes do processo, cuja moldagem é por elas delineado8. Tal premissa não é nova e pode ser extraída da análise dos arts. 21, caput e 13, 3º da Lei de Arbitragem:
Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.
Art. 13, § 3º As partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada.
Por evidente, não se deve olvidar da autoridade do árbitro para dirimir as questões sobre as quais as partes não cheguem a um consenso9. Mas isso sempre deve se dar em último caso. Todavia, não é objeto dessas linhas definir o que deve, ou não, ser objeto de crivo do tribunal arbitral na ausência de alinhamento entre as partes. O ponto fulcral desse breve estudo é deixar claro que já se foi o tempo em que a escolha da pessoa que presidirá o tribunal arbitral recaia ao simples alvedrio dos coárbitros. Por mais que não haja uma regra especifica nos regulamentos de arbitragem mais utilizados em âmbito nacional10, a praxe já demonstrou que, nos últimos anos, não haverá indicação do responsável pela presidência do painel arbitral sem que se passe, primeiro, pelo crivo das partes. Inclusive, entende-se que tal participação é fundamental de modo a garantir legitimidade plena ao tribunal arbitral a ser constituído. Em outras palavras, o termo confiança ditado pelo art. 13 da Lei de Arbitragem11 vale não só para os árbitros indicados pelas partes mas, também, à pessoa que presidirá o tribunal arbitral.
Por outro lado, e ainda que se enalteça o direito das partes de participarem ativamente na composição do tribunal arbitral, em especial, na escolha de seu presidente, deve se ter claro que, idealmente, a pessoa que irá presidir o painel precisa ter boa interação e/ou afinidade com os coárbitros. Membros de um tribunal arbitral trabalham de forma coesa, coordenada e, principalmente, colegiada. Uma das grandes vantagens da arbitragem é justamente que aqueles que comandam e moldam o processo (isto é, as partes), possam escolher julgadores que trabalhem da forma acima mencionada, primando-se pela eficiência, neutralidade, competência, dentre outros atributos. Assim, uma escolha coerente e coordenada entre partes e coárbitros da pessoa a presidir o painel tende a ser altamente eficaz.
Tal situação, que, pensa-se ser a mais desejável, pode estar sujeita a algumas peculiaridades no âmbito do processo arbitral. Quando, por exemplo, um tribunal é constituído, tendo o presidente sido escolhido pelos coárbitros mediante o prévio envio de lista sêxtupla às partes. Ocorre que, poucos dias após a constituição formal do tribunal, um dos coábitros apresenta renúncia ao cargo por força de um conflito superveniente. O que era antes um tribunal, deixa de sê-lo no momento que o árbitro renunciante deixa o cargo. A providência seguinte é que a parte que havia nomeado o árbitro renunciante deva indicar novo árbitro. Nesse caso, como ficaria a situação dos demais árbitros, em especial, da pessoa que havia sido escolhida para presidir o tribunal arbitral?
Os regulamentos arbitrais brasileiros mais utilizados não contêm uma regra específica para tal tipo de situação. Algumas hipóteses poderiam ser vislumbradas: uma primeira, seria a de que o presidente já teria sido investido na função e passado pelo crivo das partes. Nesse caso, bastaria que a parte indicasse novo árbitro e o processo teria o seu curso normal. No entanto, a maior parte dos regulamentos nacionais estipula que a escolha do árbitro presidente pertence aos coárbitros. Nesse caso, a nomeação do presidente anterior teria a sua eficácia suspensa em razão da saída do árbitro renunciante? Seria o caso de a nova pessoa a ser indicada como árbitro ratificar ou não o presidente anteriormente nomeado? Em caso positivo, em que momento? Deve-se lembrar que a investidura na função de árbitro não é automática. A pessoa indicada deve preencher um questionário de conflito de interesses e disponibilidade, cumprir, se o caso, o seu dever de revelação disposto no art. 14, § 1º da Lei de Arbitragem, inter alia, no primeiro momento a se apresentar nos autos. Trata-se de momento em que a pessoa indicada ainda não é árbitra, pois é imperiosa a sua confirmação, antes de se investir na função judicante12.
Tais questões são acima colocadas para reflexão dos operadores da arbitragem, em especial, advogados, membros de instituições arbitrais, profissionais que, ocasionalmente, exercem a função de árbitro, e, é claro, os estudantes da arbitragem. São questões peculiares que merecem atenção e, se o caso, que sejam objeto de regramento claro, de modo a tornar ainda mais eficaz a escolha do árbitro presidente bem como de garantir a legitimidade da constituição do tribunal arbitral.
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1 Segundo Giovanni Ettore Nanni: "A arbitragem é estruturada em um pilar fundamental, que é a confiança. Não se cuida do único arrimo do instituto, porém, certamente, é de discutível relevância". Confiança na arbitragem: o seu papel no contrato intuitu personae de árbitro in Comitê Brasileiro de Arbitragem e a Arbitragem no Brasil. Obra comemorativa ao 20º aniversário do CBAr. São Paulo: Almedina, 2022, p. 275
2 Nesse sentido, a disposição do art. 13, (primeiro) § 4º da Lei de Arbitragem: "Sendo nomeados vários árbitros, estes, por maioria, elegerão o presidente do tribunal arbitral. Não havendo consenso, será designado presidente o mais idoso". Ao comentar tal regra, aduzem Selma Maria Ferreira Lemes e Vera Cecília Monteiro de Barros: "Esta previsão legal é de rara de ocorrer na prática, pois, como dito acima, geralmente as cláusulas compromissórias indicam a forma de eleição dos coárbitros e do presidente" (Lei de Arbitragem Comentada (coord. WEBER, Ana Carolina; LEITE, Fabiana de Cerqueira) Lei de Arbitragem Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, p. 174).
3 A título de referência, as principais câmaras de arbitragem do Brasil estão listadas no respeitado Leaders League: Brasil – Melhores Câmaras de Arbitragem – 2023 - Leaders League. Fonte: Acesso em 14 jul. 2023.
4 O que é possibilitado pela disposição contida no art. 5º da Lei de Arbitragem: “Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem”. No que tange à forma de escolha dos membros do tribunal arbitral, vide o disposto no art. 13, §3º da Lei de Arbitragem: “As partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada”.
5 Segundo Gustavo da Rocha Schmidt, Daniel Brantes Ferreira e Rafael Carvalho Rezende de Oliveira: "Os §§ 3º e 4º do art. 13 da Lei abordam o processo de escolha dos árbitros pelas partes, bem como o procedimento de nomeação do Presidente do Tribunal pelos coárbitros. As partes podem estabelecer na convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral) o método de escolha dos árbitros em caso de arbitragem ad hoc ou avulsa. No entanto, o mais comum, em terras brasileiras, tem sido a opção pela arbitragem institucional, de modo que o procedimento para escolha dos árbitros é ditado pelo regulamento de arbitragem de cada câmara ou centro de arbitragem" (Comentários à Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 77).
6 No mesmo sentido, é o disposto no art. 4.4 do Regulamento de Arbitragem da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil ("CAMARB"): "Salvo convenção em contrário, caso as partes optem pela constituição de Tribunal Arbitral com 3 (três) membros, caberá a cada uma delas a nomeação de um árbitro no prazo fixado no item 4.2. Após a manifestação de disponibilidade, não impedimento, independência e imparcialidade dos árbitros indicados, não havendo impugnação, estes serão intimados para, no prazo de 10 (dez) dias, indicarem conjuntamente o terceiro árbitro, que funcionará como presidente do Tribunal Arbitral. Não sendo alcançado o consenso entre os árbitros indicados pelas partes, a indicação do árbitro presidente caberá à Diretoria da CAMARB".
7 Selma Maria Ferreira Lemes e Vera Cecília Monteiro de Barros: "Muitas vezes, para a indicação do presidente do tribunal arbitral, os coárbitros consultam as partes fornecendo uma relação de nomes para que as partes opinem a respeito, podendo indicar os nomes aprovados ou excluídos". (Lei de Arbitragem Comentada (coord. Weber, Ana Carolina e Leite, Fabiana de Cerqueira) Lei de Arbitragem Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, p. 174).
8 A esse respeito, vide o entendimento de Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Matheus Lins Rocha e Débora Cristina Fernandes Ananias Alves Ferreira: "As partes definirão como se dará a escolha do presidente, que poderá ser escolhido por ambas as partes, pelos coárbitros, pela instituição arbitral, por um terceiro, ou por qualquer outra forma definida pelas partes, desde que haja o respeito ao devido processo legal constitucional". (Lei de Arbitragem Comentada Artigo por Artigo. São Paulo: Juspodivim, 2019, p. 231).
9 A esse respeito, ver: A flexibilidade da arbitragem e o controle dos árbitros - Migalhas. Acesso em 18 jul. 2023.
10 Breve exceção se faz aqui em relação ao regulamento de arbitragem da CAMNORTE, que estipula o sistema de listas no caso de desacordo na nomeação. Assim dispõe o regulamento:
"art. 7.3 do respectivo regulamento: “Caso a convenção de arbitragem não tenha determinado a forma de indicação dos Árbitros ou não haja consenso das Partes quanto ao método de indicação, o Tribunal Arbitral será nomeado pelo Presidente da CAMNORTE de acordo com o seguinte método:
7.3.1. O Presidente da CAMNORTE encaminhará a ambas as Partes uma ou mais listas idênticas, contendo os nomes e currículos de potenciais Árbitros;
7.3.2. Consoante instruções do Presidente da CAMNORTE, cada Parte poderá eliminar nomes da lista e numerar os demais de acordo com a sua ordem de preferência;
7.3.3. Após checagem de imparcialidade, independência e disponibilidade, serão nomeados para o Tribunal os profissionais desimpedidos com melhor ranking segundo a listas de ambos os litigantes e, como suplentes, os demais". Fonte: b7a4ce_882a1def6ba648e298984a880d7033d2.pdf (camnorte.com.br). Acesso em 03 jul. 2023.
11 A esse respeito, o entendimento de Selma Maria Ferreira Lemes e Vera Cecília Monteiro de Barros: "O conceito de confiança da parte no árbitro, na dicção da lei, tem duas óticas de análise. A primeira, intrínseca, significa que o árbitro deve ser pessoa de bem, honesta e proba. É o que se denomina de probidade arbitral. A honorabilidade de uma pessoa para ser indicada como árbitro representa a sua idoneidade legal para o exercício da função. A segunda, extrínseca, representa a certeza [a incutir em terceiros que nele confiam] de ser pessoa capaz de exarar decisão, sem se deixar influenciar por elementos estranhos e que não tenha interesse no litígio. O árbitro deve ser independente e imparcial, antes e durante todo o procedimento arbitral, até ditar a sentença, quando põe fim ao seu mister de árbitro. A confiança da parte depositada na pessoa do árbitro representa a certeza de que este terá a independência para julgar com imparcialidade, posto que a independência é um pré-requisito da imparcialidade" (Lei de Arbitragem Comentada (coord. Weber, Ana Carolina e Leite, Fabiana de Cerqueira) Lei de Arbitragem Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, p.172-173).
12 A esse respeito, ver MARTINS. Pedro A. Batista. As três fases da arbitragem. Revista do Advogado. São Paulo: AASP, ano XXVI, n. 87, p. 87, 2006.