Arbitragem Legal

O controle judicial do exercício do devido processo legal na arbitragem

Ao longo de um procedimento arbitral, pode ocorrer às partes de solicitar a exibição de documentos fora das datas previstas no calendário procedimental, apresentar novas demandas após a assinatura do termo de arbitragem ou, em casos mais graves, adotar posturas protelatórias e contrárias ao dever de cooperação.

26/7/2022

As breves notas a seguir se propõem a investigar como e dentro de quais limites deve ser exercido o devido processo legal na arbitragem.

Não raro, ao longo de um procedimento arbitral, pode ocorrer às partes de solicitar a exibição de documentos fora das datas previstas no calendário procedimental, apresentar novas demandas após a assinatura do termo de arbitragem ou, em casos mais graves, adotar posturas protelatórias e contrárias ao dever de cooperação.

Diante de tal cenário, a falta de respostas assertivas por parte dos árbitros pode prejudicar a eficiência da arbitragem, tornando-a excessivamente demorada e custosa. Por essa razão, defende-se que tribunais arbitrais devem adotar postura firme ao manejar questões procedimentais, de modo a assegurar a observância de garantias processuais das partes sem frustrar a eficiência do procedimento.

De acordo com Eduardo de Albuquerque Parente, à diferença do processo estatal, no qual o devido processo legal é definido por normas processuais preestabelecidas, no processo arbitral, o devido processo legal constitui-se por normas criadas pelas partes e árbitros1. Assim, na arbitragem o conceito de processo legal é preenchido pela lei 9.307/96 (“lei de arbitragem”), pelos regulamentos de instituições arbitrais, pela vontade das partes e pela ação diretiva dos árbitros2.

A primeira fonte do devido processo legal na arbitragem é, portanto, a lei. Nesse sentido, o art. 21, parágrafo 2º, da Lei de Arbitragem estabelece que, no procedimento arbitral, deverão sempre ser respeitados “os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento”.

Contudo, independentemente do quão detalhadas forem as normas elaboradas pelas partes ou pela instituição arbitral quanto à condução no procedimento, é impossível conceber ex ante todas as eventualidades possíveis que possam emergir no curso de uma arbitragem. Por esse motivo, dispõe o árbitro de ampla discricionariedade para nortear o procedimento naquilo em que as partes forem omissas ou dissidentes3.

Nessa linha, na ausência de acordo específico das partes, a maioria das legislações arbitrais concede ao tribunal arbitral discricionariedade para conduzir o procedimento da forma que entender adequado. No Brasil, essa discricionariedade encontra respaldo no artigo 21, caput, da lei de arbitragem4. Em direito comparado, prescrições semelhantes podem ser encontradas no art. 1.042(4), do Código de Processo Civil Alemão5, no art. 34(1), do English Arbitration Act6, no art. 1.509, do Código de Processo Civil Francês7 e no art. 182(2) da lei Federal Suíça sobre Direito Internacional Privado8.

A discricionariedade do árbitro, contudo, não é ilimitada, na medida em que submetida às contrições impostas pelo due process. Cabe, então, aos árbitros a árdua tarefa de equilibrar dois objetivos aparentemente inconciliáveis: eficiência procedimental e devido processo legal.

Se, por exemplo, o tribunal arbitral deparar-se com a solicitação de uma das partes para a produção de documentos de última hora, ao autorizar tal solicitação, poderá prejudicar a eficiência do procedimento. Por outro lado, se deixar de admiti-las, a sentença arbitral a ser proferida correrá o risco de ser objeto de demanda anulatória fundada em violação do devido processo legal9.

Trata-se, contudo, de uma falsa dicotomia, pois a eficiência da arbitragem deve ser compreendida como resultado da realização do princípio do devido processo legal. Mesmo as garantias processuais fundamentais estão sujeitas a limitações. Nenhuma lei ou diretriz em matéria de arbitragem dispõe que as partes devem possuir toda oportunidade para apresentar seu caso, pois preferem referir-se a uma oportunidade dita razoável. Aqui, a escolha terminológica não é fortuita, pois serve exatamente ao fim de prevenir eventuais abusos que o uso de formulações excessivamente abrangentes poderia autorizar10.

Embora poucos mecanismos sejam mais eficientes para conter abusos das partes do que árbitros experientes e capacitados11, frequentemente os árbitros receiam em tomar medidas assertivas, contrárias à vontade de alguma das partes, o que pode decorrer do temor de proferir sentença arbitral que possa ser eventualmente não homologada ou anulada pelo juízo estatal.

De fato, regulamentos de diversas instituições arbitrais, como a CCI12, a LCIA13 e a SIAC14, reforçam o dever primordial do árbitro de realizar todo esforço razoável a fim de garantir a eficácia da sentença. Desse modo, em se tratando de arbitragens internacionais, observa-se que as cortes estatais costumam reconhecer violações ao devido processo legal somente em casos de relevante gravidade, atribuindo uma leitura estrita ao artigo V(1)(b), da Convenção de Nova York15.

A título exemplificativo, em ação anulatória verificada no caso Corporacion Transnacional de Inversiones SA v STET International Spa, o tribunal estadunidense decidiu que, para que ocorra a anulação de sentença arbitral por violação do artigo 18 da Lei Modelo da UNCITRAL, a conduta dos árbitros deve ser séria a ponto de ofender as mais básicas noções de moralidade e justiça16.

No caso Grosso v. Barney, a corte norte-americana entendeu que os árbitros agiram dentro dos limites de seus poderes discricionários ao se recusarem a receber um novo pedido quando a parte tentou alterar suas alegações iniciais sem evidências concretas17.

Ainda, no caso Peters Fabrics Inc. v. Jantzen Inc., o tribunal distrital constatou que o árbitro agiu dentro de seus poderes ao se recusar a considerar um pedido reconvencional apresentado por uma das partes às vésperas da audiência arbitral18.

Dessa forma, apesar de árbitros deixarem de empregar medidas rígidas a fim de evitar o risco de proferir uma sentença ineficaz, a experiência demonstra que, ao contrário do que se poderia supor, o juiz estatal raramente sanciona árbitros que adotam uma postura firme na condução do procedimento.

Tendo em vista as considerações aqui apresentadas, pode-se afirmar que o tribunal arbitral ideal seria aquele capaz de resguardar a equidade processual, tratando as partes de forma igualitária e oferecendo a elas oportunidade razoável para apresentação de seus argumentos, ao mesmo tempo em que garante o desenrolar do procedimento de acordo com as regras procedimentais e calendário inicialmente acordados.

De modo geral, vale esperar dos árbitros maior disposição para tomar medidas direcionadas a desencorajar as partes a optarem por táticas agressivas e protelatórias. Das partes, espera-se um comportamento que sugira que tempo e dinheiro são elementos que lhe são caros.

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1 PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema. 2010. São Paulo: Atlas, 2012, p. 103-104.

2 Ibidem, p. 129-130.

3 CARMONA Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2009, p. 292.

4 Art. 21: “A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento”.

5 German Code of Civil Procedure, section 1.042(4): “Absent an agreement by the parties, and in those cases regarding which the present Book does not make any provisions, the procedural rules shall be determined by the arbitral tribunal at its sole discretion. The arbitral tribunal is authorised to decide on the admissibility of the taking of evidence, to so take evidence, and to assess the results at its sole discretion”.

6 English Arbitration Act, article 34(1): “It shall be for the tribunal to decide all procedural and evidential matters, subject to the right of the parties to agree any matter”.

7 Code de procédure civile, article 1.509: “[...] Dans le silence de la convention d'arbitrage, le tribunal arbitral règle la procédure autant qu'il est besoin, soit directement, soit par référence à un règlement d'arbitrage ou à des règles de procédure”.

8 Loi fédérale sur le droit international privé, article 182(2) : “Si les parties n’ont pas réglé la procédure, celle-ci sera, au besoin, fixée par le tribunal arbitral, soit directement, soit par référence à une loi ou à un règlement d’arbitrage”.

REED, Lucy F.; SALEH, Shaparak, Bon courage, TRIBUNALS!, BCDR International Arbitration Review, v. 2, a. 1, 2015, p. 5.

10 REED, Lucy F.Ab(use) of due process: sword vs shield, Arbitration International, Oxford University Press, v. 33, a. 3, 2017, p. 368.

11 PARK, William W. Arbitration's Discontents: Of Elephants and Pornography, Arbitration International, Oxford University Press, v. 17, a. 3, 2001, p. 272.

12 Regulamento de arbitragem CCI, artigo 42: “Em todos os casos não expressamente previstos no Regulamento, a Corte e o tribunal arbitral deverão proceder em conformidade com o espírito do Regulamento, fazendo o possível para assegurar que a sentença arbitral seja executável perante a lei”.

13 LCIA Arbitration Rules, article 32(2): “For all matters not expressly provided in the Arbitration Agreement, the LCIA, the LCIA Court, the Registrar, the Arbitral Tribunal, any tribunal secretary and each of the parties shall act at all times in good faith, respecting the spirit of the Arbitration Agreement, and shall make every reasonable effort to ensure that any award is legally recognised and enforceable at the arbitral seat”.

14 SIAC Arbitration Rules, 41(2): “In all matters not expressly provided for in these Rules, the President, the Court, the Registrar and the Tribunal shall act in the spirit of these Rules and shall make every reasonable effort to ensure the fair, expeditious and economical conclusion of the arbitration and the enforceability of any Award”.

15 BERG, Albert Jan Van Den. The New York Arbitration Convention of 1958: towards a uniform judicial interpretation, T.M.C. Asser Institute, The Hague, 1981, p. 297.

16 Parsons & Whittemore Overseas Co. v. Societe Generale de L'Industrie du Papier (RAKTA), 508 F.2d 969 (2d Cir. 1974), p. 215.

17 Grosso v. Barney, 2003 WL 22657305 at *5 (E.D. Pa. Oct. 24, 2003): arbitrators were well within the proper scope of their discretion in refusing to hear the new claim”.

18 Peters Fabrics, Inc. v. Jantzen, Inc., 582 F. Supp. 1287 (S.D.N.Y. 1984): The arbitrator acted well within the proper scope of his discretion in refusing to consider a counterclaim submitted only one week before the arbitration hearing”.

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Colunista

Thiago Marinho Nunes é doutor em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Mestre em Contencioso, Arbitragem e Modos Alternativos de Resolução de Conflitos pela Universidade de Paris II – Panthéon-Assas; Vice-Presidente da CAMARB; Fellow do Chartered Institute of Arbitrators; Professor Titular de Arbitragem e Mediação do IBMEC-SP; árbitro independente.