Tema pouco debatido na doutrina arbitral diz respeito à dois peculiares termos da lei 9.307/1996 ("Lei de Arbitragem"), cuja compreensão é de suma importância ante as consequências causadas pela sua utilização. Os termos em questão são "instauração da arbitragem" e "instituição da arbitragem". Seriam eles similares? Caso negativo, qual seria a razão para distingui-los?
O ato instaurar significa "dar início a (algo que não existia); introduzir, implantar, instalar"1. Já o verbo instituir, por mais que tenha sentido similar ao anterior, leva com mais vigor à ideia de "estabelecer", "criar" ou "fundar"2.
Na Lei de Arbitragem o verbo instituir é mais constante. Tanto o verbo instituir quanto termo “instituição” estão presentes em 14 (quatorze) disposições da Lei de Arbitragem3. Já o verbo "instaurar" ou algum derivado, está presente em uma única disposição, a do § 2º do art. 19 da Lei de Arbitragem.
Com efeito, o ato de se instaurar é anterior ao de instituir. Na prática da arbitragem, a instauração do respectivo processo se dá quando o requerimento (ou solicitação) de arbitragem é protocolado junto à determinada câmara arbitral (caso a arbitragem seja institucional), ou quando da notificação à parte contrária acerca da intenção de dar início ao processo arbitral (caso arbitragem seja ad hoc).
Já o verbo instituir é posterior ao ato de instaurar, na acepção da Lei de Arbitragem. Isso porque a instituição da arbitragem pressupõe a existência de plena jurisdição arbitral ou de juízo instituído, em que os atos inerentes ao processo devem ocorrer, unicamente, perante o ou os árbitros.
Para que se possa compreender o real sentido desses dois termos no âmbito da Lei de Arbitragem, merece destaque a análise do art. 19 e seus parágrafos, da Lei de Arbitragem, a única em que ambos os termos instauração e instituição estão presentes. Para facilidade de referência transcreve-se aqui as referidas disposições:
"Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários.
§ 1o Instituída a arbitragem e entendendo o árbitro ou o tribunal arbitral que há necessidade de explicitar questão disposta na convenção de arbitragem, será elaborado, juntamente com as partes, adendo firmado por todos, que passará a fazer parte integrante da convenção de arbitragem;
§ 2o A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição".
O caput do art. 19 da Lei de Arbitragem estabelece quando efetivamente a jurisdição arbitral passa a existir, isto é, quando aceita a missão pelos árbitros. É claro que a mera "aceitação" não é suficiente para que a jurisdição arbitral se efetive. Candidatos ao posto de árbitro podem aceitar a missão de imediato, mas, antes de serem confirmados podem ser instados aos mais diversos tipos de esclarecimentos pelas Partes, prática que, aliás, tem sido recorrente na arbitragem. Podem ser também ser substituídos, sofrerem exceção de recusa e, ao fim e ao cabo não confirmados. É justamente por tais razões, que o termo aceitação só pode ser lido como a efetiva confirmação do árbitro (se único) ou de todos (em caso de tribunal arbitral)4.
Já o § 1º do art. 19 deixa ainda mais evidente o sentido da existência de efetiva jurisdição arbitral ao dispor que após, "instituída" a arbitragem, podem já os árbitros, devidamente investidos da função jurisdicional, darem seguimento ao curso do processo arbitral por meio do chamado “adendo” que se refere o § 1º do art. 19, o qual, na prática, alude ao conhecido termo de arbitragem. E um parêntesis deve ser feito aqui: a instituição da arbitragem, a qual, se bem interpretada se dá com a constituição do tribunal arbitral, não só dá ensejo à elaboração do dito "adendo", mas gera importantes efeitos jurídicos, como a obrigatória apresentação de quaisquer medidas, como as de urgência, perante o tribunal arbitral constituído, independentemente da formalização deste documento, qual seja, o termo de arbitragem5.
Já o § 2º do art. 19 alude a ambos os termos discutidos nessas linhas: o da instituição e o da instauração da arbitragem. Apesar de a aludida disposição ter como objeto a interrupção da prescrição em sede de arbitragem, há a evidente distinção entre instituição e instauração da arbitragem. Em linhas claras o que está disposto na referida norma é que, o curso do prazo de prescrição se interrompe quando há efetiva jurisdição arbitral (instituição da arbitragem), mas que, para não prejudicar o credor diligente6, retroage à data do requerimento de sua instauração7. Como visto anteriormente, é a única disposição da Lei de Arbitragem que se refere ao termo "instauração". E, de forma correta, o artigo demonstra que o ato de instaurar se distingue do de instituir, eis que a instauração visa formalizar a intenção de uma parte de dar início ao processo arbitral. Arbitragem instaurada se dá na fase pré-arbitral, quando não há jurisdição arbitral existente.
A distinção entre tais termos – instituição e instauração é crucial de modo a evitar equívocos na condução do processo arbitral. Exemplo disso, é o que consta do art. 20 da Lei de Arbitragem, segundo o qual a "parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem". Ou seja, é direito da parte arguir os vícios acima elencados na primeira oportunidade que tiver e sujeito à preclusão8 (e isso deve ser provado pela parte que alega) após a constituição do tribunal arbitral, com os árbitros nomeados já devidamente investidos da função jurisdicional, ou seja, confirmados.
Outro importante exemplo é o que consta do parágrafo único do art. 22-A da Lei de Arbitragem, segundo o qual "Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão". O que está reproduzido nesta disposição é que a parte diligente deve provar ao juízo prolator da decisão que confere eventual tutela de urgência que ela efetivamente requereu a instituição da arbitragem, devendo essa comprovação ser feita por meio da apresentação do protocolo do requerimento de instauração de processo arbitral. Isto é, não pode a parte provar que uma arbitragem será imediatamente instituída, pois impossível, mas pode ela provar que requereu a sua instauração.
Por fim, deve-se ter atenção à contagem do prazo previsto no art. 23 da Lei de Arbitragem, segundo o qual "a sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro". Dessa forma, o prazo de seis meses acima referido se conta a partir da instituição da arbitragem, ou seja, da efetiva confirmação dos árbitros, se tribunal arbitral, ou do árbitro, se único. Mas, justamente em razão da exiguidade de tal prazo, a própria disposição do artigo possibilita que as partes ajustem outro prazo9, o que normalmente ocorre pela adesão às regras constantes dos regulamentos de arbitragem mais utilizados no Brasil10.
O que se pretende, nessas linhas, não é apenas diferenciar os termos instituição e instauração. É preciso ter consciência de que a jurisdição arbitral não se forma com apenas um ato e leva tempo para que se concretize. Justamente por tais razões, o eficaz estudo da arbitragem, que leva à inevitável consequência prática, deve ser feito por etapas, levando sempre em consideração as suas três fases: pré-arbitral, arbitral e pós-arbitral11.
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1 INSTAURAR. In: MICHAELIS: Dicionário brasileiro da língua portuguesa. Editora Melhoramentos. Disponível aqui. Acesso em: 26/05/2023.
2 INSTITUIR. In: MICHAELIS: Dicionário brasileiro da língua portuguesa. Editora Melhoramentos. Disponível aqui. Acesso em: 26/05/2023.
3 São elas: Art. 4º, § 2º, Art. 5º, caput, Art. 6º, caput, Art. 7º, caput, art. 19, caput e § 1º e § 2º, art. 22-A e § único, art. 22-B § único, art. 23, caput, art. 38, inciso V e art. 42.
4 Nesse sentido, é a lição de Pedro A. Batista Martins: "Deve-se entender que a aceitação pelos árbitros da função não põe termo à fase pré-arbitral, pois esta somente se completa com a efetiva confirmação destes, após submetido o Termo de Independência às demandantes. Antes dessa confirmação, os árbitros podem até ter aceito, mas, ainda, não foram confirmados. E podem, mesmo, nem vir a ser confirmados, caso haja algum fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência" (As três fases da arbitragem. Revista do Advogado. São Paulo: AASP, ano XXVI, n. 87, p. 87, 2006).
5 É o que dispõe o art. 22-B da Lei de Arbitragem: "Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário".
6 Assim entende Pedro Batista Martins: “Obviamente que a parte deve se manter diligente no que toca à notificação do demandado pela instituição da arbitragem. Mas, no meu entender, com o pedido de instituição de arbitragem o demandante comprova o regular exercício de um direito (i.e., interrupção da prescrição), pois, com esse ato, está dando início a uma ação, não de cunho judicial, mas, em tudo e para tudo, a ela equivalente. Inclusive para fins de interrupção da prescrição.” (As três fases da arbitragem. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, ano XXVI, nº 87, p. 90, 2006)
7 A qual, nada mais é do que uma reprodução adaptada do disposto no art. 240, § 1º do Código de Processo Civil ("CPC"): "A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação".
8 No que se refere aos prazos de preclusão, ao menos no direito arbitral brasileiro, entende Carlos Alberto Carmona que, na esfera arbitral, os efeitos da preclusão operam em relação à oportunidade que as partes têm para arguir, questões relativas à competência, suspeição, ou impedimento do árbitro (art. 20, caput, da Lei nº 9.307/1996). Dessa forma, Carmona, ao tecer o seu comentário ao referido dispositivo legal, assim se manifesta: "Entre essas últimas (questões em que há a atuação do princípio da disponibilidade), estão algumas das questões relativas à suspeição e impedimento do árbitro: se as partes, sabedoras de motivo para afastamento do árbitro, deixam de alegá-lo, estão tacitamente concordando que tal motivo não causará a parcialidade do julgamento (ou, pelo menos, estão aceitando o risco de eventual parcialidade), e consequentemente não podem reservar-se o direito de, proferido o laudo, trazerem à baila a questão (a não ser, é claro, que o motivo de impedimento ou suspeição tenha sido descoberto posteriormente). A preclusão aqui, ocorrerá se a parte que tiver conhecimento do motivo que possa levar à recusa do árbitro deixar de apresentar a respectiva exceção na primeira oportunidade que tiver" (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à lei 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 284).
9 Nesse sentido, ensina Leonardo de Faria Beraldo: "Em suma, quando a parte instaura um procedimento arbitral em determinada instituição de arbitragem, significa que está aderindo ao seu regulamento, salvo se expressamente as partes estiverem abolindo-o, e ainda, que haja, autorização do órgão arbitral. Isso significa que os prazos para se proferir sentença estabelecidos no regulamento valerão para as partes, mesmo que não exista disposição expressa, nesse diapasão, na convenção de arbitragem ou na ata de missão. (Curso de Arbitragem: nos termos da lei 9.307/96. São Paulo, Atlas, 2014, p. 419 – ênfase acrescentada).
10 A título de exemplo, cita-se o regulamento de arbitragem do CMA CIESP/FIESP, que em seu art. 15.1 dispõe: "15.1. O Tribunal Arbitral proferirá a sentença arbitral no prazo de 60 (sessenta) dias contados do dia útil seguinte ao da data fixada para a apresentação das alegações finais, podendo ser prorrogado por mais 60 (sessenta) dias a critério do Tribunal Arbitral. Em casos excepcionais e por motivo justificado, poderá o Tribunal Arbitral solicitar ao Presidente da Câmara nova prorrogação".
11 Ao discorrer sobre essa divisão tripartite das fases da arbitragem, ensina Pedro A. Batista Martins: "1. A lei brasileira de arbitragem, também conhecida como lei Marco Maciel (lei 9.307/96), é provida de uma sistemática própria que assegura um sentido, e uma estrutura, harmônica com os princípios norteadores do instituto. 2. Com efeito, podemos aplicar a esse sistema uma divisão macro em três fases, a saber: pré-arbitral, arbitral e pós-arbitral. 3. Cada uma dessas fases comporta uma sistematização específica e deve ser entendida, e interpretada, com uma visão do todo para que sua aplicação se dê em fina sintonia com a finalística própria das fases, sob pena de desvirtuamento dos efeitos que cada uma dessas etapas produz" (As três fases da arbitragem. Revista do Advogado. São Paulo: AASP, ano XXVI, n. 87, p. 87, 2006).